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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

É Dia Mundial do Gato. Mas afinal, quando não é o dia deles?

Os felinos tem aos menos um dia só para celebrá-los: 17 de fevereiro para os brasileiros, 20 de fevereiro para os europeus e outros países. Há ainda o dia dos gatos nos EUA, o dia do gato preto... Afinal, comemorar a espécie nos 365 dias do ano é apenas uma questão de tempo

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Mía celebra o grande Dia Mundial do Gato.
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Você nunca sabe quando repensará toda a sua vida. Aconteceu comigo há algumas semanas. Eram cinco da manhã quando Atún, o mais jovem dos meus dois gatos, começou a miar e a exercer aquela estratégia de pressão tão felina e tão eficaz para fazer o humano despertar: se aproximou bem perto do meu rosto, de modo que os seus bigodes nem chegavam a tocá-lo ―mas próximo o suficientemente a ponto de ser notado ali, me olhando fixamente longamente.

Acho que isso é algo que acontece com muitas outras pessoas que compartilham suas vidas com gatos. Eu sei que parece estranho para quem não convive com os felinos, mas não é tão raro acordar e encontrar seu gato o observando com uma expressão séria. Um olhar capaz de fazê-lo se sentir alvo de uma observação científica, de provocar uma culpa por não lhe dar a atenção que ele acha que merece e, sobretudo, um olhar capaz de fazê-lo se sentir quase uma presa.

Atún é um gato muito inquieto, que quase todas as noites passeia sobre mim. O que faz várias vezes ao longo da noite, como se não houvesse ninguém além dele mesmo sobre a cama. Para ele, tanto faz pisar sobre a minha barriga, a minha cara ou a perna. Existe uma teoria que diz que os gatos colocam suas patas traseiras exatamente no mesmo lugar onde antes pisaram as patas dianteiras. Com base na minha experiência pessoal e análise (empírica, para ser exato), diria que é preciso estudar essa tese pouco mais.

Aquela noite não estava sendo diferente das demais, verdade seja dita. Depois de passear um pouco sobre mim, Atún deitou-se do meu lado e o acariciei até que ele voltou a dormir. (Notem que considero absolutamente normal ser acordado por ele de madrugada). A situação mudou quando Mía, a gata mais velha, se uniu à festa. Ela não costuma aparecer à noite, porque passa muito tempo comigo e com o irmão caçula (e deve ter seus motivos), mas naquela manhã quis entrar em um guarda-roupas do quarto. E o que faz um gato quando quer uma porta seja aberta para ele? Insiste, sem parar, até que você a abra. Vence por exaustão. Miá começou a bater na porta com a patinha. No começo, lentamente. Depois (não muito depois, não pense que ela é paciente), como se fosse uma dançarina de flamenco.

Levantei-me para abrir a porta do armário para que Miá pudesse entrar, tomando cuidado para que ficasse entreaberta, pois sei perfeitamente que ela demorará apenas cinco minutos para querer sair. O que aconteceu? Bem, quando me levantei, Atún acordou. E a festa começou.

Atún posa na minha cama.
Atún posa na minha cama.P.Z.

De repente, me vi acordando para abrir a porta do guarda-roupas para a minha gata. Enquanto o meu outro gato pulava e corria pela cama ... E tudo às cinco da manhã. E sim, tive um (breve) momento de clareza e repensei minha vida. Porque a situação, se você pensar um pouco, é para fazê-lo refletir. Uma epifania aos 39 anos, ao acordar de madrugada para autorizar que minha gata enchesse de pelo todas as minhas roupas, ao mesmo tempo em que o outro gato me pisoteava graciosamente.

Me lembrei dessa situação porque nesta semana celebramos o Dia Mundial do Gato. A data ―no Brasil diz-se que é em 17 de fevereiro, enquanto na Europa e em várias partes do mundo é em 20 deste mesmo mês―, reza a lenda, foi instituída em homenagem ao Socks (meias, em português), gato norte-americano que viveu com a família Clinton por 20 anos e comandou a Casa Branca no período em que Bill Clinton era o presidente dos Estados Unidos. Honestamente, não acho que haja alguém mais poderoso que o gato do presidente dos EUA.

Curiosamente, me lembrei que Socks também era o nome o lobo amigo de Kevin Costner em Dança com lobos. E, desconfio, de todos os animais domésticos com patinhas brancas ou de cores diferentes do restante do corpo...

Mas ao invés de refletir sobre se Kevin Costner estava melhor em Dança com lobos, em O guarda-costas ou em Os intocáveis ―que é um debate interessante, claro―, minha mente voltou àquela madrugada em que meus gatos fizeram uma farra noturna no meu quarto. E aquela reflexão se converteu, então, em uma incompreensão.

Não entendo como existe um Dia Internacional do Gato. Não faz sentido. Afinal, de quem são os outros 364 dias do ano? Como vocês acham que é a convivência tirânica-consentida com os felinos domésticos?

Às vezes acho que meus gatos me veem como um hóspede da casa deles. Noto que me olham com desprezo, às vezes, quando caminham de um cômodo a outros, sem entender o que eu faço no sofá deles. E, principalmente, como eu sobrevivo sem arranhar o sofá com as minhas patas.

Na cabeça dos meus gatos, sou um homem que se instala em alguns de seus espaços favoritos. Que acham normal muitas das coisas estranhas que faço para agradá-los ou para não incomodá-los. É muito provável que, todas as noites, quando Atún se deita ao meu lado, pense: “O que esse cara está fazendo na minha cama de novo?”.

Seu poder é tal que eles podem até anular alguém como pessoa. Alguns meses atrás, a conta do Instagram dos meus gatos foi hackeada. Durante os dois meses que fiquei sem ela, cada vez que publicava algo em minha conta pessoal, muitas pessoas faziam a mesma pergunta nos comentários: “Você sabe quando o Instagram de Mía e Atún vai voltar?”. Minhas postagens não interessaram a ninguém. O pior não foi isso, mas que vários amigos me diziam, em mensagens carinhosas: “Você não é ninguém sem seus gatos.”

E, mais uma vez, ao invés de refletir sobre a qualidade das minhas amizades, ou ainda sobre a colonização felina dos meus espaços virtuais, a injusta celebração do Dia Mundial do Gato não saía da minha cabeça. Eu tinha a sensação de que acabara de comemorar a data. E não estava errado. O gato é talvez a única espécie no mundo que não tem somente um dia dele, mas pelo menos três: uma em fevereiro, o 8 de agosto (o Cat Day, celebrado pelos norte-americanos), e o 29 de outubro, Dia Internacional do Gato. No Brasil, há ainda o 17 de agosto: Dia do Gato Preto. Para efeitos de comparação, a paz mundial, por exemplo, só tem um dia próprio no ano (21 de setembro, se você estiver interessado). Nenhum direito, movimento ou, obviamente, nenhum outro animal tem tantos dias de festa quanto eles.

Ainda estamos longe de que sejam reconhecidos que todos os 365 dias do ano são deles, dos gatos. Mas todos nós que vivemos com os felinos sabemos que isso é apenas uma questão de tempo.

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