Novas restrições em Madri viram batalha jurídica e primeiro-ministro convoca conselho de ministros
Pedro Sánchez telefona para Ayuso e dá um ultimato: se ela não aplicar as medidas ou pedir o alarme, será aprovado pelo Governo durante 15 dias
O Governo não espera mais. O presidente do Governo (primeiro-ministro) espanhol, Pedro Sánchez convocou um Conselho de Ministros extraordinário para esta sexta-feira com o objetivo de decretar o estado de alarme em Madri durante 15 dias, a duração permitida pela Constituição ao Governo para este mecanismo de extrema urgência, caso o Executivo regional não tome antes decisões para restabelecer as restrições anuladas pela Justiça. A partir daí, qualquer prorrogação deve ser aprovada pelo Congresso. Esta decisão surgiu depois do revés sofrido pelo Executivo com a decisão do Tribunal Superior de Justiça de Madri (TSJM) de negar a ratificação do fechamento imposto pelo Ministério da Saúde para conter os contágios, ao entender que são “uma interferência nos direitos fundamentais sem habilitação legal que a ampare”. Por não ter o aval judicial, os descumpridores não puderam ser multados e se tornaram letra morta os confinamentos perimetrais de 4.786.948 cidadãos que, desde a noite da última sexta-feira, não podiam sair de seus municípios, salvo exceções e com justificativa.
Ao regressar no final da tarde de uma viagem à Argélia, Sánchez, segundo informa o palácio de La Moncloa [sede do Executivo espanhol], falou com a presidenta da Comunidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, para lhe propor três saídas possíveis. “1. Que a Comunidade de Madri, como autoridade competente em matéria sanitária, emita uma Ordem ao amparo do estabelecido pelo artigo 3º da Lei Orgânica 3/1986, de 14 de abril, sobre Medidas Especiais em Matéria de Saúde Pública. 2. Que solicite a declaração do estado de alarme para que seja o Governo espanhol juntamente com a Comunidade de Madri quem o declare e ratifique as medidas em questão. 3. Que seja o Governo da Espanha quem declare o estado de alarme, sem necessidade de que seja formulada previamente uma solicitação”.
Segundo La Moncloa, em qualquer dos três casos “as medidas seriam exatamente as mesmas que já vinham sendo aplicadas”, e apenas mudaria a cobertura jurídica. O Governo dá assim um ultimato a Ayuso: ou ela o aplica ou será aprovado pelo Conselho de Ministros, que foi inicialmente convocado para as 8h30, mas foi atrasado para as 12h. Esse seria, portanto, o horário limite para a Comunidade de Madri tomar uma decisão. Segundo esta versão da equipe de Sánchez, Ayuso, numa segunda conversa, “disse ao primeiro-ministro que precisa de tempo”. La Moncloa deixa claro em seu comunicado quando acaba esse prazo: na manhã desta sexta-feira. “Nesta sexta-feira haverá, portanto, um Conselho de Ministros extraordinário pela manhã e informaremos seu horário”, termina o comunicado do Executivo, deixando aberta a convocação que, no entanto, os ministros receberam para as 12h. Sánchez tem previsto viajar a Barcelona de manhã cedo para acompanhar o Rei em uma visita que tem uma cerimônia marcada para as 10h30, e por enquanto mantém essa agenda.
Ayuso respondeu pelo twitter: “às 22:15h. Tenho um encontro com Pedro Sánchez para conversar amanhã. No início da manhã nos reuniremos na Comunidade de Madri para ver alternativas. Nossas zonas básicas estavam funcionando e podem ser o melhor. Esperamos chegar a um acordo sobre uma solução que beneficie os cidadãos e dê clareza”.
A decisão de aprovar o estado de alarme unilateralmente permitiria ao Governo resgatar as medidas derrubadas pelos tribunais ―não sair do município onde se vive a não ser para ir trabalhar ou exceções justificadas― e em nenhum caso representa voltar aos confinamentos decretados durante os meses de março, abril e maio. Se o Executivo considerar necessário prorrogar o alarme para além desses 15 dias, terá de solicitá-lo ao Congresso e conseguir a maioria da Câmara.
A urgência para tomar medidas é absoluta porque nesta sexta-feira começa o feriado prolongado de 12 de outubro e sem medidas extras milhares de madrilenhos estariam autorizados a ir para lugares de descanso em toda a Espanha.
