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Em novo embate, EUA pedem guerra à “tirania”, e China ordena fechamento de consulado americano

Pequim acusa de ingerência funcionários de posto diplomático de Chengdu, no sudoeste chinês, dias após Governo Trump fechar representação em Houston

Segurança na entrada do consulado americano em Chengdu (China), nesta sexta.
Segurança na entrada do consulado americano em Chengdu (China), nesta sexta.GOH CHAI HIN (AFP)
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(FILES) In this file photo taken on June 30, 2017, flags of the US and China are placed ahead of a meeting at the Ministry of Agriculture in Beijing. - The United States has ordered China to close its Houston consulate, Beijing said on July 22, 2020, marking a dramatic escalation in diplomatic tensions between the feuding superpowers (Photo by JASON LEE / POOL / AFP)
EUA elevam tensão com a China ao ordenar fechamento abrupto de consulado em Houston
U.S. President Donald Trump attends a news conference in the Rose Garden at the White House in Washington, U.S., July 14, 2020. REUTERS/Jonathan Ernst
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Três dias depois de avisar que adotaria represálias, Pequim respondeu ao fechamento de seu consulado em Houston: os Estados Unidos terão que suspender as atividades do consulado na cidade de Chengdu, na região central da China. A medida é “uma resposta legítima e necessária à medida injustificada dos Estados Unidos”, segundo nota da chancelaria chinesa. “Ajusta-se às normas básicas das relações internacionais e às práticas diplomáticas habituais”, acrescenta. Não esclarece se, como fizeram os EUA, será dado um prazo de apenas 72 horas para a desativação do consulado.

O comunicado lança um apelo à calma, num momento em que as tensões bilaterais se encontram no seu ponto máximo em quatro décadas. “A situação atual das relações sino-americanas não corresponde aos desejos da China, e os Estados Unidos são totalmente responsáveis por isso”, afirma o ministério chinês, que pede a Washington “criar as condições necessárias para que as relações bilaterais voltem à normalidade”.

Washington tinha ordenado o fechamento do consulado chinês de Houston na terça-feira, acusando-o de ser um centro de espionagem de pesquisas médicas. Na quinta, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, descreveu essa legação como “um centro da espionagem chinesa” e “de roubo da propriedade intelectual”. A China devolveu acusações similares contra os diplomatas norte-americanos em Chengdu: na entrevista coletiva diária da chancelaria, o porta-voz Wang Wenbin acusou parte desse pessoal de interferir em assuntos internos da China e promover atividades que não coincidem com suas identidades.

Os Estados Unidos, além da Embaixada em Pequim, mantêm consulados em Chengdu, Xangai, Cantão, Wuhan (centro) e Shenyang (nordeste) no território continental chinês. Há ainda um consulado em Hong Kong, território chinês autônomo. O consulado de Chengdu se encarrega, entre outras regiões do vasto sudoeste da China, do Tibete. Inaugurado em 1985, tem 200 funcionários, sendo 150 trabalhadores locais. Depois do anúncio da medida, a televisão estatal CCTV começou a transmitir ao vivo do lado de fora do consulado de Chengdu.

Apesar dos apelos chineses por uma volta à normalidade nas relações, os Estados Unidos parecem ir pelo caminho totalmente oposto. Horas antes do anúncio de Pequim, Pompeo fez um discurso que soou como uma declaração oficiosa de uma nova Guerra Fria. Em um lugar carregado de simbolismo, a biblioteca presidencial de Richard Nixon —o homem que iniciou a aproximação norte-americana com a China, quase 50 anos atrás—, ele descreveu Pequim como uma ameaça existencial para a economia, a liberdade e a democracia no mundo, conclamando os países ocidentais a enfrentarem Pequim. “O mundo livre deve triunfar sobre esta tirania”, afirmou. “Será que as teorias que nossos líderes propuseram sobre a evolução da China rumo à liberdade e a democracia se tornaram realidade? O velho paradigma do compromisso com a China fracassou. Não devemos mantê-lo. Não devemos voltar a ele”, afirmou o secretário de Estado.

