_
_
_
_

México garante por lei a entrega da segurança pública aos militares

López Obrador aprofunda a cessão de poderes ao Exército depois da criação da Guarda Nacional e da entrega de negócios imobiliários e logísticos. Militares cumprirão tarefas policiais até 2024

David Marcial Pérez
López Obrador entre militares no Dia do Exército Mexicano
López Obrador entre militares no Dia do Exército MexicanoMARIO JASSO (CUARTOSCURO)
Mais informações
O comandante-geral do Exército, Edson Leal Pujol, durante solenidade em Porto Alegre no dia 30 de abril de 2020.
Forças Armadas sinalizam distância de Bolsonaro na crise do coronavírus, mas divórcio de militares com Governo é improvável
El presidente Nayib Bukele tras una conferencia de prensa en San Salvador.
Presidente de El Salvador: “Se eu quisesse, teria tomado o controle de todo o Governo”
El general Nicacio Martínez, en enero de 2014.
Espionagem contra jornalistas e políticos abala o Exército da Colômbia

O México sacramentou em uma lei o que na prática já era realidade há mais de uma década. Transcorridos 14 anos desde a polêmica saída do Exército dos quartéis para patrulhar as ruas com a justificativa de que era preciso combater o crescimento do narcotráfico, a entrega da segurança pública aos militares já conta com uma blindagem legal, o que era um pedido recorrente da cúpula militar. Foi o Governo de Andrés Manuel López Obrador, o grande crítico da militarização das tarefas policiais durante seus longos anos na oposição, que consolidou o novo papel do Exército até março de 2024, praticamente coincidindo com o final do mandato presidencial. A influência das Forças Armadas na vida civil mexicana vem crescendo desde a posse do presidente centro-esquerdista, com uma política cada vez mais clara de mão estendida aos quartéis. Os negócios imobiliários e as concessões logísticas e de gestão envolvendo os militares se multiplicaram durante os últimos dois anos.

O acordo assinado nesta segunda-feira se enquadra num plano maior, antecipado com a criação, há cerca de um ano, da Guarda Nacional, o polêmico corpo nascido expressamente para controlar a violência no país. A medida-estrela de López Obrador em matéria de segurança exigiu uma emenda constitucional específica, na qual se estabelecia que “enquanto a Guarda Nacional desenvolve sua estrutura, capacidades e implantação territorial, o Presidente da República poderá dispor da Força Armada permanente em tarefas de segurança pública”.

Surpreendeu o momento escolhido para tornar efetiva essa prerrogativa. Já se passou mais de um ano desde a implantação da Guarda Nacional, com seus efetivos amplamente mobilizados pelo território do país, fazendo desde controles migratórios na fronteira sul até trabalhos policiais nos bairros mais violentos da capital. O acordo chega, além disso, em plena crise sanitária pela covid-19, com o Exército no comando também de hospitais e dos recursos sanitários para fazer frente à pandemia.

Esta conjuntura é salientada por Raúl Benítez Manaut, especialista em segurança e pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), como um dos possíveis motivos. "Está havendo saques, agressões a policiais nos hospitais. O Secretário de Segurança Pública, Alfonso Durazo, está precisando da ajuda dos militares, e é muito provável que não lhe façam caso. Este acordo é um reforço de López Obrador à sua capacidade de gestão." Haveria, segundo a interpretação do analista, um conflito dentro do aparato de segurança do Estado.

Desde início o embasamento institucional planejado para a Guarda Nacional esteve cercado de controvérsias. Durante a negociação da reforma constitucional com a oposição, López Obrador concordou em reduzir o peso dos militares na nova corporação, organicamente ligada ao Ministério de Segurança Pública, e não à Defesa Nacional. Com espírito militar ―composta por ex-militares e ex-policiais―, a Guarda Nacional tem um comando bicéfalo: um civil e um militar. Suas tarefas têm que ser regulamentadas por lei, fiscalizadas pelo Congresso e subordinadas ao poder civil do Secretário de Segurança Pública.

