Heineken desiste de construir fábrica perto de sítio arqueológico em Minas Gerais
Multinacional de cervejas havia obtido a licença para construir uma fábrica a 800 metros da Lapa Vermelha, onde foi encontrado o fóssil de Luzia, conhecida como a mulher mais antiga das Américas. Descoberta revolucionou a teoria de povoamento do planeta
A multinacional Heineken desistiu de construir uma fábrica de cervejas na cidade mineira de Pedro Leopoldo, a 25 quilômetros da capital Belo Horizonte e a somente 800 metros da Lapa Vermelha, um dos principais sítios arqueológicos do mundo. É nessa região que em 1974 foi encontrado o fóssil de Luzia, conhecida como a mulher mais antigas das Américas. A decisão foi anunciada pela empresa nesta segunda-feira, 13 de dezembro. Foi tomada, explica um comunicado, “após poucos meses de diálogo sobre os diferentes entendimentos de órgãos envolvidos e da sociedade em geral, relacionados à proximidade do atual terreno com uma importante área de preservação ambiental e arqueológica da região”. A empresa afirma que anunciará em breve o novo local que receberá a fábrica.De acordo com Mauro Homem, diretor de Assuntos Corporativos da cervejaria, a construção de uma nova planta no local só faria sentido se contasse com o apoio de toda a sociedade, incluindo daqueles que contribuem para o desenvolvimento socioambiental da região. “Entendemos que nossa permanência no local ainda divide opiniões e que, para seguir adiante, teríamos que dedicar mais tempo para realização de novos estudos. Por tudo isso, tomamos a decisão de buscar outra área que atenderá a demanda dos próximos anos”, explicou. Ele ressaltou ainda que as decisões da empresa levam em conta o cuidado com as pessoas e o meio ambiente. “Seguimos todos os ritos para obter a licença ambiental e temos autorização judicial para construir a cervejaria, o que demonstra a legalidade de todo o processo e na forma como conduzimos nossa operação”, destacou.Uma fábrica da Heineken ameaça o lar de Luzia, a mulher mais antiga das AméricasEditarNo entanto, o projeto desde sempre foi controverso, conforme relatou o EL PAÍS em novembro. Feito em dezembro do ano passado, o anúncio da fábrica foi recebido com entusiasmo pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema, especialmente em um momento de crise econômica aguda por causa da pandemia. A ideia era investir 1,8 bilhão de reais num empreendimento que produziria 760 milhões de litros de cerveja por ano e geraria 350 empregos. Em abril deste ano, a empresa formalizou os pedidos junto à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) do Estado. A licença para erguer a planta foi concedida em agosto deste ano e as obras chegaram a começar. Mas foram paralisadas um mês depois, após recomendações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), que pediram a suspensão da licença. A Heineken recorreu, conseguiu liminar favorável, mas decidiu não retomar as obras após um pedido do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural (Iphan) —a empresa nem mesmo havia consultado o órgão, trâmite obrigatório para quem pretende fazer uso do solo no país. O processo de licenciamento teve ainda outra inconsistência: não apresentou estudos conclusivos de impactos hidrogeológicos à região. Mesmo assim, conseguiu a autorização da SEMAD para seguir a obra.A Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) chegou a divulgar uma nota criticando a condução da licença e a ausência de participação popular. “É incorreto que o processo de Licenciamento Ambiental ocorra sob tutela apenas da SEMAD de Minas Gerais, sem o envolvimento de órgão federais, como o Iphan. Além disso, é inadequado que, numa região de relevância arqueológica internacional e notória, se aplique o chamado Licenciamento Simplificado, isento de estudos de maior profundidade e de avaliação arqueológica”, destacou a nota. Já o professor Andrei Isnardis, do departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, explicou ao EL PAÍS que o potencial arqueológico da região é tão grande que é impossível dizer o quanto já se conhece, mesmo porque, segundo ele, falta investimento em pesquisas. “A Lapa Vermelha é um complexo de grutas. O esqueleto de Luzia foi encontrado em uma delas [Lapa Vermelha IV], mas nem todas as áreas foram escavadas. Sabemos que, sem dúvidas, há chances de que sejam feitas outras descobertas de primeiríssima relevância no local”, afirmou.Com cerca de 1,50 m de altura, olhos arredondados e nariz largo, Luzia fez fama internacional por ser a mulher mais antiga das Américas e revolucionar a teoria de povoamento do planeta. Ela foi descoberta em 1974, pela professora francesa Annete Laming-Emperaire (1917-1977), durante uma missão franco-brasileira de arqueologia. Mas sua história data de pelo menos 11.000 anos atrás. Há três anos, o crânio do seu fóssil resistiu a um incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro. A construção de uma fábrica na região onde foi encontrada mobilizou a comunidade arqueológica do Brasil e do exterior, que enviou uma carta à sede da Heineken, na Holanda. O documento ressaltou pelo menos três preocupações: o possível impacto ao patrimônio cultural, as consequências que a captação subterrânea da água pode provocar na região, e a necessidade de uma comunicação clara com a população que vive na área. “Somos profundamente gratos à comunidade de Pedro Leopoldo, que nos recebeu de braços abertos, e a todos os parceiros que se juntaram ao Grupo Heineken nesse grande projeto. Seguiremos juntos em Minas Gerais, vamos avaliar novas oportunidades dentro da área que ocupamos e, para essa comunidade que tanto nos acolheu, faremos uma doação em parceria com o Ministério Público para preservação do sítio arqueológico”, destacou Mauro Homem, o diretor de Assuntos Corporativos da empresa.um dos principais sítios arqueológicos do mundo. É nessa região que em 1974 foi encontrado o fóssil de Luzia, conhecida como a mulher mais antigas das Américas. A decisão foi anunciada pela empresa nesta segunda-feira, 13 de dezembro. Foi tomada, explica um comunicado, “após poucos meses de diálogo sobre os diferentes entendimentos de órgãos envolvidos e da sociedade em geral, relacionados à proximidade do atual terreno com uma importante área de preservação ambiental e arqueológica da região”. A empresa afirma que anunciará em breve o novo local que receberá a fábrica.
