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OPEP e Rússia fazem acordo para reduzir oferta de petróleo e segurar os preços

Riad e Moscou concordaram em diminuir a extração do produto em até 10 milhões de barris diários e incluir outros países, entre eles os EUA e o Brasil. México mantém posição ambígua

Ignacio Fariza
Vista da sede da OPEP, em Viena, nesta quinta-feira.
Vista da sede da OPEP, em Viena, nesta quinta-feira.L. FOEGER (REUTERS)
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A guerra de preços entre as potências petroleiras chegou ao fim. Os principais produtores de petróleo, exceto o México, concordaram em cortar a produção em maio e junho em 10 milhões de barris por dia, depois de uma maratona de negociações para combater o colapso dos preços.

Passados 34 dias da ruidosa ruptura entre a Arábia Saudita e a Rússia, respectivamente o segundo e terceiro maiores produtores mundiais, os dois países alcançaram nesta semana um acordo para aplicar uma severa tesourada na oferta, deixando de extrair até 10 milhões de barris diários do subsolo. A essa cifra se somaram também cortes procedentes de produtores externos, como os Estados Unidos e o Brasil, com o objetivo de conter a recente sangria dos preços.

O pacto demonstra que, ainda que pudessem resistir por mais algumas semanas, ninguém tem interesse em ver o Brent sendo vendido a 30 dólares ―e muito menos na vizinhança dos 20 dólares, preço que chegou a ser praticado no final de março. A decisão também permite prever uma maior estabilidade futura para países produtores que, em alguns casos, já estavam sendo obrigados a vender a preço inferior ao seu custo, devido a uma demanda mundial que caiu mais de 30% desde o começo da pandemia da Covid-19. Entretanto, o mercado, que respondeu inicialmente com fortes altas, foi se tingindo de vermelho à medida que se impunha a tese de que o movimento, ainda por afinar, será insuficiente para reequilibrar um setor profundamente afetado.

O acordo entre a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP, liderada na prática pela Arábia Saudita) levará à retirada gradual do mercado de pouco mais de um décimo da produção mundial de petróleo, uma cifra substancial em um momento no qual oferta e demanda estão mais descompensadas do que nunca. “O coronavírus é uma besta nunca antes vista, que arrasta tudo o que encontra no caminho”, disse o secretário-geral da OPEP, Mohammed Barkindo, no discurso com que abriu a teleconferência, ao qual a Bloomberg teve acesso. “Os fundamentos da oferta e demanda estão horríveis”, acrescentou.

Ao acordo selado nesta quinta-feira entre Arábia Saudita e Rússia deve se somar também EUA, Canadá, Brasil e Noruega, países externos à OPEP, mas com uma fatia de mercado crescente nos últimos tempos. A partilha final se divide, a grosso modo, em terços: Moscou e Riad cortarão juntos cinco milhões de barris diários, e tanto os demais sócios da chamada OPEP+, ou OPEP ampliada, como o grupo externo terão que se empenhar para cortar outros cinco milhões de barris.

A reunião dos ministros de Energia do G20 (as 20 maiores economias do mundo) nesta sexta-feira deverá ser crucial para fechar as últimas lacunas e rubricar todos os detalhes. Por enquanto, está acertado o corte de 10 milhões de barris/dia (mb/d) por um período inicial de dois meses, que termina em 30 de junho de 2020. “No período subsequente de 6 meses, de 1 de julho de 2020 a 31 de dezembro de 2020, o ajuste total acordado será de 8,0 mb/d. Será seguido por um ajuste de 6,0 mb/d por um período de 16 meses, de 1 de janeiro de 2021 a 30 de abril de 2022”, informou a OPEP em nota.

