Bolívia declara emergência nacional por causa de incêndios na Amazônia
Mais de meio milhão de hectares ardem às portas da floresta, enquanto a crise ambiental agita a disputa eleitoral
Mais de meio milhão de hectares de mata estão queimando no departamento boliviano de Santa Cruz, às portas da Amazônia, que enfrenta dois anos consecutivos de secas e altas temperaturas. A presidenta interina do país, Jeanine Áñez, declarou “emergência nacional” nesta quarta-feira, o que lhe permitirá receber ajuda internacional para apagar os incêndios. Desta forma, se distancia de seu antecessor, Evo Morales, que no ano passado enfrentou uma situação semelhante, mas se negou a decretar a emergência, ignorando os apelos de moradores do leste da Bolívia. Ele argumentava que o país podia resolver o problema sozinho. Os incêndios deste ano são até agora bastante mais contidos que os de 2019, que foram particularmente graves, mas têm em comum com aqueles a proximidade com eleições presidenciais, com o consequente jogo político que propicia.
“Estão perguntando se recorreremos à ajuda internacional… dizemos que vamos recorrer absolutamente a tudo que nos ajudar a controlar os incêndios, a evitar a desgraça que vivemos no ano passado”, afirmou Áñez. A presidenta também prometeu agir energicamente contra os responsáveis pelas queimadas, se conseguir identificá-los.
Analistas e historiadores consideram que a queda de Morales começou com a reação de parte da opinião pública aos incêndios que há um ano destruíram cinco milhões de hectares e foram especialmente dolorosos para a população de Santa Cruz, porque comprometeram a mata seca de uma zona chamada Chiquitanía, cuja madeira é muito valiosa e usada no artesanato e arquitetura regionais. Como resultado desse desastre, a oposição organizou grandes manifestações de protesto contra Morales quando faltavam poucas semanas para as eleições, as quais viriam a ser questionadas por fraudes e acabariam sendo anuladas em meio a uma grave crise política.
Agora, a mata chiquitana está novamente em risco. Áñez afirmou que sufocar os incêndios é sua prioridade, acima da campanha eleitoral da qual participa, embora até agora não entre os candidatos favoritos. Ao mesmo tempo, ela anulou um decreto de seu antecessor que autorizava o desmatamento para possibilitar atividades agropecuárias e o uso do chaqueo (queimadas controladas) para essa tarefa. Supõe-se que este decreto tenham intensificado as queimadas que os agricultores tradicionalmente realizam após cada safra, nos últimos dias do inverno, para deixar o terreno mais fácil de ser capinado. O Gabinete boliviano anunciou que iniciará um julgamento de responsabilidades por este assunto contra o ex-presidente Morales, que já é réu em aproximadamente uma dezena de processos judiciais por diversos delitos.
Os ambientalistas consideram que o gesto de Áñez é insuficiente e tem caráter puramente eleitoral, já que o decreto que ela anulou é apenas um pequeno componente do conjunto de normas que promovem a ampliação dos cultivos e pastos de Santa Cruz e outras partes do país, e que os ativistas denominam de “leis incendiárias”.
As causas da inusitada magnitude e da recorrência dos incêndios florestais em Santa Cruz são intensamente debatidas. Para os dirigentes políticos desta região, os incêndios tiveram início com a chegada à planície da Chiquitanía de comunidades indígenas das chamadas “terras altas”, que não sabem como cuidar devidamente da mata. Para as organizações ambientalistas, devem-se à ambição de ruralistas de ampliar seus cultivos e pastos à custa de áreas florestais. O Plano de Desenvolvimento Pecuário 2020-2030 estabelece um crescimento de 13 para 20 milhões de hectares na superfície dedicada a essa atividade. O Governo anterior definiu com as empresas do agronegócio que a superfície cultivada seria ampliada de 2,5 milhões para 10 milhões de hectares. Estes projetos, se forem cumpridos, exigiriam um forte desmatamento, pois o território comprometido é principalmente florestal. Os ambientalistas os consideram “predadores”. Quando era presidente, Morales, primeiro camponês a governar o país, coincidiu com pecuaristas e empresas do agronegócio no objetivo de aumentar radicalmente a exploração da terra. Por outro lado, chocou-se com estas mesmas elites por causa da migração de indígenas aimarás e quéchuas para Santa Cruz.
Até agora o Governo interino de Áñez, que mudou muitas orientações do Governo anterior, não tinha emendado nenhuma das “normas incendiárias” que herdou. Por outro lado, facilitou e ampliou a importação de sementes geneticamente modificadas, uma medida que também é considerada favorável ao desmatamento. A presidenta nasceu em Beni, um departamento amazônico com grande atividade pecuarista, na fronteira com Rondônia. Seu partido é o Movimento Democrata Social, oriundo do leste boliviano e, por isso, estreitamente relacionado com a agroindústria nacional.
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