Maduro amplia seus poderes com uma medida que busca atrair capital privado e contornar sanções

Lei Antibloqueio, uma das concessões mais importantes do chavismo aos mercados internacionais, motiva críticas tanto de setores governistas quanto da oposição na Venezuela

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, fala a membros da Assembleia Nacional Constituinte no Palácio Legislativo, em Caracas, em 29 de setembro.HANDOUT (AFP)
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A Assembleia Nacional Constituinte (ANC) da Venezuela, controlada pelo chavismo, aprovou a chamada Lei Antibloqueio, um instrumento jurídico concebido para promover a entrada de capitais, esquivando as sanções internacionais contra o Governo de Nicolás Maduro. A norma, que busca dotar o presidente e o Executivo de ainda mais poderes sobre a estrutura constitucional e legal do país, é provavelmente uma das concessões mais importante da revolução bolivariana ao capital privado em seus 20 anos de hegemonia.

Em um momento no qual os cofres públicos estão à míngua, a indústria nacional quebrou e a nação está sufocada pelas dívidas, a lei sugere uma reviravolta nos postulados econômicos tradicionais do chavismo, procurando atrair capitais que lhe permitam tomar oxigênio e reverter uma catastrófica contração econômica que já dura seis anos. Um de seus artigos —que não foram debatidos detalhadamente na sessão da ANC na quinta-feira— contempla, por exemplo, que “quando for necessário para superar os obstáculos ou compensar os danos [das sanções], o Executivo procederá a deixar de aplicar para casos específicos as normas de âmbito legal ou sublegal cuja execução seja impossível ou contraproducente”.

Diferentemente do que ocorreu em outras ocasiões, a Lei Antibloqueio foi questionada não só pela oposição, por considerá-la como um dispositivo que varre com o ordenamento jurídico venezuelano baseando-se em instituições espúrias, mas também por figuras do chavismo e aliados de Maduro, que a criticaram por violar “o legado de Hugo Chávez”. Allan Brewer Caria, um dos juristas mais experientes do país, chegou a descrever a lei como “uma monstruosidade”.

Entre os críticos estão Elías Jaua, ex-vice-presidente e membro da cúpula do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). O Partido Comunista da Venezuela emitiu nota dizendo que a lei “aprofundará as vulnerabilidades econômicas nacionais frente a seus agressores externos, ao mesmo tempo em que transmite ainda mais o peso da crise e das sanções para os ombros dos trabalhadores”.

Com a entrada em vigor desta lei, impõe-se uma facção de dirigentes que considera necessário fomentar uma aproximação com o capital e romper a ortodoxia que caracteriza o chavismo desde sua chegada ao poder, 20 anos atrás, a fim de “salvar a revolução”. Um dos dirigentes mais conhecidos dessa linha é Tarek El Aissami, ministro da Energia e Petróleo e vice-presidente da Área Econômica, sob cuja liderança se agruparam capitais de origem árabe junto a empresários venezuelanos.

“É um instrumento que dará muita margem de manobra e opacidade para o Executivo operar”, afirma Asdrúbal Oliveros, diretor da empresa Ecoanalítica. “Não acredito que se deva exagerar a expectativa em torno de uma mudança de estratégia econômica. O Estado permitirá o aumento da influência privada na economia na medida em que considerar conveniente, com o instrumental normativo e intervencionista do chavismo em pé. Uma parte importante da renda do país já tem origem ilegal. A lei deve buscar fomentar concessões na área de minas e hidrocarbonetos, então podem vir mudanças; e em hotelaria e turismo. É provável que procure o desembarque do setor privado nas cadeias de comercialização e fornecimento de gasolina.” Oliveros considera prováveis algumas zonas parciais de reativação em um marco geral igualmente deprimido tanto no aspecto econômico como no social.

O economista Orlando Ochoa considera provável que a lei possa atrair capitais árabes, turcos, iranianos e russos que triangulam suas propriedades em outros países. E oferecer oportunidades a alguns proprietários venezuelanos próximos ao chavismo. As medidas abrem inclusive a porta à possibilidade de devolver a alguns proprietários seus ativos expropriados durante a onda de nacionalizações do Governo chavista, a maioria dos quais apresentam graves deteriorações. Ochoa comenta que há um risco importante de que a Venezuela se torne um polo de lavagem de dinheiro, advertindo para os graves riscos decorrentes da opacidade.

“Aqui há um interesse particular em reduzir o poder que a futura Assembleia Nacional poderá ter na crise venezuelana”, afirma o economista e assessor financeiro Francisco Rodríguez, “e também uma intenção de impor a narrativa da existência de um bloqueio como único responsável por esta crise”. “Os populismos têm essa característica: quebram as economias, ficam sem dinheiro, e então têm que sair para conseguir mais”, acrescenta. “Não tenho dúvidas de que, se Maduro não tivesse as sanções econômicas atuais, teria ido ao Fundo Monetário Internacional assumindo um programa de ajustes.”

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