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Bienal de Arte de São Paulo reivindica o poder do contato direto com obras de arte

Curadores da 34ª edição da exposição pretendem ocupar o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera, de setembro a dezembro, e afirmam que é possível desenhar uma visitação com segurança. ‘Faz escuro mas eu canto’, verso do poeta Thiago de Mello, nomeia bienal que completa 70 anos

'Hold Hold Fire', 2019, still de vídeo da artista Olivia Plender.
'Hold Hold Fire', 2019, still de vídeo da artista Olivia Plender.Cortesia da artista

Faz escuro mas eu canto. A 34ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, que pretende ocupar o Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera, com uma grande exposição coletiva de 4 de setembro até 5 de dezembro deste ano, não tem tema. O verso que lhe dá nome é um do poeta amazonense Thiago de Mello, que completa 95 anos em 2021, e que, para os curadores é um espelho do momento —de crise sanitária global, crise política e social— em que as pessoas se voltam para a arte na esperança do amanhã. “Esse título já tinha uma concretude e se comunicava sem que precisássemos explicá-lo para artistas do mundo todo. Agora é algo que faz parte até do modo como as pessoas se dão bom dia e perguntam umas às outras se está tudo bem. Reflete essa consciência constante de que estamos neste momento sombrio”, explica ao EL PAÍS Paulo Miyada, curador adjunto do evento de arte contemporânea.

A 34ª Bienal —que teria acontecido originalmente em 2020— será composta por 91 artistas (incluindo dois duos e um coletivo) de 39 países, que produziram obras exclusivamente para a exposição. Na lista de participantes, destaque para os nove artistas de povos originários de várias partes do mundo, entre eles o brasileiro Jaider Esbell, da etnia Makuxi, que têm a maior representatividade nos 70 anos de história da Bienal. Iniciada em fevereiro de 2020, com uma mostra individual da artista Ximena Garrido-Lecca, essa edição já nasceu com a proposta de desdobrar-se no espaço e no tempo, com uma série de mostras e performances ao longo dos meses, em 25 instituições culturais da cidade, que culminariam na grande exposição no pavilhão. Por isso, as mudanças no desenho do evento impostas pela pandemia de covid-19 foram “superficiais”, conforme explica Jacopo Crivelli Visconti, curador geral. “Queríamos enfatizar e tornar transparente o processo de construção da exposição e tornar tangível para o público o quanto o contexto em que uma obra de arte está inserida é fundamental para o entendimento daquela obra. Por isso não temos um tema. Partimos de uma metodologia do processo de construção da exposição como algo inseparável da exposição em si”, diz ele, que celebra o fato de cada instituição ter conseguido adaptar sua programação —principalmente de forma digital— para chegar a uma diversidade de públicos que caracteriza a Bienal de São Paulo.

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Os curadores admitem que cogitaram a possibilidade de fazer, pela primeira vez, uma edição totalmente digital da Bienal de Arte, mas experiências como a mostra Vento, que reuniu obras de 21 artistas entre novembro e dezembro de 2020, servindo como uma espécie de índice da grande exposição, mostraram, segundo eles, que é possível abrir o pavilhão para visitação pública. “Existe uma dimensão social, cultural, política e humana implicada na possibilidade de entrar em contato direto com obras de arte que é insubstituível. Sabemos que não estamos no depois da pandemia, muito menos no depois de uma crise social e política, mas quando é possível fazer [esse contato] com segurança e cuidado para todos os envolvidos, ele tem um papel fundamental”, comenta Miyada.

Os curadores destacam que, diferente de outras exposições, a Bienal tem, em sua essência, a dimensão de um evento cultural, algo que transcende o âmbito da arte contemporânea. Por isso, quiçá, o evento é um palco histórico de protestos políticos, principalmente nos dias inaugurais. Em 2016, por exemplo, membros do coletivo artístico Opavivará marcharam em protesto contra o então presidente Michel Temer, após o impeachment de Dilma Rousseff, sob o brado de “fora, Temer”. Dois anos depois, os gritos de “golpistas, fascistas, não passarão” voltaram a ecoar no pavilhão. Esse caráter de plataforma de manifestação social, cultural e política é celebrado por Visconti: “Você não vê intervenções espontâneas na maioria espaços de arte contemporânea porque talvez o que está acontecendo ali seja algo meramente interessante ou que interessa a um público relativamente pequeno. E esses acontecimentos surgem na Bienal porque ela ainda ocupa uma esfera de interesse, as pessoas olham, criticam, questionam e acreditam que aquilo é algo muito além de uma exposição.”

Miyada tem a expectativa de que o descolamento social experimentado devido à pandemia torne essa experiência ainda mais pulsante. “Espaços de arte como a Bienal vão além da ideia de fruição, são parte da vida cidadã, são lugares de encontro. O sentido político da Bienal de Arte não está exclusivamente nas obras e no que a instituição diz ou deixa de dizer, tem muito a ver com o uso coletivo que os discursos sociais fazem junto com as obras”, acrescenta.

Para estimular desde já a formação desses discursos, uma das novidades deste ano é um catálogo inteiramente digital, com imagens e alguns textos e reflexões dos artistas que instigam o público a explorar as linguagens e poéticas artísticas que podem (ou não) ser apresentadas a partir de setembro, sem tratar, no entanto, diretamente das obras que estarão na Bienal. É uma provocação à intuição da audiência. O título da publicação, tenteio, vem do texto A arte e ciência de empinar papagaio, mais uma vez do poeta Thiago de Mello, que faz um ensaio sobre a prática ancestral de empinar pipa. O tenteio consiste em puxar e soltar rapidamente a linha, fazendo a pipa oscilar e testar seu peso, subindo novamente. Em uma competição, quem executa o movimento com maestria é capaz de cortar a linha do adversário. É uma dança no ar, mas também um golpe de luta. Bem como a arte no aqui e agora.








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