Economistas já falam em recessão para 2021 se não houver auxílio e crédito para as empresas

Auxílio emergencial em 2020 serviu de colete salva-vidas dos brasileiros em meio à primeira onda da covid-19. Esperança é a vacinação mas Governo ainda bate cabeça sobre rumos da economia neste ano

Vista geral de uma movimentada rua comercial no centro de São Paulo na terça-feira (2).Sebastiao Moreira (EFE)
São Paulo -
Mais informações
PIB de 2020 no Brasil cai 4,1% com pandemia, o pior resultado em 24 anos
Câmara vota auxílio de 250 reais, mas entidades pedem aumento de valor “por questão humanitária”
Donos de comércio fazem malabarismo para manter as portas abertas com a economia em corda bamba

A tempestade causada pelo coronavírus ainda está longe de dar uma trégua —já são mais de 257.000 as vítimas fatais no Brasil, e subindo—, mas previsões mais pessimistas para a economia não se realizaram. O Produto Interno Bruto (PIB) teve queda de 4,1% no ano passado, para 7,4 trilhões reais, segundo os dados divulgados nesta quarta-feira (2) pelo IBGE. É a maior contração em 24 anos, ainda assim, um resultado melhor do que o previsto no começo da crise sanitária por organismos internacionais, que chegaram a falar em um derretimento de até 10% na economia nacional. Sem o suporte do pacotes de incentivo neste ano, no entanto, economistas já falam em recessão no país em 2021, a terceira em 10 anos.

No ano passado, o auxílio emergencial serviu como colete salva-vidas dos brasileiros em meio a primeira onda da pandemia da covid-19, quando diversas atividades econômicas foram paralisadas na tentativa de controlar o vírus, o que garantiu um impulso da economia nos meses finais do ano. A somatória de riquezas produzidas no país no quatro trimestre teve uma alta de 3,2%, já sem o mesmo fôlego do trimestre anterior, quando o país cresceu 7,7% e abandonou momentaneamente o fantasma da recessão, depois dos recuos de 2,1% no primeiro trimestre e do recorde negativo de 9,2% no segundo trimestre.

Apoie nosso jornalismo. Assine o EL PAÍS clicando aqui

“O auxílio emergencial injetou na economia 4% do PIB, foi o maior programa de salvamento de pessoas na história do Brasil, e conseguiu reduzir o nível de pobreza absoluta, estimulando o comércio e a vendas de alimentos. Também teve efeito na construção civil, já que muitos usaram a ajuda para introduzir melhorias nas casas em meio ao confinamento”, afirma o economista José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília.

O resultado de 2020, no entanto, retrocede a economia brasileira ao patamar de 2016 (no fim da última recessão), com o cenário futuro sem a expectativa da recuperação de 2017 ― quando o país voltou a crescer modestos 1,3%, após dois anos de recessão. “O Brasil, no que se refere à discussão econômica, parece viver num universo paralelo. O mundo inteiro está discutindo a manutenção dos juros baixos, novos pacotes de estímulo, renda mínima para a população e o país falando em elevar juros nas próximas semanas”, diz Oreiro.

O economista lembra que foi uma opção do Governo Bolsonaro abandonar a política de estímulo econômico, que ajudou a mitigar a crise no ano passado. “Começamos o ano sem auxílio emergencial. As empresas também perderam o BEM [benefício emergencial para preservar emprego e renda do trabalhador formal] e o Pronamp [financiamento para custeio e investimentos dos médios produtores rurais em atividades agropecuárias]. Nesse momento, temos zero programa. Nada está em funcionamento. O Governo foi irresponsável de achar que a pandemia acabaria em 31 de dezembro de 2020”, diz.

Não faltaram alertas sobre a necessidade de renovar já no final do ano o estado de calamidade pública, o que garantiria a manutenção automática do orçamento de guerra para o início de 2021. Economistas ouvidos pelo EL PAÍS afirmam que esses três meses de indecisão do Governo federal, somados ao agravamento da pandemia, fazem com que o primeiro trimestre possa ser considerado perdido e o país caminhe para a terceira recessão em dez anos. “E o segundo trimestre, a depender do que o Governo fizer, pode estar perdido também”, alerta a economista Monica De Bolle, da Johns Hopkins University.

