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Evo Morales recebe um banho de massas no Chapare, a região cocaleira que o lançou à política

Ex-presidente boliviano retorna ao seu reduto um ano depois de sua renúncia e posterior exílio na Argentina

O ex-presidente boliviano Evo Morales acena a simpatizantes durante um comício com simpatizantes em Chimoré, departamento de Cochabamba, Bolívia.
O ex-presidente boliviano Evo Morales acena a simpatizantes durante um comício com simpatizantes em Chimoré, departamento de Cochabamba, Bolívia.Juan Karita (AP)
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Helbert Rojas espera na parada dos micro-ônibus que se dirigem da cidade de Cochabamba a Chimoré, município localizado na província do Chapare, reduto político do ex-presidente Evo Morales. Rojas olhava atento para o seu celular enquanto soava uma toada que repetia “MAS, MAS, MAS, já somos MAS, não nos submeteremos nunca mais”. Era uma canção com jeito folclórico, composta em homenagem ao Movimento ao Socialismo (MAS), partido político do líder cocaleiro. O jovem é de Santa Cruz, departamento que fica 300 quilômetros a leste de Cochabamba. Gastou um pouco mais de 70 dólares (377 reais) em passagens de avião. O custo da viagem de micro-ônibus até Chimoré sai por quase 10 dólares mais. Ele vê um homem passar com um carrinho de mão vendendo camisetas a três dólares (16 reais). Escolhe uma azul pastel, igual a uma das cores que representam o MAS. “O gasto não importa, vale tudo para ver o Evo”, afirma.

Num dia como hoje, 11 de novembro, exatamente um ano atrás, o primeiro presidente indígena da Bolívia abandonava o país encurralado por acusações de fraude eleitoral. Morales renunciou e se exilou no exterior, primeiro no México, e depois na Argentina. Com o MAS novamente no poder após vencer as eleições com mais de 55% dos votos, o líder cocaleiro preparou seu retorno nesta data simbólica. Depois de iniciar sua viagem de volta em Villazón, na fronteira com a Argentina, na segunda-feira passada, Morales percorreu por terra diferentes cidades e municípios em uma caravana. O destino final era a região que considera sua fortaleza, onde deu seus primeiros passos na vida sindical e política; onde, além do mais, foi acolhido e protegido antes de deixar o país.

Uma região sem tempo

Um ano após a partida de Morales, a região do Chapare parece congelada no tempo. As paragens verdes e seu clima úmido permanecem intocáveis, assim como a figura do líder do MAS. Cartazes dizendo “Evo presidente 2020-2025” e “a Bolívia muda, Evo cumpre” podem ser vistos ao longo de quase 180 quilômetros da estrada que une as localidades de Sacaba e Chimoré. Quase todas as casas têm a clássica bandeira azul, preta e branca que representa o partido, içada em galhos e varas, e destacando-se claramente na paisagem verde.

No caminho, as pessoas se amontoavam com bandeiras e cartazes para receber Morales. Houve um congestionamento, a sete quilômetros da entrada de Chimoré, por causa dos vários anéis de segurança para proteger o líder cocaleiro.

Apoiadores de Evo Morales na recepção do ex-presidente.
Apoiadores de Evo Morales na recepção do ex-presidente.FERNANDO CARTAGENA (AFP)

O aeroporto local, uma antiga base militar norte-americana que deixou de funcionar em 2006, foi onde Morales deixou a Bolívia na companhia de Álvaro García Linera, seu vice-presidente, e seus seguidores mais próximos, em meio a lágrimas. Após seu desterro, citou Tupac Katari em mais de uma ocasião: “Voltaremos e seremos milhões”. Por volta de meio-dia (hora local), não cabia mais uma só pessoa nos quatro quilômetros da pista de pouso. Em meio a música nativa, bandeiras do MAS e whipalas, centenas de milhares de pessoas aguardavam a chegada de Morales, ainda o presidente das seis federações de produtores de folha de coca. Com alto-falantes instalados a cada 20 metros junto a telões, tudo parecia um grande festival de música.

A evomania estava desatada. Até onde a vista alcançava, eram visíveis camisetas pretas com o rosto de Evo, bonés, faixas, indumentária do MAS, cânticos, bandas e artistas que esquentaram o público para a chegada de Morales em um helicóptero, que antes de pousar percorreu os quatro quilômetros mais de uma vez, em ida e volta. Os presentes seguiam a aeronave gravando com seus celulares. Nem a garoa que começou a cair antes do pouso e o céu cinzento que ameaçava despejar uma tempestade arrefeceram os ânimos.

Após um ano, a espera havia acabado. Morales, de calça preta e camisa verde-água de manga curta – traje semelhante ao da sua época como líder sindical –, voltava a fazer um discurso para centenas de milhares de pessoas. Durante mais de uma hora, deu-se um banho de massas, enquanto as pessoas lhe atiravam camisetas, bonés e bandeiras como presente. O discurso de Morales também serve como expiação do seu exílio. Contou histórias que viveu com a comunidade boliviana na Argentina e como se “salvou de morrer” quando deixou o seu país. A forte chuva anunciada afinal caiu, mas não afastou os presentes, enquanto Morales se molhava agarrado ao microfone. “Bom prenúncio a chuva, é um presente do tatu [pai, em quéchua] são Pedro”, afirmava, enquanto um de seus colaboradores lhe entregava um guarda-chuva. O público também abriu os seus.

O ato terminou com o apelo de Morales para que todos apoiem o novo presidente da Bolívia, Luis Arce Catacora, e defendam o denominado “processo de mudança”, um mantra que acompanhou o MAS por 14 anos e continuará pelos próximos cinco. “Não falou tanto desta vez”, comentou uma espectadora após a despedida do ex-presidente. Um jornalista perto ouviu essa afirmação e disse a seu acompanhante: “Pois é, você se lembra daquela vez em que ele mandou um discurso de mais de três horas?”.

O público começou a deixar a pista de pouso. Muitos comiam nos quiosques dos arredores. Outros se hidratavam, e alguns pareciam esgotados, em particular um casal sentado no pasto à beira da pista. A mulher perguntou ao homem: “E agora? O que vai acontecer com o Evo depois disto?”. “Sei lá o que ele fará, se ficará aqui, imagino”, respondeu. É uma dúvida que só Morales poderá responder.

Mulher chora no evento de recepção de Morales.
Mulher chora no evento de recepção de Morales.UESLEI MARCELINO (Reuters)

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