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Redes sociais se colocam à prova nas eleições dos EUA após avalanche de fake news em 2016

Principais plataformas buscam colocar em práticas medidas para evitar nova onda de desinformação durante os últimos instantes da campanha eleitoral de 2020

Seguidores de Donald Trump fazem fotografias com seus celulares durante comício em Sarasota, na Flórida.
Seguidores de Donald Trump fazem fotografias com seus celulares durante comício em Sarasota, na Flórida.CARLO ALLEGRI
Jordi Pérez Colomé

Há exatamente quatro anos, as redes sociais mal eram notícia na política. A vitória de Hillary Clinton parecia clara antes das eleições, e o Facebook era sobretudo um modo a mais de compartilhar informação. Havia posts controvertidos, sim, mas nada que parecesse muito polêmico. Então aconteceu o inimaginável: Donald Trump ganhou. Foi o ponto de inflexão definitivo para as redes e o nascimento das fake news.

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As tendências do Google demonstram que as fake news emergiram como conceito no começo daquele mês de novembro. Dois dias depois das eleições, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, disse o seguinte em uma conferência tecnológica: “Pessoalmente, acredito que dizer que as fake news no Facebook ―que são uma parte muito pequena do conteúdo― influenciaram a eleição é uma ideia bastante disparatada”, disse. É uma das declarações que mais o perseguiram nos últimos anos. Não era, obviamente, uma ideia disparatada. Poucas semanas depois, o Facebook criava sua iniciativa para colaborar com verificadores de informações no mundo inteiro. Desde então, o Facebook vem tomando medidas para obter algo quase impossível: encontrar o ponto de equilíbrio perfeito entre o que se pode ou não dizer nessa rede. Uma infinidade de casos mostra que se trata de uma tarefa bizantina: há poucos dias, por exemplo, foi proibido negar o holocausto, mas esse veto não afeta outros genocídios.

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Miami (United States), 01/11/2020.- A poll deputy helps voters to deposit their vote-by-mail ballot in the Official Ballot Drop Box for the 2020 presidential election at the Westchester Library in Miami, Florida, USA, 01 November 2020. (Elecciones, Estados Unidos) EFE/EPA/CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH
Trump enlameia o processo eleitoral ao sugerir que os votos contados depois de terça-feira serão ilegítimos

As eleições de 2020 são um grande teste. Por enquanto, o Facebook não só sobreviveu como também continuou crescendo. Embora não seja a única rede, seu papel proeminente é indiscutível, porque além disso a empresa também é dona do Instagram e do WhatsApp. O resultado das eleições afetará a avaliação coletiva sobre as redes. Se Biden e os democratas ganharem, como nas eleições legislativas de 2018, a grande mídia não terá muito por que procurar culpados. Mas é difícil prever que caminho tomarão Trump e os derrotados.

Por outro lado, se Trump vencer, voltarão as perguntas de 2016. Que forças ocultas impediram que as pesquisas acertassem outra vez? A Cambridge Analytica já não servirá mais como grande metáfora. Virou tudo fumaça, como certifica um relatório recente do Parlamento britânico. O problema dos anúncios em 2016 era que a campanha de Trump levou a sério a personalização oferecida pelo Facebook: “Muita gente no Facebook sabe que a campanha de Trump tocava a plataforma como se fosse um Stradivarius, enquanto a equipe do Clinton a golpeava feito um pandeiro rasgado”, escreveu o jornalista Steve Levy no último grande livro sobre a companhia.

O Facebook tem uma capacidade muito aperfeiçoada de encontrar usuários que se pareçam com as pessoas que você já sabe que votam em você: permite ver quais tipos de mensagens funcionam melhor entre milhares de variantes. Se Trump voltar a ganhar, essa precisa capacidade de personalizar com anúncios, que é o coração da plataforma e seus lucros, possivelmente se veria acossada. O mesmo se aplica à falta de transparência dos algoritmos e o que eles fazem no feed de cada usuário.

Precauções

As plataformas já tomaram todo tipo de precaução com vistas às eleições. “Há um consenso crescente entre as redes sociais como por exemplo o Facebook, o Twitter e o Youtube, de que a desinformação relacionada com as eleições exige uma atenção especial”, diz um relatório desta semana do Projeto Integridade Eleitoral, composto por um grupo de organizações dedicadas a combater a desinformação. Em sua pesquisa, esses analistas comparam a preparação de cada plataforma para as eleições e como foram atualizando suas políticas nas oito últimas semanas, a fim de se ajustarem melhor às necessidades que surgissem: “Das 15 plataformas revisadas, vimos atualizações em suas políticas para as eleições nas que já as tinham, com exceção do Snapchat: Facebook, Instagram, Twitter, YouTube, Pinterest, TikTok e Nextdoor”, dizem. Entre o grupo das que não tinham essas políticas, e portanto prestam menos atenção à moderação da sua plataforma na atualidade, estão Parler, Gab, Discord, WhatsApp, Telegram, Reddit e Twitch.