Na segunda-feira, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que está “quase tudo certo” para o pagamento de uma nova rodada do auxílio emergencial a partir de março. O valor a ser desembolsado por mês será mais modesto do que os 600 reais pagos inicialmente. A previsão é que o novo programa de auxílio seja de 250 reais por quatro meses, um valor, segundo o presidente, “acima da média do Bolsa Família, que é de 190 reais”. A volta do benefício deve ir à votação na Câmara nesta quarta-feira.

De Bolle explica que os efeitos na economia do novo pacote serão muito reduzidos. Isso porque o país não enfrenta o mesmo cenário de crise do ano passado. “O momento da pandemia é crítico, agora temos uma nova variante do vírus, muito mais perigosa, em circulação. O Brasil é visto como um celeiros de mutações e isso reflete na economia”, diz. No curto prazo, o mercado financeiro ainda pode se beneficiar pela volatilidade causada pela incerteza econômica. “A médio prazo, a tendência de um país em trajetória de decadência é que ninguém ganhe”, diz De Bolle. Segundo ela, o Brasil é visto como uma “espécie de pária internacional” no combate à pandemia, o que afasta os investimentos de empresas, fundamentais para uma retomada sustentável.

O impacto da crise na renda das famílias

A queda no consumo das famílias em 2020 foi a menor em 24 anos ― a maior retração da série histórica, -5,5%. Segundo a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, a piora nos índices de emprego e a necessidade de distanciamento social puxaram para baixo o indicador. “Mesmo quando começou a flexibilização do distanciamento social, muitas pessoas permaneceram receosas de consumir, principalmente os serviços que podem provocar aglomeração”, analisa Palis. A renda domiciliar per capta foi de 1.380 reais em 2020, segundo dados do IBGE. Sem considerar os efeitos da inflação, o valor é valor 4,1% menor que o rendimento médio nacional registrado em 2019 (1.439 reais).

A queda no consumo do Governo também foi recorde (-4,7%), um reflexo do fechamento de diversos serviços como escolas e universidades para conter a pandemia, mas também de uma estratégia de contenção de gastos. “Tivesse o Governo aumentado seus gastos com investimento, a queda de PIB seria ainda menor. Austeridade fiscal nunca deve ser adotada em períodos recessivos”, alerta Oreiro.

A redução do consumo e dos gastos do Governo tiveram um efeito dominó na economia. O setor de serviços encolheu 4,5% e a indústria, 3,5%. Apenas a agropecuária cresceu 2% no ano passado, puxada pela soja (7,1%) e pelo café (24,4%), que tiveram safras históricas.

O peso da desvalorização do real

O engenheiro e economista Eduardo Moreira, criador do movimento #somos70porcento, diz que é preciso analisar o PIB também por seu valor em dólar, para se vislumbrar o impacto do montante real de perda da economia no cenário internacional. “A quantidade de riqueza que temos em dólar para 210 milhões de pessoas caiu quase 25% em apenas um ano”, afirma. O dado é baseado em projeção realizada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que mostra que só a China conseguiu fechar o ano no azul no cálculo em dólar. Fora o Brasil, os dois países que tiveram maior queda percentual dentre as 10 maiores economia do mundo foram Itália ―o primeiro país do ocidente a ser atingido pelo caos da pandemia―, e a Índia, com queda projetada de cerca de 10% no PIB, respectivamente.

Moreira explica que o real teve a maior desvalorização entre as moedas emergentes, e isso não contribuiu para aumento das exportações, como se imagina. Isso porque em escala global, mesmo as atividades mais extrativistas como minério e agricultura, dependem de investimento em maquinário importado. “Não adianta imaginar que vamos vender mais barato, isso depende da tecnologia que usamos aqui para produzir também”. As exportações caíram 1,8% no ano passado, enquanto as importações tiveram uma retração de 10%. “Só vamos sair da crise distribuindo riqueza, com o Estado direcionando o crescimento. Eventualmente, com uma reforma tributária, podemos até ter um PIB melhor para mostrar, mas não necessariamente isso reflete na qualidade desse PIB para a população”, afirma Moreira.

Mais informações

Arquivado Em