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Eleições EUA 2020
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Trump não é um acidente

Seja qual for o resultado, o candidato republicano representa mudanças profundas tanto na política norte-americana quanto também na global

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante um comício na Pensilvânia na segunda-feira.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante um comício na Pensilvânia na segunda-feira.Mark Makela (Getty Images / AFP)
Antoni Gutiérrez-Rubí

A apuração ainda não acabou e provavelmente acabará nos tribunais, mas já sabemos algumas coisas com certeza. Donald Trump não perdeu e Joe Biden ainda não ganhou. Estes podem ser os aspectos fundamentais para explicar por que Trump não é um acidente eleitoral de 2016 que 2020 irá corrigir. Ao contrário. Trump representa –e muito– profundas mudanças na política norte-americana e também global.

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U.S. Democratic presidential nominee and former Vice President Joe Biden speaks next to his wife Jill following early results from the 2020 U.S. presidential election in Wilmington, Delaware, U.S., November 4, 2020. REUTERS/Brian Snyder
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DETROIT, MI - NOVEMBER 04: A worker with the Detroit Department of Elections inspects an absentee ballot at the Central Counting Board in the TCF Center on November 4, 2020 in Detroit, Michigan. After a record-breaking early voting turnout, Americans head to the polls on the last day to cast their vote for incumbent U.S. President Donald Trump or Democratic nominee Joe Biden in the 2020 presidential election.   Elaine Cromie/Getty Images/AFP
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Estados Unidos ainda não sabem quem ganhou as eleições. O que acontece agora?
A supporter of U.S. President Donald Trump holds a Cuban flag during the 2020 U.S. presidential election, in Miami, Florida, U.S., November 3, 2020. REUTERS/Marco Bello TPX IMAGES OF THE DAY
Três Estados decidirão a eleição dos EUA por um punhado de votos

1. Voto latino. “Os latinos são republicanos, mas ainda não sabem disso”, disse Ronald Reagan certa vez. Conservadores, com a família no centro e filhos e filhas que já não são imigrantes, mas norte-americanos nativos, parecem ter virado as costas aos democratas. Trump aumentou sua cota em relação a 2016.

2. Voto oculto (muito menos distância, de acordo com as pesquisas). A maioria silenciosa, da qual Trump e seus seguidores já falavam em 2016, votou novamente. Isso não foi percebido pelas pesquisas, tampouco pelas métricas e ferramentas de apuração tradicionais. As pesquisas podem favorecer os vieses, mas podem não detectar as mudanças nem a determinação do eleitor que usa Trump para votar contra muitas coisas, pessoas e ideias. Trump é útil para o voto emocional.

3. Voto industrial. O famoso Rust Belt (Cinturão da Ferrugem em português, assim chamado por seu declínio econômico) voltou a fazê-lo. Nem as promessas não cumpridas, nem as novas preocupações das soccer moms (mulheres de classe média dos EUA), puderam com esse cinturão castigado pelos efeitos negativos da globalização e ao qual Trump fala diretamente. A calculada estratégia contra a China tem uma forte acolhida neste ecossistema em crise.

4. Os cinturões de Trump. O Rust Belt, como em 2016, dá boa parte de seus votos a Trump. O cinturão bíblico (Geórgia) e a metade do cinturão do sol (Texas e Flórida) também mantêm Trump. O Estado de Utah (cinturão mórmon) é outro republicano.

5. Ciência e política não são a mesma coisa. Da antielite Washington (2016) à antielite científica (2020). Trump construiu uma ponte narrativa entre 2016 e 2020. Ela serviu para contrabalançar as mais de 230.000 mortes e os quase nove milhões e meio de contágios de covid-19. Assim, com manifestações de massa e confrontando diretamente os argumentos científicos, conseguiu aglutinar sua base anticonfinamento e antivacina e também ampliá-la. Salvar a economia foi, para eles, salvar o país.

6. Voto econômico. Trump levantou a bandeira da economia durante toda a campanha. E parece que deu resultado. Diante de uma situação de crise, parece ter superado a adversidade de que os cidadãos norte-americanos pensem sobre quem administrou melhor a crise sanitária, para pensarem em quem administrará melhor a crise econômica que pode vir.

7. Votamos na personalidade e no caráter. O que Trump tem que agrada também a muitos setores que não se sentem representados ou identificados com a oferta eleitoral e política tradicional?

Trump encarna a audácia do canalha que todos consideram perdedor e consegue, finalmente, com todo tipo de artimanha, vencer o destino predeterminado. É o cara esperto que trapaceia e mente ao inteligente para vencer, e que é capaz de qualquer coisa pela vitória. Seu modelo não é o mérito, mas a audácia desafiadora.

8. O fracasso –de novo– das pesquisas. Apesar dos avisos, apesar de as empresas de pesquisa terem indicado que estava tudo previsto, o apertadíssimo resultado mostra que as pesquisas voltaram a fracassar estrepitosamente. Não se pode governar uma sociedade que não se entende, e as empresas de pesquisa perguntam sobre suas opiniões norte-americanas em vez de observar e analisar seus comportamentos, emoções e vieses ocultos. De novo, Trump tinha razão: “Ignorem as pesquisas, vamos nos sair bem, e são uma mentira”.

9. O estilo Clinton e o carisma de Obama questionados (mesmo que ganhe, finalmente, Biden). O estilo Clinton, uma marca de sucesso durante os anos noventa, sai machucado, e de forma consecutiva. O carisma de Obama, por seu lado, poderia não ser suficiente pela segunda vez. Assim, o legado e o mito Obama perde seus contornos e, por enquanto, não consegue ser decisivo. Desprezar seu adversário te impede de compreender suas razões, suas motivações e suas conexões com a alma dos eleitores.

10. A estética sobre a ética. O boné de Donald Trump, conhecido como MAGA por seu slogan “Make America Great Again” (“Faça a América grande de novo”), foi um ícone da campanha eleitoral por meio do qual Trump conseguiu se conectar com seus seguidores lançando-o no cenário ou derrubando –virtualmente– os democratas à sua passagem, como mostrou em um de seus últimos vídeos brincalhões.

Seu último vídeo dançando YMCA e chamando para votar destaca um presidente divertido e com graça, motivado e até despreocupado, sintonizando com um clima mais festivo do que de seriedade e preocupação. A última dança poderá ser a primeira do seu segundo mandato.

Antoni Gutiérrez-Rubí é assessor de comunicação. @antonigr

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