Achado morto em Lisboa o gestor financeiro da mulher mais rica da África, investigada por corrupção
Nuno Ribeiro da Cunha havia sido acusado formalmente pelo Ministério Público de Angola

O caso de corrupção contra Isabel dos Santos, considerada a mulher mais rica da África, está ficando mais intrincado. Nuno Ribeiro da Cunha, diretor do banco privado português Eurobic, 45% de propriedade da filha do ex-presidente angolano José Eduardo Dos Santos, foi encontrado morto na noite de quarta-feira na garagem da sua casa em Lisboa. Fontes policiais indicam a hipótese de que Ribeiro da Cunha cometeu suicídio.
Ribeiro da Cunha é um dos quatro portugueses acusados formalmente pelo Ministério Público de Angola por crimes de lavagem de dinheiro atribuídos a Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos, que foi presidente de Angola durante 37 anos. As autoridades angolanas a acusam de causar prejuízos aos cofres públicos equivalentes a 9,2 bilhões de reais, principalmente por meio da Sonangol, a companhia estatal de petróleo que ela presidiu por designação de seu pai, no poder até 2017.
Ribeiro da Cunha se tornou a primeira fatalidade no caso após a publicação dos esquemas financeiros da família Santos. Além disso, o braço direito de Isabel dos Santos, Mário Leite da Silva, renunciou ao cargo de presidente do Banco de Fomento de Angola ―52% de participação de Isabel Dos Santos―, embora em sua demissão ele ressalte que a decisão não tem nada a ver com o caso Luanda Leaks, a investigação jornalística internacional que analisou mais de 7.000 arquivos relacionados ao império da mulher considerada a mais rica da África.
O Ministério Público angolano acusou outros três portugueses, incluindo Sarju Roikundalia, de origem indiana, administrador financeiro da Sonangol, que supostamente colaborou na transferência de dinheiro dessa empresa para outras. Após a destituição de Isabel dos Santos pelo novo presidente do país, João Lourenço, a transferência de dinheiro da estatal para empresas privadas da primogênita do ex-presidente foi acelerada. Paula Oliveira também é acusada por essas operações. Segundo os documentos do Luanda Leaks, ela se encarregou da transferência do equivalente a 460 milhões de reais para uma empresa de Santos em Dubai, justificada por várias consultorias.
O escândalo financeiro começa a envolver cada vez mais advogados e banqueiros de Portugal, porque, depois de Angola, é o principal país onde a chamada rainha da África desenvolveu suas atividades, com mais de cem empresas. O efeito dominó já chegou à principal operadora de comunicações, a Nos, em que empresas de Santos têm metade da participação. O presidente não executivo, o advogado Jorge Brito Pereira, foi chamado a depor pelo comitê de ética da empresa, além de outros dois executivos de Santos, Leite da Silva e Paula Oliveira.
Antes de o Banco de Portugal tomar qualquer decisão sobre o Eurobic, que é o centro de todo o esquema financeiro de Santos no país, este pequeno banco pôs à venda de 45% de suas ações.
A suposta permissividade ou falta de controle das autoridades portuguesas ante as transações financeiras da acusada ameaça também afetar o Governo. Na sede parlamentar, o ministro das Relações Exteriores, Augusto Santos Silva, referiu-se ao duvidoso cumprimento da lei pelas empresas de Isabel dos Santos. Após acusações de Catarina Martins, do Bloco de Esquerda, o primeiro-ministro António Costa reafirmou que nunca houve tratamento favorável pelo Governo. “Não houve tratamento especial, nem de favor nem de desfavor”, disse ele. “O que nos interessa é colaborar plenamente com as autoridades angolanas”, acrescentou.
Após a formalização das acusações em Angola, os procuradores gerais daquele país e de Portugal se reuniram nesta quinta-feira em Lisboa para acelerar a investigação. Os acusados têm suas contas embargadas em Angola desde o final do ano passado, mas se espera que o Ministério Público angolano peça o mesmo também em Portugal.
O escândalo também agitou as águas socialistas. O flagelo de Isabel dos Santos, a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes, que denunciou seus investimentos por muitos anos ―em 2015 ela já havia proposto ao Parlamento Europeu uma investigação sobre sua fortuna―, está sendo promovida a uma candidatura à presidência da República pela ala mais crítica do Partido Socialista. Ela a rejeitou porque quer continuar lutando contra a corrupção e, além disso, não tem apoio no aparato do partido, liderado por António Costa.