O Executivo tentou durante todo o dia buscar um acordo com a Comunidade de Madri para aplicar este estado de alarme ou qualquer outra fórmula, mas o Governo de Díaz Ayuso nem sequer quis se reunir com o ministro da Saúde, Salvador Illa. Várias tentativas foram feitas durante toda a tarde, mas ao verificar que o Executivo regional adiava a reunião para amanhã e seu resultado não estava claro, o Executivo optou por uma solução que já descartou dezenas de vezes desde julho: aplicar um estado de alarme sem acordo com a Comunidade de Madri, o pior cenário possível. Mesmo assim, Sánchez telefonou para Ayuso para dar-lhe esta última oportunidade de aplicar as medidas, mas têm de ser as previstas no acordo que foi aprovado no conselho interterritorial e que os tribunais derrubaram.
“O Governo vai ver o que faz”, afirmaram esta noite fontes da Comunidade de Madri. As mesmas fontes confirmam que amanhã a Comunidade continuará com o seu plano e lançará a ordem com suas medidas sanitárias, informa Manuel Viejo. O prefeito de Madri, José Luis Martínez-Almeida, opinou em entrevista à TVE que se Sánchez declarar o estado de alarme “voltará a não cumprir sua palavra porque não está de acordo com a Comunidade de Madri”.
A presidenta da Comunidade de Madri pediu nesta quinta-feira aos cidadãos que não saíssem da região e anunciou medidas “sensatas, justas e ponderadas”, enquanto o ministro da Saúde, Salvador Illa, também avançou nesta quinta-feira no Congresso que o Governo estudava “as decisões jurídicas que melhor protejam a saúde”, mas não quis esclarecer quais.
A demora por parte da Comunidade em divulgar as novas medidas que estava estudando e a dificuldade que o ministério da Saúde estava encontrando para se se reunir com os responsáveis de Madri precipitaram a decisão. O próprio primeiro-ministro advertiu esta manhã que o estado de alarme é um “instrumento eficaz” que o Governo “sempre contemplou”.
O primeiro-ministro lembrou que o Governo queria prorrogar o estado de alarme em junho por pelo menos mais duas semanas, mas não obteve apoio político para fazê-lo. E esse problema persiste se o PP continuar empenhado no “não”, o que torna a situação extremamente complexa do ponto de vista político e jurídico. “O estado de alarme é um instrumento constitucional. Mas não depende apenas do Governo. Sua prorrogação deve ser autorizada pelo Congresso. É evidente que em junho não havia apoio para fazê-lo. Mas isso é passado. Se a Justiça disser que este não é o caminho, falaremos com Madri e buscaremos outra solução”, afirmou.
Aos olhos dos especialistas consultados, não havia muitas outras opções para sair do imbróglio jurídico. Elviro Aranda, professor de Direito Constitucional da Universidade Carlos III, concorda com o despacho do TSJM de que a normativa em que se baseia a ordem de restrição da mobilidade “não tem nível suficiente para limitar direitos”. “Se poderia recorrer, mas não faz sentido algum. Não vai resolver nada. Os caminhos continuam sendo fazer uma lei orgânica, embora isso tenha seus trâmites e leve seu tempo, ou decretar o estado de alarme”, afirma.
Ángel Rodríguez, professor de Direito Constitucional da Universidade de Málaga, concorda: “Considero o recurso pouco razoável porque não significaria uma solução de curto prazo. O prático seria um estado de alarme, que o Governo pode fazer em 24 horas e cobriria as medidas que o TSJM se recusou a ratificar”. “A única possibilidade é aplicar as medidas permitidas pela legislação de saúde pública, que é em pessoas concretas e áreas geográficas reduzidas ou, se houver falta de controle e transmissão comunitária, aplicar o estado de alarme. O que está claro é que, quando se começa a impedir a mobilidade, uma ordem ministerial em cascata não tinha solidez e carecia de fundamento”, acrescenta Alberto López Basaguren, professor de Direito Constitucional da Universidade do País Basco.
Os especialistas assumem que, até agora, e diante da natureza excepcional da pandemia, as autoridades têm recorrido aos tribunais ordinários para decretar fechamentos perimetrais, mas lhes não parece a solução mais adequada. “No final se coloca nas mãos de um juiz que faça uma ponderação dos direitos, entre a gravidade da pandemia e o direito que se restringe. O critério é o caso concreto. Fechar uma comunidade não é a mesma coisa que uma cidade de poucos habitantes”, afirma Aranda, informa Jessica Mouzó.
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