Acuado, Bolsonaro exibe Guedes e resgata tema da privatização da Petrobras para tentar acalmar o mercado
Após alta do dólar e demissões, mandatário aparece com ministro em pleno domingo para argumentar que o furo do teto de gastos não altera a política de austeridade. Semana começa com incerteza sobre a reação dos investidores e expectativa de anúncios de novos nomes da Economia
Antecipando mais uma semana que promete ser de pressão do mercado, o presidente Jair Bolsonaro saiu às ruas em pleno domingo ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, para tentar contornar a mais recente crise gerada pelo anúncio de que o Governo federal vai furar o teto de gastos. Dois dias depois de virem a público negar rumores de queda do ministro, o presidente e seu auxiliar voltaram a defender a medida como forma de subsidiar o programa Auxílio Brasil, que substituirá o Bolsa Família, e ajudar caminhoneiros diante da alta dos preços —uma justificativa eleitoreira que levou à demissão de quatro nomes importantes da pasta e ainda fez com que o dólar disparasse na sexta-feira.
Em conversa com jornalistas em Brasília, Guedes tirou da manga a proposta de privatização da Petrobras. Segundo o ministro, a petroleira deveria seguir o mesmo caminho da Eletrobras e dos Correios, que estão sendo desestatizados em dois processos, porém, muito criticados por economistas e analistas do mercado financeiros. “Só o BNDES tem uma fortuna, bilhões e bilhões em ações da Petrobras. Se formos para o Novo Mercado [segmento nobre da Bolsa, onde estão as empresas com alta governança corporativa], criamos entre 100 e 150 bilhões [de reais] de riqueza para os brasileiros. Vamos usar esse dinheiro para ajudar os mais frágeis”, defendeu Guedes.
O ministro tentou mais uma vez argumentar que a quebra do pacto fiscal não altera a agenda econômica que defendeu na campanha que levou Bolsonaro a ser eleito em 2018. “Eu sou um defensor do teto, eu vou continuar defendendo o teto, eu defendo as privatizações”, afirmou, dizendo que o Governo precisa “flexibilizar um pouco” para “atender a população mais vulnerável”. Em clima eleitoral, atribuiu ao Senado a culpa pela falta de recursos para ampliar os programas sociais, uma vez que esse dinheiro deveria vir da reforma tributária do imposto de renda. A medida, aprovada na Câmara do aliado Arthur Lira (PP-AL), encontrou uma barreira na Casa comandada por Rodrigo Pacheco (MG), que acaba de se filiar ao PSD de olho em 2022 e que nos últimos meses engrossou o coro contra ataques de Bolsonaro contra o sistema de votação e a democracia.
Por sua vez, Bolsonaro afirmou que não tem responsabilidade pelo avanço dos preços dos combustíveis e ainda alertou que novas altas virão nesta semana. “Teremos aí, ao que tudo indica, reajuste nos combustíveis. Não precisa ter bola de cristal nem informação privilegiada. É só ver o preço do barril de petróleo lá fora e o comportamento do dólar aqui dentro”, disse aos jornalistas, logo após afirmar que não vai interferir no preço dos combustíveis. “Isso já foi feito no passado e não deu certo.”
Bolsonaro afirmou que apenas a Petrobras tem condições de mexer no preço e como se trata de um “monopólio”, a empresa é “praticamente independente”. “Eu indico o presidente [da estatal]. Nada além disso”, afirmou. Em fevereiro deste ano, o mandatário colocou o general Joaquim Silva e Luna, ex-ministro da Defesa, no lugar de Roberto Castello Branco no comando da Petrobras, argumentando que “jamais” iria intervir na empresa e em sua política de preços, mas que o povo não podia “ser surpreendido com certos reajustes”. Depois, mudou o discurso: “É para interferir mesmo, eu sou o presidente”, disse em maio.
Desde então, o consumidor continuou sendo surpreendido com a alta dos preços nos combustíveis. Na semana passada, dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostraram que o valor do litro da gasolina comum avançou 0,6% para 6,361 reais, em relação à semana anterior. Diesel e etanol também subiram. O preço máximo da gasolina chegou a 7,469 reais. Desde janeiro, a gasolina comum já acumula uma alta média 35,5%.
Bolsonaro culpa o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), um tributo estadual que incide sobre os combustíveis, pela alta. E ressalta que há uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão dos Estados esperando ser julgada no Supremo Tribunal Federal. “O Governo federal mantém os impostos [PIS/Cofins] congelados desde 2019, o que não acontece com o ICMS”, afirma. A equipe econômica de Bolsonaro defende que os Estados fixem o valor do ICMS ou que ele seja pago nas refinarias e não nos postos de gasolina (onde o valor é mais caro). “Os governadores ganham cada vez que sobe o preço [do combustível]. É injusto”, afirmou o presidente, que destacou o fechamento dos Estados para tentar conter a pandemia como outra das razões da crise econômica. “Sabemos agora que o preço do ‘fique em casa, a economia a gente vê depois, chegou’”, declarou, insistindo no discurso que o levou a CPI da Pandemia a imputar a ele a suspeita de nove crimes, incluindo contra a humanidade, pela gestão da crise sanitária que matou mais de 600.000 brasileiros.
Bolsonaro reafirmou a “total confiança” em Guedes para espantar rumores de troca na pasta. “Foi sensacional o trabalho dele em 2019 e melhor ainda em 2020″, disse, exagerando dados para ressaltar os feitos à da Economia. “Terminamos 2020 com mais carteira assinada do que em 2019 graças à equipe econômica”, destacou o presidente. Dados do IBGE mostram, no entanto, que o país terminou o ano de 2019 com 33,2 milhões de brasileiros com carteira assinada. No ano seguinte, esse número caiu para 30,6 milhões.
O ministro da Economia ressaltou que “o Brasil vai crescer mais de 5% neste ano”, apontando estimativa semelhante à feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) —que, entretanto, pirou a projeção para o país em seu último relatório. “Essa história de que o Brasil não vai crescer é narrativa política”, disse. Guedes se empolgou no discurso contra adversários políticos. “Ele [Bolsonaro] é um político popular, mas não é populista. Tem muito político aí candidato à Presidência, falando [em auxílio de] 600, 700, 800 [reais]. Mas eles quebram o Brasil e não fizeram esse auxílio emergencial. Eles quebraram o Brasil e não tiveram coragem de taxar o super-ricos”. Omitiu, no entanto, que o auxílio emergencial da forma como foi aprovada é um plano do Congresso Nacional, e que o imposto para o super-ricos, uma demanda da sociedade civil, sequer foi mencionado em seu projeto de reforma tributária.
Além da expectativa sobre a reação do mercado às aparições e falas de Guedes e Bolsonaro desde sexta, esta semana começa com a espera do anúncio de novos nomes de auxiliares da Economia. Dos quatro cargos vagos em protesto contra o furo do teto de gastos, apenas dois tiveram os substitutos confirmados: o economista Paulo Valle, que será o novo secretário do Tesouro Nacional, e Esteves Colnago, novo secretário do Tesouro e Orçamento.
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