Na sua coletiva, Wang rechaçou as declarações de Pompeo, que considerou serem cheias de “preconceitos ideológicos”, sem correspondência com a realidade.

As relações bilaterais entre a China e os Estados Unidos sofreram uma drástica deterioração desde o começo da pandemia do novo coronavírus, sobre cuja origem e gestão os dois países trocam ácidas recriminações. A tendência se acentuou no último mês, depois que a China impôs uma draconiana Lei de Segurança Nacional a Hong Kong, que os Estados Unidos consideram uma ameaça à ampla autonomia da antiga colônia britânica. As duas principais potências globais já se impuseram sanções mutuamente por causa de Hong Kong, Xinjiang e Tibete. Pequim ameaçou impor represálias à empresa norte-americana de aeronáutica e defesa Lockheed Martin, por ser o principal fornecedor numa venda de armas a Taiwan, enquanto Washington declarou “ilegais” as reivindicações de soberania de Pequim no mar do Sul da China.

A legação diplomática de Chengdu, uma cidade de 30 milhões de habitantes, ganhou um súbito protagonismo em 2012, quando o então chefe de polícia de Chongqing, Wang Lijun, se refugiou ali e revelou aos funcionários norte-americanos o papel da esposa de seu superior, o secretário-geral do Partido Comunista local, Bo Xilai, na morte do cidadão britânico Neil Heywood. O incidente desencadeou a maior tempestade política das últimas décadas na China, poucos meses antes de Xi Jinping assumir o comando do país. Bo era visto como uma estrela em ascensão dentro do partido, com a capacidade de fazer sombra ao novo líder. Agora, ele e a esposa cumprem longas penas de prisão.

Nova Guerra Fria

O discurso de Pompeo nesta quinta-feira transmitiu aos norte-americanos e ao mundo os termos atuais de um enfrentamento retórico com a China que será o legado diplomático da Administração de Donald Trump. A Casa Branca vem há tempos esboçando esta ideia para transmiti-la ao público doméstico em ano eleitoral, e agora lança a ofensiva no contexto de uma pandemia que teve origem na China (e que o presidente chama de “vírus chinês”) e quando os atritos são cada vez mais frequentes —como mostram as atuais medidas envolvendo os consulados de Houston e Chengdu—. Recentemente, os diretores da Agência de Segurança Nacional e do FBI fizeram discursos sobre a suposta ameaça chinesa, e na semana passada foi a vez do secretário de Justiça, Willam Barr. O objetivo de Pompeo nesta quinta era reunir em um só discurso toda a política desta Administração para a China, de forma simples e clara, “para apresentar tudo junto à opinião pública”.

Pompeo escolheu um formato especial para dar a máxima solenidade a um discurso que seu próprio departamento qualificou como histórico, porque significava renunciar a uma abertura do regime político chinês. O discurso foi proferido na Biblioteca Richard Nixon, em Yorba Linda, a leste de Los Angeles. Nixon foi o presidente que mudou a relação do mundo com a China em 1972, quando viajou ao país asiático para estabelecer relações diplomáticas e comerciais. O raciocínio por trás daquela viagem —que em longo prazo faria da China parte da comunidade internacional— era tentar induzir a mudanças no férreo e isolado gigante comunista. O discurso de Pompeo nesse lugar pretendia simbolizar o abandono definitivo das aspirações de Nixon.

Sobre esta base, a política oficial dos Estados Unidos a partir de agora é pressionar outros países a também darem as costas à China. “Chamo todas as nações a começarem a fazer o que os Estados Unidos fizeram, insistir em reciprocidade, transparência e responsabilidade por parte do Partido Comunista Chinês. As nações livres devem ditar o tom e operar com os mesmos princípios”, afirmou.

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