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Corrida de investidores leva petróleo norte-americano a uma nova queda de dois dígitos

Dúvida sobre recuperação leva fundos de investimento a venderem contratos futuros com entrega em junho. Com os depósitos cheios, ninguém descarta preços negativos

Plataformas petrolíferas em desuso em Cromarty Firth (Escócia), nesta terça-feira.
Plataformas petrolíferas em desuso em Cromarty Firth (Escócia), nesta terça-feira.Robert Perry (EFE)
Ignacio Fariza

As quedas na casa dos dois dígitos, seguidas de recuperações um pouco menos fulgurantes, estão a caminho de se tornarem o novo normal no mercado petroleiro. Oito dias atrás, o barril de petróleo tipo Texas, o de referência nos Estados Unidos, entrava no negativo pela primeira vez em toda a série histórica: os contratos de entrega em maio queimavam nas mãos dos investidores; ninguém queria um petróleo que estava destinado a ser armazenado em vez de consumido, por causa da paralisação econômica decorrente da pandemia. Algo similar ocorre nesta semana com os contratos futuros com vencimento em junho: depois de despencar no primeiro dia da semana, nesta terça-feira o petróleo voltou a cair com força, refletindo a corrida dos fundos de investimento em um mercado dominado pela volatilidade.

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Una bomba petrolífera en funcionamiento al amanecer cerca de la población tejana de Midland, Estados Unidos.
Petróleo dos Estados Unidos é cotado em valor negativo após maior queda de sua história

O nervosismo sobre a possibilidade de que a demanda se recupere a partir do segundo semestre, ou se as restrições à movimentação de pessoas obrigarão a esperar um pouco mais, é uma força muito poderosa. O fundo United States Oil Fund, cujos papéis são negociados em Bolsa, anunciou inicialmente que se desfará de todos os seus contratos petrolíferos com entrega em junho, e nesta terça-feira outros grandes players se somaram. São, em sua maioria, veículos de investimento que detêm “posições descomunais”, nas palavras de Axel Botte, da gestora Ostrum, e que optam por vender seus direitos com vencimento dentro de um mês para poderem comprar posições mais prolongadas, esperando que até lá a economia já tenha recuperado seus sinais vitais. É algo semelhante a um jogo de tempo em que ganha quem acerta o ponto exato em que o consumo se recuperará depois dos confinamentos.

Os mercados de energia são um organismo estranho, no qual os preços negativos, embora incomuns, são um cenário possível, dada a dificuldade de armazenar o restante. Na eletricidade, as referências negativas estão abrindo espaço em vários países europeus (Alemanha, França, Reino Unido, Bélgica, Países Baixos), onde, em determinadas horas do dia —e, sobretudo, da noite—, o desabamento da demanda e o consequente excedente de energia renovável e nuclear leva os produtores a pagarem para se livrar da eletricidade restante. E, no caso do petróleo, preços negativos deixaram de ser tabu. O petróleo tipo Texas foi cotado em números vermelhos durante horas no começo da semana passada: os investidores que detinham contratos com entrega em maio pagavam a outros para que ficassem com eles, evitando assim a dor de cabeça de lidar com barris para os quais não havia demanda nem opção de armazenamento. E, se até recentemente só um analista —Paul Sankey, do banco japonês Mizuho— era capaz de acertar a previsão de preços negativos, hoje ninguém se atreve a afirmar que não voltarão a acontecer de novo: a anomalia já é uma opção a mais, tão válida e possível como qualquer outra.

“Estamos vendo uma fuga dos contratos do Texas com entrega em junho”, diz Harry Tchilinguirian, chefe de matérias-primas do banco francês BNP Paribas, em declarações à Bloomberg. As novas quedas, acrescenta, “continuam sendo motivadas pelo risco de que os preços negativos voltem a emergir de novo diante da tensão na capacidade de armazenamento em Cushing [Oklahoma, de longe o maior ponto de depósito de petróleo nos EUA]”. Certa sensação de déja vu paira no mercado após o que se viu há exatamente uma semana: se naquele momento foi com as entregas em maio, agora é com as de junho. Subjaz, por outro lado, uma boa notícia: a conexão entre petróleo e Bolsas se desfez, com a renda variável encadeando sua segunda jornada consecutiva de alta, alheia à turbulência petroleira.

O consumo global de petróleo despencou nas últimas semanas, uma tendência comum em todos os países ocidentais e parte da Ásia. Mas as diferentes capacidades de armazenamento e o excesso de bombeamentos de alguns produtores do método fracking —cuja produção é cada vez menos rentável, mas de onde continua saindo petróleo— abriram uma fissura entre as duas referências petroleiras dos dois lados do Atlântico, o Brent e o Texas, sendo o segundo muito mais castigado que o primeiro. Nesta terça-feira, por exemplo, o petróleo de referência no Velho Continente conseguia se recuperar das perdas iniciais na primeira metade do pregão e ficava no azul, enquanto seu correspondente norte-americano aprofundava seus números vermelhos com o passo das horas.

Impulso para os importadores

O recente desabamento no preço do petróleo bruto e o desaparecimento quase total da demanda começam a se refletir nos balanços trimestrais do setor. O da britânica BP, apresentado nesta terça-feira, são o que de mais parecido há com um aperitivo do que está por vir: aproximadamente 24 bilhões de reais de prejuízo só no período de janeiro a março, quando o impacto do coronavírus era apenas parcial. Os números vermelhos, graúdos, contrastam com o lucro superior a 16 bilhões de reais (pelo câmbio atual) obtido no primeiro trimestre de 2019.

No lado contrário, o da demanda, os preços baixíssimos de uma fonte de energia essencial —o futuro é das renováveis, mas no curto prazo o petróleo mantém um grande peso específico na matriz global —serão uma boa notícia para as muitas empresas que necessitam de combustível para suas operações e que estão mergulhadas em um dos trimestres mais complicados da sua história. A queda no preço da gasolina “aumentará sua margem de lucro e, se o aumento de petróleo armazenado mantiver os preços baixos durante mais tempo, suas contas de resultados melhorarão à medida que a economia se recupere”, observa Paul Donovan, economista-chefe do UBS. Também são boas novas —embora relativas, sempre no marco do pior ano para o PIB em quase um século— para os países importadores, o que inclui boa parte da zona do euro, Índia e China, que verão sua fatura energética ser reduzida quando o maquinário econômico voltar a andar após as medidas de distanciamento social. “O dinheiro que se economizar em petróleo poderá ser gasto em plena recuperação econômica”, conclui Donovan.

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