São esses equilíbrios e contrapesos que teriam ido pelos ares com o decreto desta segunda-feira, de acordo com Alejandro Madrazo, um acadêmico da CIDE e especialista em políticas de segurança. "É uma exigência do Exército, que se cansou de usar o traje da Guarda Nacional. E não aceita mais ordens civis nem a supervisão do Congresso. O que López Obrador acaba de implementar é a mesma estratégia que Felipe Calderón criou e estendeu a Peña Nieto, de centralizar as tarefas de segurança pública no Exército. A nova norma não estabelece nenhum mecanismo de supervisão, não obriga à subordinação ao comando civil, mas a mera coordenação, não delimita suas as funções e não é suficientemente regulamentada.”

O novo movimento de López Obrador representa outra reviravolta em seu discurso desde que chegou ao poder. Um de seus slogans de campanha em 2018, dando prosseguimento a suas críticas à militarização durante seu período na oposição, era "abraços, não balaços". O novo mantra agora é "O Exército é bom, porque o Exército é povo".

Madrazo considera que o acordo desta segunda-feira viola o mandato constitucional que ampara as funções policiais do Exército. “Agora é hora de uma resposta da sociedade civil, levando essa norma à Justiça. Isto cabe também à classe política, que agora está com o partido Morena e que antes criticava a estratégia de Calderón e Peña Nieto”. Há dois anos, a Suprema Corte anulou a Lei de Segurança Interna, com a qual o último Governo do PRI normalizava a presença do Exército nas ruas.

Os negócios do Exército

O aumento do poder militar durante o mandato de López Obrador não se limita apenas à esfera da segurança. Nos últimos dois anos, os militares assumiram tarefas tão diversas como a distribuição de medicamentos, o monitoramento de gasodutos e combustíveis da Pemex, a distribuição de livros didáticos, o combate à proliferação de algas marinhas e a transferência de dinheiro de programas sociais. Ainda nesta segunda-feira, soube-se que a Secretaria da Defesa (Sedena) começou a construir 26 agências do banco social do Governo que canaliza a ajuda. Criará um total de 1.350 agências bancárias para as quais possui um orçamento de 2,94 bilhões de pesos.

A maior concessão até agora foi a confirmação em março de que a construção e a operação do novo aeroporto da Cidade do México ficariam em mãos dos militares. O Exército não só construirá o terminal, mas também explorará as operações civis e comerciais por meio de uma empresa cuja direção será ocupada pelos militares. O Exército também ajudará a construir duas ramificações do Trem Maia, a obra pública de destaque do Governo, além do aeroporto.

Em plena pandemia, o Exército também viu suas funções aumentarem. O Governo lhe entregou o controle de 31 hospitais e tanto a Sedena como a Secretaria da Marinha (Semar) realizaram compras de suprimentos médicos nos últimos meses. Contratos, tanto de bens como de serviços, que muitas vezes ignoram os requisitos de transparência e supervisão estipulados para as licitações públicas e optam pela via rápida das concessões diretas.

Esse canal excepcional de contratação pública tem sido o favorito dos órgãos militares, o que até tem causado mal-estar no Governo por causa da grande margem de arbitrariedade e opacidade dos processos. Durante o primeiro ano de López Obrador, a Sedena aumentou o recurso às concessões diretas em 50% em relação ao ano anterior, chegando a um montante de 5 bilhões de pesos, de acordo com um levantamento da Escola do Governo do Tec de Monterrey e a ONG México Evalúa.

No caso da Semar, essa via rápida de contratações públicas dobrou o valor das concessões no ano anterior. De fato, a Marinha praticamente não conhece as licitações públicas. Apenas 0,8% do total de contratos foi feita por meios convencionais e sujeita a mais controle e supervisão. Tudo isso, sem contar os processos reservados de acordo com a lei de Segurança Nacional, dos quais não há informações públicas.

“Numa sociedade democrática, os militares deveriam prestar contas, e não estar sujeitos à opacidade que os dados de compras públicas mostram. E o primeiro interessado deveria ser o Governo, que anunciou no início de seu mandato que reduzirá ao mínimo as concessões diretas”, diz Marco Fernández, pesquisador do Tec e México Evalúa. Desde a posse de López Obrador, o orçamento militar aumentou mais de 15% e o Exército está cada vez mais se firmando como um dos atores políticos mais influentes do México atual.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_