O “Fora, Temer” Brasil afora
Os protestos contra Michel Temer têm se alimentado, de maneira geral, pela indignação de cidadãos preocupados com o futuro da democracia no país
O longa-metragem Aquarius, dirigido por Kleber Mendonça Filho, além de oferecer intensa satisfação estética, propõe uma leitura bastante instigante da realidade. A resistência de uma única moradora de um prédio antigo na praia de Boa Viagem, em Recife, às propostas de uma construtora que no local quer implantar um novo edifício, serve como metáfora para compreender a lógica da nossa elite, que se comporta como o jovem empresário do filme, de forma passivo-agressiva. Inicialmente, tenta alcançar seus objetivos com sedução – mas caso haja qualquer empecilho, não hesita em lançar mão dos meios mais sórdidos para aniquilar o outro. Primeiro, oferecem espelhos; depois, o porrete: eis toda a nossa história.
Em sua fala inaugural, logo após a declaração de afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff, o presidente não eleito Michel Temer arrancou a máscara de “discrição absoluta” que hipocritamente vinha exibindo ao longo do processo de impeachment e mostrou sua verdadeira faceta autoritária: em tom de ameaça, disse que não vai levar desaforo para casa, referindo-se às críticas ao seu governo. Na sequência, durante visita oficial à China, ostentou a soberba que lhe caracteriza ao menosprezar as manifestações de rua que contestavam a decisão do Senado, afirmando tratar-se de “um grupo de 40, 50, 100 pessoas”.
Os protestos contra Michel Temer, Brasil afora, que arrastam milhares de pessoas, vêm sendo duramente reprimidos, em particular em São Paulo, governado pelo tucano Geraldo Alckmin, cujo ex-secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, hoje ocupa o cargo de ministro da Justiça e da Cidadania. Alexandre de Moraes deixou como marca de sua passagem pela Secretaria o arbítrio e a truculência policial nas ações contra os movimentos sociais – características que seu substituto, Mágino Alves Barbosa Filho, parece empenhar-se com vigor em perpetuar.
No domingo, dia 4, mais de 100.000 pessoas realizaram um protesto pacífico em São Paulo para demonstrar a insatisfação pelo golpe contra a presidente Dilma Rousseff. Quando já se dispersavam, após quatro horas de caminhada sem a ocorrência de um único distúrbio, a Polícia Militar de Alckmin, de forma covarde e abusiva, atacou os manifestantes com cassetetes, bombas de gás lacrimogêneo e jatos d’água, em uma clara tentativa de intimidação. Além disso, deteve 26 jovens, oito deles menores de idade, sob a acusação de “associação criminosa”, mantendo-os incomunicáveis por cerca de 12 horas. Todos foram liberados pelo juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, por não haver qualquer justificativa para as prisões.
Ao contrário das manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, patrocinadas por entidades como o Movimento Brasil Livre (MBL), financiado pelo DEM, PSDB, SD e PMDB; Vem pra Rua, criado para apoiar a candidatura do senador tucano Aécio Neves à Presidência da República; e Revoltados On-Line, que possui ligações com o deputado fascista Jair Bolsonaro (PSC-RJ), os protestos contra Michel Temer têm se alimentado, de maneira geral, pela espontaneidade indignada de cidadãos preocupados com o futuro da democracia no país.
Embora seja inegável que os governos Luiz Inácio Lula da Silva e, em menor proporção, de Dilma Rousseff, foram os que asseguraram avanços substanciais no campo social, a maioria dos manifestantes não sai às ruas para defender o PT, partido que se deixou contaminar pela corrupção do poder, mas sim para resguardar o Estado de Direito. Não é à toa que o slogan que conduz os protestos é “Fora Temer”: o processo que legalizou o impedimento de Dilma não legitimou a posse de Temer, que continua a contar com ampla antipatia da população.
Por isso, as sessões de exibição do filme Aquarius têm se tornado espaço de catarse coletiva. Os expectadores reconhecem no esforço de luta da protagonista contra o poder econômico – que também é político – a luta de todos nós, de cada um de nós, contra o autoritarismo, a intolerância, a corrupção e o escárnio daqueles que, ignorando o desejo representado por 54 milhões de eleitores, cassaram o mandato de Dilma Rousseff.
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