O mês transcorrido desde que o cartel petroleiro por excelência e a Rússia consumaram seu divórcio serviu para que muitos repensassem suas posições de partida, calibrassem impactos em pleno afundamento da demanda pelo coronavírus e, enfim, tirassem algumas conclusões contundentes. Primeiro que, embora superada em produção pelos EUA e com suas finanças públicas em frangalhos, a Arábia Saudita continua sendo o país com maior musculatura para aguentar entornos de preços tão baixos como os atuais. Segundo, que a Rússia tem mais capacidade do que muitos supunham de encarar a aposta saudita ―que neste período inundou o mercado mundial, fazendo os preços desabarem. Terceiro, que o fracking permitiu aos EUA assumir o cetro de maior potência petroleira global, mas o país sofre em ambientes de preços tão baixos como os atuais. E quarto, e mais importante, que a nenhum desses países é interessante ou factível manter um mercado deprimido por muito tempo.

Nos EUA também caiu um mantra histórico: que dizia que o petróleo barato (e, portanto, a gasolina) era positivo para a economia. O motivo: em menos de uma década o país deixou de ser o maior importador do mundo a ter sua soberania energética garantida e inclusive impor um veto às exportações. Sua hoje poderosíssima ―e endividadíssima― indústria petrolífera, sobretudo a que extrai o produto através do fraturamento hidráulico (fracking), está fazendo soar o alarme: se os preços continuarem tão baixos por muito tempo mais, as quebras empresariais e demissões serão inevitáveis.

O último a dizer isso claramente havia sido o próprio Donald Trump, o grande patrocinador externo do acordo entre sauditas e russos para reduzir a oferta e estabilizar os preços. “Hoje este país tem uma indústria energética tremendamente poderosa, a número um mundial, e não quero que esses postos de trabalho se percam”, disse o presidente norte-americano na quarta-feira. Agora resta ver em detalhe sua contribuição para que a equação feche. Tanto a OPEP como a Rússia foram muito claras a esse respeito: o acordo final será global, ou não será. Com as eleições presidenciais virando a esquina e com um dos feudos republicanos, o Texas, no olho do furacão petroleiro, a ninguém escapa que Trump é o primeiro interessado na estabilização dos preços.

A debandada do México

O México, um país igualmente necessário para o acordo geral de redução da produção, foi a nota discordante na reunião. A reunião transcorria normalmente até que chegou a vez da secretária de Energia, Rocío Nahle, que rejeitou a proposta de reduzir 400.000 barris por dia, cerca de 26% de sua produção. Nahle queria que a redução fosse feita com base no 1,9 milhão de barris por dia produzido em agosto de 2017, superior ao 1,7 milhão atual, para minimizar o impacto real na produção atual. Depois de quase cinco horas em que os outros países tentaram convencer o Governo de Andrés Manuel López Obrador a aceitar a redução, sua titular de Energia se levantou da cadeira e abandonou a reunião. O resto dos participantes continuou reunido durante ao menos uma hora debatendo o que fazer com a debandada do México. Vários países apoiaram deixá-lo fora do acordo final, mas a Arábia Saudita insistiu em continuar as negociações para que estivesse dentro.

Algum tempo depois de deixar a reunião, Nahle escreveu em sua conta no Twitter que o México “no consenso para estabilizar o preço do petróleo” propôs reduzir a produção em 100.000 barris diários nos próximos dois meses, do 1,78 milhão registrado em março para 1,68 milhão. Essa redução está muito abaixo da desejada pela OPEP, portanto sua receptividade é incerta entre os demais produtores. Gonzalo Monroy, analista do setor de energia, acredita que o México “continua sem colocar nada” sobre a mesa. “Os 100.000 barris são basicamente o que se espera que a produção caia este ano, segundo as estimativas dos analistas”, defende.

A dureza da posição negociadora do México, um produtor e exportador marginal no mercado de petróleo global ―1,7 milhão de barris por dia diante dos aproximadamente 80 milhões em todo o mundo― e a debandada da secretária surpreenderam e causaram irritação entre os participantes. Fluvio Ruiz, ex-membro do conselho de administração da Pemex, aponta diretamente para o impacto que isso pode ter na credibilidade: “O maior custo é que fragiliza a posição do México no concerto dos países exportadores”. O que aconteceu, diz, é um reflexo da aposta das autoridades mexicanas em aumentar a produção depois de anos de declínio. “É típico de uma concepção completamente extrativista. O único critério é a produção, não a adoção tecnológica ou a recuperação de custos.”

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