Comandante militar espanhol pede demissão após se vacinar contra o coronavírus antes do programado
Ministra Margarita Robles aceita a renúncia do general Miguel Ángel Villarroya para “não prejudicar a imagem” das Forças Armadas. No Brasil, autoridades investigam denúncias de filas furadas
O chefe do Estado Maior da Defesa espanhol (Jemad, na sigla em espanhol), general Miguel Ángel Villarroya, pediu demissão no sábado após a notícia de que ele próprio e outros comandantes militares haviam se vacinado contra a covid-19 apesar de não fazer parte dos grupos prioritários de imunização. O até agora chefe da cúpula militar enviou uma carta à ministra em que pede sua renúncia (fórmula equivalente à demissão dos militares da ativa) para “não prejudicar a imagem” das Forças Armadas. Robles aceitou seu pedido, de acordo com fontes de seu departamento.
O fenômeno está longe de ser apenas espanhol. Promotores de Justiça e procuradores da República de diferentes regiões do Brasil estão instaurando procedimentos para apurar denúncias de favorecimento a pessoas que, mesmo não fazendo parte de nenhum dos grupos considerados prioritários, teriam recebido a primeira dose da vacina contra o novo coronavírus. Levantamento da Agência Brasil aponta que, em ao menos dez estados, além do Distrito Federal, denúncias já motivaram os ministérios públicos estaduais e Federal a cobrar explicações dos governos locais sobre eventuais irregularidades na fila de prioridade, prevista no plano federal e em planos estaduais de vacinação.
Na carta, o general Villarroya defende sua decisão de se vacinar, tanto ele como generais e comandantes do Estado Maior da Defesa (Emad), que não estavam nos grupos fixados como prioritários, alegando que “no cumprimento de suas obrigações, de acordo com os protocolos estabelecidos e com a única finalidade de preservar a integridade, continuidade e eficácia da rede de comando das Forças Armadas” havia tomado “recentemente decisões que considerava acertadas”, mas que estão “deteriorando a imagem pública das Forças Armadas e colocando em dúvida” sua “própria honra”. Ainda que afirme que “nunca pretendeu se aproveitar de privilégios não justificáveis”, pede sua renúncia como Chefe de Estado Maior da Defesa, “com a consciência tranquila” e para “não prejudicar a imagem” das Forças Armadas.
A ministra da Defesa, Margarita Robles, pediu na sexta-feira um relatório ao general Villarroya após a publicação que ele mesmo e outros generais do Estado Maior da Defesa já haviam se vacinado contra a covid-19. A ministra não quis adiantar se tomaria alguma medida: “Em função do que disser o relatório, veremos”.
Fontes do Estado Maior da Defesa confirmaram que Villarroya e outros generais da rede de comando das Forças Armadas (como o chefe do Estado Maior Conjunto e do Comando de Operações) já haviam recebido a primeira dose da vacina da Pfizer-BioNtech. O plano de vacinação da Defesa ordenava administrá-la, em primeiro lugar, aos profissionais de saúde militares; e, na sequência, os efetivos que devem participar de missões internacionais. Esse é o motivo pelo qual em janeiro foram vacinados os tripulantes do navio de assalto anfíbio Castilla e do caça-minas Tajo, que devem zarpar nas próximas semanas.
Somente mais adiante deveriam ser vacinados os militares que ocupam postos críticos, de difícil substituição. Fontes do Estado Maior da Defesa, entretanto, disseram que este recebeu um lote de doses e que, uma vez vacinado o escasso pessoal de saúde que depende do órgão e os militares que em breve devem participar de missões internacionais, foi repassado ao grupo integrado pelos membros da rede de comando operacional. Dentro desse coletivo, acrescentaram, os generais foram priorizados “por ser os de idade mais avançada”. De acordo com as mesmas fontes, a vacinação no Estado Maior da Defesa não tinha por que seguir o mesmo ritmo que o restante das Forças Armadas e o conjunto da sociedade. O general Villarroya tem 63 anos.
A notícia causou incômodo entre muitos militares e também no próprio Ministério da Defesa, ao passar a imagem de que os generais são privilegiados e não os que estão mais expostos a contrair a doença. Além disso, surge em plena polêmica pelas vacinações irregulares de prefeitos e conselheiros autônomos, como os de Murcia e Ceuta, que furaram a fila e se vacinaram antes do que lhes cabia.
Robles frisou que o plano de vacinação do Ministério da Defesa está coordenado com o da Saúde e que no órgão central do departamento ninguém foi vacinado, apesar da Secretária de Estado, Esperanza Casteleiro, precisar se isolar após dar positivo. Nos dois hospitais militares, Gómez Ulla e Zaragoza, é seguido o protocolo sanitário das comunidades autônomas de Madri e Aragão, de modo que no primeiro a vacinação dos trabalhadores da saúde foi suspensa, atendendo à decisão do Governo regional.
Quando o EL PAÍS publicou na segunda-feira que os militares que saíam em missão internacional estavam sendo vacinados, fontes da Defesa afirmaram que seu plano de imunização, com um “lote reduzido” de vacinas entregues pelo ministério da Saúde, se adequava aos critérios gerais e só não os seguia em “casos excepcionais”.