Trump anuncia sua volta à campanha eleitoral uma semana após diagnóstico de covid-19

Presidenta do Congresso, Nancy Pelosi, coloca em andamento uma comissão para retirar do poder presidentes em casos de incapacidade

A presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, a democrata Nacy Pelosi, nesta sexta-feira.J. Scott Applewhite (AP)
Mais informações
Trump se entrega ao negacionismo da covid-19 na reta final da campanha
Análise | Sobriedade de Pence é um ativo para Trump
Eleições dos EUA empurram Bolsonaro para dilema entre pragmatismo e radicalização na política externa

Passada uma semana desde o diagnóstico positivo de Donald Trump por coronavírus, o presidente dos Estados Unidos não parece disposto a ficar um só minuto a mais trancado na Casa Branca, como ele mesmo afirmou ao anunciar uma possível viagem de campanha eleitoral à Flórida, prevista para a noite de sexta-feira, e outra na segunda à Pensilvânia, com o que visitaria dois Estados fundamentais para vencer a presidência, onde seu concorrente democrata Joe Biden tem vantagem. Enquanto o médico pessoal do mandatário considera que poder ter “uma volta segura” aos seus compromissos, a presidenta da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, apresentou na sexta um projeto de lei para criar uma comissão que permita ao Congresso aplicar a emenda 25 da Constituição, que fala em retirar o poder de um presidente por razão de incapacidade, entre outras.

Na opinião de Pelosi, Trump está “em um estado alterado” pelo tratamento que está seguindo para lutar contra a covid-19, que significou tomar, por exemplo, o corticosteroide dexametasona. Durante a apresentação do projeto de lei para criar a comissão que ajudará a decidir se um presidente é “capaz” de governar, a líder democrata quis matizar e disse que o que sair dessa delegação não seria imediatamente aplicado. “Não se trata somente do presidente Trump”, afirmou Pelosi, com uma clara motivação política ao colocar em dúvida a estabilidade do presidente. “Ele enfrentará o julgamento dos eleitores. Mas nos demonstrou a necessidade de criar um processo [de sucessão] para futuros presidentes”.

Pelosi insistiu em negar que se tratava de oportunismo político a 25 dias das eleições de 3 de novembro e argumentou que colocar em andamento uma comissão sobre “capacidade presidencial” era necessário para dar “certa sensação de conforto à população” sobre a estabilidade do Governo. “O público precisa ter informação do estado de saúde do presidente”, frisou a democrata, ao mesmo tempo em que exigia a divulgação do teste em que Trump deu negativo antes de anunciar que estava infectado na semana passada. A opacidade da Casa Branca e as declarações contraditórias de alguns membros do entorno do mandatário fomentaram a especulação de que Trump realizou atos de campanha e eventos quando já estava doente.

“Se o presidente vencer essas eleições, sim, poderia se aplicar a ele. Caso contrário, se aplicaria ao próximo presidente” quando for necessário, afirmou a legisladora. O diagnóstico de Trump, que teve pelo menos duas quedas do nível de oxigênio no fim de semana, propiciou, na opinião dos democratas, a existência de um vazio no processo constitucional para declarar que um presidente é incapaz de desempenhar os poderes do cargo e, portanto, retirá-lo do poder. “Na era da covid-19, que devastou quem trabalha na Casa Branca, o que acontece se um presidente, qualquer presidente, acabar em coma, dependendo de um respirador, e não deixou estabelecido a transição temporária do poder?”, colocou o coautor do projeto de lei, o congressista e especialista constitucional Jamie Raskin.

A reação do presidente à comissão de Pelosi não se fez esperar e veio no mesmo tom que o mandatário usa com seus adversários. “A louca da Nancy é quem deveria estar sob observação. Não a chamam de louca por nada!”, escreveu Trump no Twitter. E não ficou só nisso, também acusou Pelosi de querer se livrar do candidato democrata à Casa Branca, Joe Biden. “A louca da Nancy Pelosi está se fixando na emenda 25 com o objetivo de substituir Joe Biden por Kamala Harris. Os democratas querem que isso ocorra rápido porque o Joe Dorminhoco está ruim da cabeça”, tuitou Trump.

Desde que se soube que havia testado positivo para coronavírus, Trump só se deixou ver em público em sua saída rumo ao Hospital Militar Walter Reed, em uma breve visita a seus seguidores fora do hospital, e em sua chegada à Casa Branca após ele mesmo se dar alta. Durante o restante do tempo, se comunicou com os norte-americanos através de vídeos do Twitter que beiram o surrealismo. Enquanto isso, concedeu várias entrevistas à rede de televisão Fox, uma das quais na quinta-feira para afirmar que estava “completamente recuperado”, apesar de sua voz estar claramente afetada e seu discurso errático ter sido interrompido por vários acessos de tosse.

Como previa o presidente, a Fox será o lugar em que ele será entrevistado em pessoa na noite de sexta-feira —possivelmente em um segmento gravado antes na Casa Branca— para se submeter diante das câmeras a “uma avaliação médica televisionada” no programa de Tucker Carlson às 20h (21h de Brasília). Mais uma vez utilizará a realidade da televisão que lhe deu tantos momentos de glória e que facilitou seu caminho à Casa Branca como um personagem conhecido e alheio ao “lamaçal” de Washington.

As próximas três semanas são vistas como uma maratona de incertezas. Tudo leva a crer que Trump não participará de nenhum debate presidenciais que estavam na agenda. Ele já havia anunciado sua negativa para o debate que aconteceria no dia 15 de outubro e que seria virtual por considerá-lo uma perda de tempo. A Comissão de Debates Eleitorais anunciou nesta sexta-feira o cancelamento de tal encontro, que contaria com perguntas do público, após vários dias de tensão entre as duas campanhas. A equipe democrata exigia garantias da saúde do presidente, então foi decidido fazer um debate virtual e, por fim, a Comissão jogou a toalha. Ambos os candidatos, além disso, anunciaram seus próprios eventos eleitorais para aquela noite.

Tudo faz pensar que Trump chegou à conclusão de que os debates lhe prejudicam mais do que o favorecem. De acordo com diversas pesquisas, sua atitude agressiva e suas constantes interrupções no primeiro debate realizado em Cleveland em 29 de setembro contra Biden lhe custou apoios.

Só lhe restaria uma última oportunidade de debater com Biden na televisão: em 22 de outubro. Em tempos de pandemia, muitas são as coisas que podem acontecer. Outubro não chegou somente com uma surpresa, pode chegar com infinitas.

Mais informações

Arquivado Em