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Guedes diz que investe em paraíso fiscal para não pagar imposto sobre herança nos EUA

Em audiência na Câmara, o ministro da Economia se defendeu por manter uma ‘offshore’ nas Ilhas Virgens Britânicas após aceitar um cargo no Governo, conforme revelou a investigação ‘Pandora Papers’

Paulo Guedes durante audiência na Câmara nesta terça-feira, em Brasília.
Paulo Guedes durante audiência na Câmara nesta terça-feira, em Brasília.ADRIANO MACHADO (Reuters)

O ministro da Economia Paulo Guedes afirmou em audiência pública na Câmara nesta terça-feira que manteve dinheiro em paraíso fiscal para não pagar imposto sobre herança nos Estados Unidos. “Por razões sucessórias, se quiser investir alguma coisa nos EUA como pessoa física e vir a falecer, 46%, 47% [do dinheiro] é expropriado pelo Governo americano”, disse, sem deixar claro quais investimentos ele tem nos EUA.

O ministro argumentou que foi orientado por advogados a usar a offshore para fazer investimentos e não ter metade de seu dinheiro “apropriado pelo Governo americano” em caso de sucessão familiar. Isso só aconteceria se o ministro investisse diretamente em empresas dos norte-americanas como pessoa física, uma vez que os EUA tem uma alta tributação sobre heranças. Já no caso do Brasil, a tributação sobre herança é uma das menores do mundo. Herdeiros pagam entre 3% e 8% sobre o bem transmitido após a morte, a depender do Estado. Em São Paulo paga-se apenas 4% sobre herança, um valor irrisório quando comparado com França (60% de imposto sobre herança), Japão (55%), Alemanha e Suíça (50% cada um deles), Inglaterra (50%) e Chile (25%).

A declaração de que usa offshore para driblar imposto em outro país deixou alguns parlamentares chocados. “O senhor dizer que coloca o seu dinheiro em offshore para não pagar imposto é quase um tapa na cara do povo brasileiro, que paga tributos, os pequenos e micro que são sobretaxados, enquanto temos um paraíso para acionistas de offshore e especuladores”, afirmou a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS).

Guedes foi convocado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC) da Câmara dos Deputados para se defender de possível conflito de interesse por manter uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas após aceitar um cargo no Governo, conforme revelou a investigação jornalística do Pandora Papers, do qual do EL PAÍS faz parte. Documentos mostram que o ministro tinha em 2014 pelo menos oito milhões de dólares (43,3 milhões de reais, pelo câmbio atual) investidos em uma shelf company, como são conhecidas no jargão financeiro empresas fundadas em paraísos fiscais, mas que podem permanecer anos sem atividade à espera de que alguém lhes dê função. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também é dono de empresas em paraíso fiscal.

O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe “investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por uma decisão ou política governamental”, que eles mesmos teriam tomado. A proibição se refere àquelas sobre as quais “a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função”. Em ao menos duas ocasiões, os deputados apontam que decisões de Guedes podem ter impactado seus próprios investimentos. É o caso do projeto de reforma tributária encaminhado ao Congresso e também na decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de dispensar contribuintes de declararem ao Banco Central seus ativos no exterior em valores inferiores a um milhão de dólares.

Guedes afirmou que no texto inicial da reforma tributária enviado pelo Ministério da Economia à Câmara constava a tributação de 27,5% de todos os lucros, rendimentos e ativos de origem lícita que estejam no exterior. “A proposta que tem a minha assinatura tem a tributação dos offshore”, afirmou Guedes. Porém, a Câmara dos Deputados excluiu o parágrafo, em uma decisão negociada também com o ministro. “No dia 13 de julho o senhor fez uma reunião com o relator [da reforma tributária] e após a reunião foi retirado [o artigo que tributava offshore]”, afirmou o deputado Jorge Solla (PT-BA).

Guedes reiterou que foi o “calvário” do texto pela Câmara e pelo Senado que acabou tirando a tributação das empresas em paraíso fiscal. “Aparentemente não sou eu que tenho amigo no mercado financeiro, porque derrubaram a proposta de tributar 60.000 brasileiros que ganham 300 bilhões no exterior”, disse Guedes, afirmando que o dinheiro seria utilizado para o programa social Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família. O ministro disse que acha “justa” a tributação dos mais ricos. E que a medida iria expor traficantes de drogas, de armas, quem tem dinheiro sem origem”, além de quem “não registrou na receita e Banco Central”. “Tentamos tributar os mais ricos e não conseguimos”, lamentou. A tributação sobre herança, no entanto, não entrou na pauta da reforma.

Quanto a mudança na regra para declaração de ativos no exterior feito pelo CMN, Guedes argumentou: “A única coisa que posso dizer é que está completamente ausente qualquer conflito de interesse. Se estamos discutindo que tenho uma offshore com valor muito superior a 100.000, eu ser um dos votos decisivos [no CMN] para passar a 1 milhão não me afeta em nada. Se tivesse 300.000 eu estaria me isentando de declarar para à Comissão de Ética, ao Banco Central”.

O ministro também foi criticado por manter sua esposa Maria Cristina Bolívar Drumond Guedes, e filha, Paula Drumond Guedes como acionistas da empresa em paraíso fiscal, sem informar às autoridades. De acordo com deputados, isso seria um claro conflito de interesse. No passado, ministros que passaram pelo Governo, como Henrique Meirelles, colocaram seu patrimônio em um chamado blind fund, gerenciado por gestores independentes, para evitar problemas com a Comissão de Ética.

Guedes afirmou que parte de seu patrimônio no Brasil, que poderia ser influenciados indiretamente por sua ação como ministro, está em um blind fund. Também argumentou que se desfez de negócios que seriam influenciados diretamente por sua ação como ministro. Advogados me falaram que seria um governo difícil o Governo Bolsonaro, com muita contestação, por isso o ideal era desinvestir”, afirma. “Desinvesti com enorme prejuízo, perdi mais do que o valor dessa offshore ao abrir mão de oito, nove, dez anos de trabalho”, disse Guedes, ressaltando seu “sacrifício” pelo país.

A resposta também não convenceu parlamentares de oposição, que argumentaram que Guedes está ganhando muito com a valorização do dólar. “Sacrifício em ser ministro? Mas quanto o senhor lucrou?”, perguntou o deputado Elias Vaz (PSB-GO). De acordo com o deputado, uma declaração apresentada pelo ministro mostra que seu fundo de investimento administrado pelo banco Itaú teve uma valorizou de 42%, ou 6,6 milhões de reais, para 22,3 milhões em apenas seis meses de Governo.

Em sua defesa, Guedes também afirmou que ele lutou um Banco Central independente, que é a instituição responsável por determinar a taxa de juros. “Se eu quisesse manipular, eu deixava o BC sob o meu comando.” O ministro disse ainda que fez um levantamento dos momentos em que o dólar subiu muito durante sua gestão. Foram 27 ocasiões em que o dólar subiu 2% no mesmo dia, nenhuma pela economia”, disse. Segundo ele, fatores como covid-19, a saída do ex-juiz Sergio moro do Governo e a prisão do ex-presidente Michel Temer influenciaram na alta do dólar. “Foi só política ou doença.”

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