Com as novas mudanças, as políticas para as comunidades se tornaram documentos talmúdicos cheios de ases na manga para sobreviver perante qualquer cenário. Quando o EL PAÍS pediu às principais plataformas que detalhassem as medidas para estas eleições, a resposta foi um calhamaço de links para documentos e atualizações que frequentemente são ocultadas e cujo sentido final só é entendido por quem as criou. Estes são alguns dos aspectos mais destacados:

1/ O excesso de zelo também é um problema. Estamos sempre mais bem preparados para as guerras do passado. Em 2016, um dos grandes acontecimentos da campanha foi a invasão de hackers russos na campanha de Hillary Clinton. Seus emails foram amplamente distribuídos, sobretudo na grande mídia e nas redes sociais. Neste ano, apareceu o suposto computador de Hunter Biden, filho do candidato democrata, cheio de emails suspeitos. Foi publicado pelo tabloide New York Post, e tanto o Facebook como o Twitter limitaram suas opções de viralizar esse material. O Twitter chegou a impedir que o link para a matéria fosse publicado por seus usuários. A rede recuou em 24 horas, mas não havia feito nada mais do que aplicar uma de suas políticas sobre “material hackeado”. A conta do New York Post continua fechada, à espera de que o jornal apague o tuíte original. Agora, se no dia seguinte às eleições aparecer mais material hackeado, resta ver qual será a reação das redes.

2/ A desinformação continua em todas partes. Aqui é onde se torna delicada a tarefa de distinguir entre categorias e punições. Não é o mesma coisa incitar à violência e espalhar discurso de ódio ou mentir sobre como votar e sobre o candidato rival. Tampouco é o mesmo se essas atitudes partirem do presidente. Cada uma destas ações está ligada a uma possível etiqueta, com uma penalização algorítmica que vai da menor visibilidade à eliminação.

Se as redes tomarem suas decisões com muita severidade, serão acusadas de extrapolar em suas decisões, e seu papel como plataformas independentes estará em risco. Todas estão muito mais atentas a postagens deste tipo, mas é impossível abranger tudo, ainda mais quando a principal parte da campanha para duvidar do voto por correio, por exemplo, parte do próprio presidente. É inevitável que continuem emergindo posts virais cheios de informação duvidosa.

3/ Os anúncios são outra coisa. O Twitter optou diretamente por não permitir anúncios políticos. Já o Facebook os aceita porque considera que proibi-los seria uma desvantagem para políticos com orçamentos menores. Entretanto, durante esta última semana foram impedidos anúncios novos, para que as campanhas não lancem algo muito trapaceiro a 48 horas das eleições, quando são mais efetivos. São diferentes camadas de proteção. Esta nova medida já causou muitas queixas sobre a falta de moderação do Facebook. Há muitos anúncios, e é impossível verificar todos. O chefe de campanha de Biden já avisou do seu mal-estar.

O Facebook e o Google criaram nestes últimos quatro anos bibliotecas de anúncios onde se pode observar os tipos de mensagens que as campanhas lançam e quanto gastam nelas. Trata-se de uma ferramenta que, na Espanha, já serviu para encontrar campanhas suspeitas. Mas o nível de gasto e criatividade nos Estados Unidos exige uma maior capacidade de investigação. Os dados que o Facebook fornece tampouco revelam o nível de personalização usado pelas campanhas.

4/ Nada acaba nesta terça. Este é talvez o ponto mais grave e imprevisível. A grande novidade deste ano é a desordem que Trump pode causar durante a apuração, questionando os resultados. Isso será mais forte se durante o dia circularem vídeos de supostas destruições de votos, de caixas cheias de cédulas, de cidadãos denunciando falhas nas urnas eletrônicas ou supostos hackeamentos. Em épocas de tensão, a simples percepção de algo ruim basta para pôr tudo em dúvida.

As redes já prepararam seus painéis, vinculados às agências Associated Press (Google) e Reuters (Facebook), para informar aos usuários sobre o que se sabe a cada momento. O aumento do voto postal e a lentidão na sua apuração podem retardar o anúncio oficial dos resultados em alguns Estados. O Facebook não permitirá anúncios de declarações de vitória sem que sejam confirmados. Os posts onde os candidatos se manifestem serão acompanhados de links para os painéis. Se a vitória de um candidato não for suficientemente ampla, será a mais longa de todas as eleições, também para as redes sociais.

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