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Debate dos candidatos a vice dos EUA marca salto de Kamala Harris para a linha de frente da campanha

Disputa entre a senadora e o vice Mike Pence pode se tornar uma prévia do confronto entre as novas gerações dos políticos democratas e republicanos

A senadora Kamala Harris fala durante evento de campanha em Las Vegas, no dis 2 de outubro.
A senadora Kamala Harris fala durante evento de campanha em Las Vegas, no dis 2 de outubro.DAVID BECKER (Reuters)

Seu nome era Terence Hallinan, mas o chamavam de Kayo, por sua facilidade de lançar ataques levavam os rivais a nocaute. Era promotor distrital em San Francisco, e Kamala Harris trabalhava para ele até que, em 2003, em sua primeira disputa por um cargo público, decidiu tentar tirar-lhe o posto. Harris tinha 39 anos; Kayo, 67. Fazendo jus ao apelido, ele a atacou sem piedade. Harris revidou com uma retórica poderosa. Venceu. Tornou-se a primeira mulher e a primeira pessoa afro-americana a ocupar a Promotoria Distrital de San Francisco. Depois, ela rompeu o mesmo teto de vidro, como procuradora-geral da Califórnia. Agora, quando a senadora Harris se dispõe a enfrentar em outro debate o vice-presidente Mike Pence, ela chega na qualidade de aspirante a se tornar a primeira vice-presidenta mulher e negra. Dois meses depois de o candidato democrata Joe Biden a escolher para completar sua chapa, oito semanas extraordinárias em que a senadora manteve-se discreta, Kamala Harris assume agora o papel relevante que prometeu para si mesma.

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A pandemia mudou tudo na campanha eleitoral dos EUA, ainda mais depois que o presidente Trump testou positivo para o coronavírus, na semana passada. Em seu primeiro debate, na noite desta quarta-feira em Salt Lake City (Utah), os candidatos a vice-presidente se colocarão a quase quatro metros de distância um do outro, separados entre si e da moderadora por biombos de acrílico ― se a campanha de Pence, relutante, não impedir. Os dois candidatos deram negativo nos exames de coronavírus, mas Pence decidiu que não fará quarentena, apesar de ter estado em contato com o presidente na semana passada.

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Mas não é só essa apresentação física que fará do debate algo extraordinário. O principal (e quase único) papel que a Constituição confere ao vice-presidente é substituir o presidente em caso de morte ou incapacidade. Depois da hospitalização de Donald Trump por uma doença potencialmente mortal e incapacitante, que lhe tirou da estrada na reta final da campanha, a figura da vice-presidência adquire uma renovada importância. Donald Trump tem 74 anos e, se ganhar em novembro, irá para o seu último mandato. Joe Biden, que chegaria à Casa Branca com 78, já insinuou que não se apresentaria à reeleição, contemplando seu eventual mandato como uma transição para uma nova geração de líderes em seu partido.

Dá-se como certo, portanto, que tanto Harris, de 55 anos, como Pence, de 61, têm os olhares voltados para a Casa Branca num prazo máximo de quatro anos. E os candidatos representam dois partidos que precisam ditar ativamente um novo rumo em 2024: os republicanos precisarão definir o que é o conservadorismo norte-americano depois de Trump, e os democratas, que nesta campanha se limitam em grande medida a definir sua proposta em negativo, como a antítese do presidente, terão de lidar ao mesmo tempo com o debate identitário que há anos transcorre em seu interior.

Nessa conjuntura, a quarta-feira representará para Kamala Harris a sua verdadeira entrada no jogo. A escolha dela como candidata a vice gerou muitas expectativas sobre seu protagonismo. Era a aguerrida e lúcida companheira de chapa de um candidato que convinha ser de certa forma escondido, dada a sua propensão a gafes. Mas a pandemia obrigou a quase eliminação da atividade física da campanha, e a sucessão de fatos extraordinários nas últimas semanas imprimiu um tom de gravidade que desaconselha a entrada em jogo dos vices. Harris se limitou a transmitir a mensagem da campanha a plateias pequenas, através de eventos virtuais de arrecadação de verbas ou viagens curtas, que a insólita atualidade condenava à relevância midiática. Até agora.

Carga política

Ao debate desta quarta-feira se seguirão na semana que vem, se tudo seguir o roteiro escrito pelos republicanos, as audiências de confirmação no Senado da juíza Amy Coney Barrett, nomeada por Trump para substituir a falecida Ruth Bader Ginsburg na Suprema Corte. Os democratas, dada a impossibilidade de frear a ofensiva republicana de ocupar uma vaga no Supremo a menos de um mês das eleições, querem pelo menos injetar uma forte carga política na sabatina. Harris integra o Comitê de Justiça da Câmara Alta, onde ocorrerão as audiências, e isso lhe proporcionará uma plataforma única para exibir suas habilidades políticas, demonstradas em sessões anteriores, como a do juiz Kavanaugh, para articular a mensagem democrata perante os cinegrafistas.

Ao contrário do que acontecia com Biden em seu primeiro encontro com Trump, na semana passada, a trajetória de Harris como promotora-estrela e seu bem-sucedido histórico nos debates geram expectativas tão altas que Harris corre o risco de acabar frustrando. Na cabeça de todos está o segundo debate das primárias democratas, quando ela atacou ferozmente Biden, cujo nome figura hoje acima do dela na chapa presidencial do partido. “Essa garota era eu”, disparou-lhe, depois de contar a história de uma menina negra que ia de ônibus a uma escola de um bairro branco, estreando uma política federal que visava à integração racial nas escolas, e à qual Biden se opôs como senador. Aquele debate representou o momento culminante na participação de Harris nas primárias, que terminaria cinco meses depois. Após anunciar sua desistência, devido à falta de recursos financeiros, afirmou: “Continuo na luta”. Aqui está ela. Mas até agora era só o aquecimento.

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