De acordo com Mauro Homem, diretor de Assuntos Corporativos da cervejaria, a construção de uma nova planta no local só faria sentido se contasse com o apoio de toda a sociedade, incluindo daqueles que contribuem para o desenvolvimento socioambiental da região. “Entendemos que nossa permanência no local ainda divide opiniões e que, para seguir adiante, teríamos que dedicar mais tempo para realização de novos estudos. Por tudo isso, tomamos a decisão de buscar outra área que atenderá a demanda dos próximos anos”, explicou. Ele ressaltou ainda que as decisões da empresa levam em conta o cuidado com as pessoas e o meio ambiente. “Seguimos todos os ritos para obter a licença ambiental e temos autorização judicial para construir a cervejaria, o que demonstra a legalidade de todo o processo e na forma como conduzimos nossa operação”, destacou.
No entanto, o projeto desde sempre foi controverso, conforme relatou o EL PAÍS em novembro. Feito em dezembro do ano passado, o anúncio da fábrica foi recebido com entusiasmo pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema, especialmente em um momento de crise econômica aguda por causa da pandemia. A ideia era investir 1,8 bilhão de reais num empreendimento que produziria 760 milhões de litros de cerveja por ano e geraria 350 empregos. Em abril deste ano, a empresa formalizou os pedidos junto à Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) do Estado. A licença para erguer a planta foi concedida em agosto deste ano e as obras chegaram a começar. Mas foram paralisadas um mês depois, após recomendações do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG), que pediram a suspensão da licença. A Heineken recorreu, conseguiu liminar favorável, mas decidiu não retomar as obras após um pedido do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural (Iphan) —a empresa nem mesmo havia consultado o órgão, trâmite obrigatório para quem pretende fazer uso do solo no país. O processo de licenciamento teve ainda outra inconsistência: não apresentou estudos conclusivos de impactos hidrogeológicos à região. Mesmo assim, conseguiu a autorização da SEMAD para seguir a obra.
A Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB) chegou a divulgar uma nota criticando a condução da licença e a ausência de participação popular. “É incorreto que o processo de Licenciamento Ambiental ocorra sob tutela apenas da SEMAD de Minas Gerais, sem o envolvimento de órgão federais, como o Iphan. Além disso, é inadequado que, numa região de relevância arqueológica internacional e notória, se aplique o chamado Licenciamento Simplificado, isento de estudos de maior profundidade e de avaliação arqueológica”, destacou a nota. Já o professor Andrei Isnardis, do departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG, explicou ao EL PAÍS que o potencial arqueológico da região é tão grande que é impossível dizer o quanto já se conhece, mesmo porque, segundo ele, falta investimento em pesquisas. “A Lapa Vermelha é um complexo de grutas. O esqueleto de Luzia foi encontrado em uma delas [Lapa Vermelha IV], mas nem todas as áreas foram escavadas. Sabemos que, sem dúvidas, há chances de que sejam feitas outras descobertas de primeiríssima relevância no local”, afirmou.
Com cerca de 1,50 m de altura, olhos arredondados e nariz largo, Luzia fez fama internacional por ser a mulher mais antiga das Américas e revolucionar a teoria de povoamento do planeta. Ela foi descoberta em 1974, pela professora francesa Annete Laming-Emperaire (1917-1977), durante uma missão franco-brasileira de arqueologia. Mas sua história data de pelo menos 11.000 anos atrás. Há três anos, o crânio do seu fóssil resistiu a um incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro. A construção de uma fábrica na região onde foi encontrada mobilizou a comunidade arqueológica do Brasil e do exterior, que enviou uma carta à sede da Heineken, na Holanda. O documento ressaltou pelo menos três preocupações: o possível impacto ao patrimônio cultural, as consequências que a captação subterrânea da água pode provocar na região, e a necessidade de uma comunicação clara com a população que vive na área. “Somos profundamente gratos à comunidade de Pedro Leopoldo, que nos recebeu de braços abertos, e a todos os parceiros que se juntaram ao Grupo Heineken nesse grande projeto. Seguiremos juntos em Minas Gerais, vamos avaliar novas oportunidades dentro da área que ocupamos e, para essa comunidade que tanto nos acolheu, faremos uma doação em parceria com o Ministério Público para preservação do sítio arqueológico”, destacou Mauro Homem, o diretor de Assuntos Corporativos da empresa.
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