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Espionagem contra jornalistas e políticos abala o Exército da Colômbia

Relatórios publicados pela revista ‘Semana’ provam a vigilância de vários correspondentes quando Nicacio Martínez era o comandante da instituição

Francesco Manetto
O general Nicacio Martínez, ex-chefe do Exército da Colômbia, em uma imagem de arquivo.
O general Nicacio Martínez, ex-chefe do Exército da Colômbia, em uma imagem de arquivo.Getty/AFP

Uma trama de espionagem contra jornalistas, correspondentes estrangeiros, políticos e advogados de direitos humanos. O Exército da Colômbia realizou entre fevereiro e dezembro de 2019 a vigilância de mais de 130 pessoas com o apoio logístico e econômico de uma agência de inteligência norte-americana, como denuncia um dos militares envolvidos. Os relatórios, publicados pela revista Semana, traçam os perfis de profissionais que, pela natureza de seu próprio trabalho, costumam ter acesso à informação confidencial. Essas pastas possuem números de telefone, “endereços de residência e trabalho, e-mails, amigos, familiares, filhos, colegas, contatos, infrações de trânsito e até locais de votação”, detalha a publicação.

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As atividades de espionagem, realizadas através de diversas ferramentas tecnológicas, coincidem com o período de comando do Exército do general Nicacio Martínez Espinel, que deixou o cargo no final de dezembro por “motivos familiares”, informou à época o presidente Iván Duque. O comandante militar foi apontado exatamente há um ano por uma informação do The New York Times, que revelou o retorno da força terrestre a uma prática perversa que, na década passada, causou milhares de execuções extrajudiciais. Isto é, um sistema interno de benefícios e incentivos para melhorar resultados, a origem do escândalo dos chamados falsos positivos, assassinatos de civis, em sua maioria camponeses, apresentados depois como guerrilheiros mortos em combate.

Nicholas Casey, à época correspondente do The New York Times, foi uma das primeiras vítimas dessas espionagens. O relatório elaborado pelos militares enumera possíveis fontes, fotos de seus contatos pessoais e profissionais e o liga a “áreas de influências das FARC”. Depois dele, foram incluídos outros jornalistas dos Estados Unidos e correspondentes de veículos de imprensa desse país. Entre eles, Juan Forero, veterano repórter hoje chefe do escritório do The Wall Street Journal. Seu caso também demonstra o nulo rigor dessas vigilâncias. Junto com seus dados, diz a Semana, aparece uma fotografia de seu pai. Também estão nas pastas John Otis, correspondente para a América Latina da National Public Radio (NPR); Stephen Ferry, reconhecido fotógrafo independente, e a fotojornalista Lindsay Addario, que realizou uma reportagem sobre o Exército de Libertação Nacional (ELN). Sob a lupa dos militares também estiveram os colombianos Daniel Coronell, presidente de notícias da Univisión, Yolanda Ruiz, da RCN Radio, María Alejandra Villamizar, analista da Noticias Caracol, Gina Morelo, do El Tiempo, e Ignacio Gómez, da Noticias Uno.

Essa rede de espionagem e a utilização de recursos públicos nessas atividades é especialmente grave na Colômbia, um país que acaba de sair de uma guerra com as FARC, mas onde continuam operando vários grupos criminosos e dissidências da antiga guerrilha e que é o maior produtor mundial de coca. Esses “trabalhos especiais”, realizados principalmente por unidades de ciberinteligência, respondiam à cadeia de comando. As publicações sobre o Exército enfureceram Martínez Espinel, que foi nomeado comandante do Exército por Duque no final de 2018. Na transição entre o mandato de Juan Manuel Santos —que impulsionou o processo de paz e conseguiu a desmobilização das FARC— e o atual mandatário do Centro Democrático, o partido do ex-presidente Álvaro Uribe, tomou o controle da área de Defesa e das Forças Armadas. O ministro Guillermo Botero precisou renunciar no final do ano passado após ocultar a morte de pelo menos oito menores em um bombardeio contra dissidentes das FARC. E então começaram a cair algumas das peças mais questionadas das Forças Armadas.

As operações de vigilância também miraram políticos e advogados dos direitos humanos. Entre eles, nada menos do que Jorge Mario Eastman, que foi ex-vice-ministro da Defesa e, há um ano, secretário geral da presidência. E o diretor para as Américas da Human Rights Watch (HRW), José Miguel Vivanco, que sempre esteve muito envolvido no esclarecimento da verdade nas investigações relacionadas aos falsos positivos. “As graves denúncias de que o Exército colombiano realiza interceptações ilegais e produz inteligência sobre jornalistas, políticos e advogados de direitos humanos atentam contra a democracia e o estado de direito”, declarou Vivanco ao EL PAÍS. “Devem ser feitas investigações sérias e contundentes que mostrem resultados críveis à sociedade. Do contrário, o país corre um sério risco de que essas práticas se normalizem”. A Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) condenou duramente essa trama. “Inaceitável que na Colômbia permaneçam as práticas de perfilamento e vigilância a jornalistas por parte de órgãos de inteligência estatal. São ações próprias de regimes autoritários contrários ao direito à informação”.

O atual ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo, reagiu às acusações com alguns anúncios. Em primeiro lugar, afastou do serviço ativo 11 oficiais e anunciou que um general de brigada solicitou sua retirada voluntária do serviço. “Em referência às denúncias conhecidas há alguns meses sobre suposta utilização irregular das capacidades de inteligência militar e continuando a política institucional de zero tolerância com a execução de condutas à margem da lei, o Ministério da Defesa Nacional se permite comunicar que desde o primeiro momento em que teve conhecimento dos supostos fatos, foram tomadas as medidas e adiantadas as ações correspondentes de acordo com a lei”, informou seu departamento. O Comando Geral das Forças Militares também abriu uma “investigação disciplinar e por sua vez delegou à Inspeção Geral das Forças Militares para adiantar uma verificação de processos e protocolos que a inteligência deve cumprir”.

De qualquer maneira, a gravidade do escândalo em um país já acostumado aos chamados grampos e interceptações tem a capacidade de gerar um terremoto político que abala as estruturas, principalmente, do partido do Governo, o Centro Democrático e a corrente política que tem como referência o ex-presidente Uribe, o chamado uribismo.

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