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Coronavírus faz Putin adiar votação sobre reforma constitucional que permitiria sua perpetuação no poder

Presidente russo recomenda que a população fique em casa para evitar propagação do vírus

María R. Sahuquillo
O presidente russo, Vladimir Putin, durante reunião em Moscou.
O presidente russo, Vladimir Putin, durante reunião em Moscou.MIKHAIL KLIMENTYEV (AFP)

Vladimir Putin recuou. O presidente russo decidiu adiar a consulta popular sobre a reforma da Constituição, que inclui uma emenda que lhe permitiria permanecer no poder, potencialmente, até 2036. As pressões incessantes e o exemplo de outros países levaram Putin a tomar uma decisão que não desejava e que postergou até o final. A votação estava prevista para 22 de abril. “Devemos entender que a Rússia, devido à sua localização geográfica, simplesmente não pode se isolar da ameaça. Há Estados que já estão seriamente afetados pela epidemia perto de nossas fronteiras. É objetivamente impossível bloquear completamente sua penetração em nosso país”, disse o líder russo em uma mensagem televisionada à nação. Na mensagem, ele anunciou a suspensão da consulta popular, decretou que a semana que vem será de férias remuneradas para tentar evitar a propagação do vírus e detalhou algumas medidas econômicas para reduzir seu impacto na já anêmica economia russa.

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Russian President Vladimir Putin addresses lawmakers debating on the second reading of the constitutional reform bill during a session of the State Duma, Russia's lower house of parliament, in Moscow on March 10, 2020. (Photo by Alexander NEMENOV / AFP)
Legislativo russo abre caminho para que Putin fique no poder até 2036
HANDOUT - 25 March 2020, Brazil, Brasilia: Brazilian President Jair Bolsonaro (C) takes part in a video conference with the governors of the four south-eastern alliances, on the coronavirus (COVID-19) outbreak. Photo: Marcos Corrêa/Palacio Planalto/dpa


25/03/2020 ONLY FOR USE IN SPAIN
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A youth wearing a facemask walk past a mural depicting people wearing famcemaks during the first day of a 21-day government-imposed nationwide lockdown as a preventive measure against the COVID-19 coronavirus, in Mumbai on March 25, 2020. - India's billion-plus population went into a three-week lockdown on March 25, with a third of the world now under orders to stay indoors, as the coronavirus pandemic forced Japan to postpone the Olympics until next year. (Photo by INDRANIL MUKHERJEE / AFP)
Eliane Brum | O vírus somos nós (ou uma parte de nós)

Com 650 casos de coronavírus detectados oficialmente e duas mortes, a Rússia, com 145 milhões de habitantes, está entre os países com menor proporção de afetados pelo vírus, que matou mais de 19.000 pessoas em todo mundo −entre elas, mais de 6.800 na Itália e 3.434 na Espanha. O total de casos na Rússia aumentou nos últimos dias, mas os dados oficiais são vistos com ceticismo por especialistas e pela oposição, que acreditam que os números reais são muito maiores. O histórico de pouca transparência do Kremlin não contribui para tranquilizar os céticos.

“A saúde, a vida e a segurança das pessoas são uma prioridade absoluta para nós”, enfatizou o líder russo, com uma expressão muito séria, depois das críticas da oposição extraparlamentar, que o censurou por antepor o plebiscito para se perpetuar no poder à saúde pública. Até poucos dias atrás, o Kremlin insistia que a consulta de 22 de abril, o último obstáculo do líder russo para poder voltar a disputar a presidência em 2024, seria realizada. Prosseguem, entretanto, os ensaios para o desfile militar de 9 de maio, quando a Rússia comemora o 75º aniversário da derrota dos nazistas diante do Exército Vermelho.

“É imperativo conter a ameaça de rápida propagação da doença”, afirmou Putin, um dia depois de ter visitado um hospital de Moscou dedicado ao tratamento de pacientes com Covid-19 e se reunido com a equipe especial formada para combater o vírus. O líder russo −que garantiu que o país, até agora, tem sido “bem-sucedido” nos esforços para conter o coronavírus− anunciou também planos de apoio a empresas e famílias e aos mais afetados pela pandemia, sem se referir ao impacto já grande que ela está tendo na Rússia. Só para o turismo, pode significar uma perda de mais de 37 bilhões de rublos (2,3 bilhões de reais), segundo cálculos da Associação de Operadores Turísticos.

Enquanto os números de infectados aumenta, o Governo russo anunciou medidas de proteção contra o coronavírus em todo o país. Sempre procurando evitar a palavra “quarentena”, Putin ordenou férias remuneradas para a próxima semana e pediu que os cidadãos não saiam de casa. Além disso, as regiões russas podem começar a adotar, por decreto, medidas mais rigorosas. Como já fez Moscou, uma cidade de quase 13 milhões de habitantes, onde é recomendado há dias o teletrabalho e as escolas, as universidades, as academias e os museus estão fechados. Nesta quarta-feira, a administração municipal reforçou as medidas, fechando também as bibliotecas e todos os centros de lazer. Além disso, proibiu reuniões com mais de 50 pessoas.

A partir desta quinta-feira, será ampliado para todas as pessoas com mais de 65 anos o confinamento obrigatório na capital russa. Até agora, essa medida afetava, por duas semanas, apenas aqueles que chegavam de outros países (até que as fronteiras foram fechadas, permitindo-se somente a entrada de residentes não temporários e diplomatas). Quem não respeitar o confinamento está sujeito a duras penalidades e até a penas de prisão.

O prefeito de Moscou, Serguei Sobianin, um dos principais responsáveis também pela operação contra o coronavírus no âmbito nacional, recomendou que essas medidas sejam estendidas para todo o país. Além disso, o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, insistiu nesta quarta-feira para que os governadores das regiões também adotem medidas para combater a pandemia. Se não fizerem isso ou se as medidas não forem suficientes poderão ser punidos, disse Mishustin. “O que está acontecendo hoje em muitos países ocidentais, tanto na Europa como em outros, pode se tornar nosso futuro imediato”, advertiu Putin, enfatizando: “Acreditem em mim, o mais seguro agora é ficar em casa”.

O presidente está tentando adiar ao máximo a adoção de medidas severas, no estilo da quarentena italiana ou espanhola. A crise sanitária coincide não só com o terremoto político provocado por sua manobra para poder permanecer no poder, como também pelo agravamento da situação econômica, que já não era muito boa, devido à guerra entre os membros da Opep em torno dos preços do petróleo. O rublo desabou e a insegurança econômica está afetando a população.

O Kremlin e seus aliados continuam insistindo em apresentar o coronavírus como uma ameaça externa. Nesta quarta-feira, o secretário do Conselho de Segurança da Rússia anunciou que Moscou ajudará os países mais afetados pela Covid-19. “O vírus chegou do exterior e nossa tarefa comum hoje é unir esforços na luta contra a pandemia, tanto dentro do país como no mundo em geral”, afirmou. Moscou já enviou à Itália um comboio de 14 aviões militares e cerca de cem especialistas médicos para trabalhar em Bérgamo, uma das regiões mais atingidas. Uma ajuda que pode ser um gesto em busca de que as sanções contra a Rússia sejam levantadas no futuro, mas que também serve para que esses profissionais de saúde ampliem seus conhecimentos sobre como combater a pandemia.


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