O rock morreu? 18 discos recentes provam que não
A trilha sonora do turbulento 2020 não poderia deixar de incluir vozes furiosas e guitarras rasgadas
O mundo cambaleia. Há um inimigo pouco visível à espreita. As pessoas se refugiam em seus apartamentos. Soa o ferrolho. Quem pisa na rua é só para incendiar contêineres por causa de injustiças raciais. Que ano este tal de 2020... Embora o rock sempre esteja presente em períodos conturbados, a música onde a guitarra elétrica é o instrumento primitivo emerge agora com mais força. Desde que se impôs esta nova ordem mascarada, esplêndidos discos de rock foram lançados – alguns furiosos, outros sofisticados. Para demonstrar que essa história de “o rock morreu” é só mais uma fake news, aqui vão estes 18 exemplos, incluindo desde bandas recém-chegadas até veteranos.
- Idles, ‘Ultra Mono’
Quem são? Uma banda furiosa de Bristol (Reino Unido) à qual o The New York Times dedicou uma reportagem recente com este título: “Idles lançam uma revolução pós-punk, e todos estão convidados”.
‘Ultra Mono’ é tão bom assim? Um bate-estaca de guitarras cortantes e vozes iradas. Ou em outras palavras: jovens furiosos com o Brexit, o cinismo político, a sociedade patriarcal e a opressão aos migrantes. A revolução não será mais televisionada: ela toca na conta do Idles no Spotify.
Clique aqui para ouvir a música ‘Grounds’.
- Metallica, ‘S&M2’
Quem são? A banda que conseguiu que um gênero radical (o thrash metal) virasse mainstream. Os shows do Metallica são uma eclética reunião de metaleiros, mauricinhos, punks, adolescentes, avós…
‘S&M2’ é tão bom assim? Nesta era do imediatismo, recomendar um disco que dura duas horas e meia parece uma temeridade. Mas recomendamos, porque este trabalho com a Sinfônica de San Francisco é delicioso. A primeira parte foi lançada há 20 anos, seguindo a tradição dos grupos de hard rock fundindo-se com orquestras sinfônicas. Agora chega a segunda, cujo resultado não destoa. Pelo contrário: rock e música clássica se entrosam para dar nova vida a clássicos da banda, como Master of Puppets, Enter Sandman e One.
Clique aqui para ouvir a música ‘No Leaf Clover’.
- Richard Davies and the Dissidents, ‘Human Traffic’
Quem são? Uns caras com vasta quilometragem no circuito inglês do rock and roll. À frente, Richard Davies. Este é seu primeiro disco.
‘Human Traffic’ é tão bom assim? Agradará os aficionados que tiverem na sua discoteca álbuns de Bruce Springsteen, Tom Petty e Johnny Thunders. Rock clássico e histórias de perdedores. Já o ouvimos mil vezes, mas quando está bem executado e com paixão é sempre uma festa.
Clique aqui para ouvir a música ‘Human Traffic’.
- Blues Pills, ‘Holy Moly!’
Quem são? A banda de Elin Larsson, uma esplêndida cantora sueca de 31 anos que domina muitos registros: blues-rock, soul, psicodelia, hard rock…
‘Holy Moly!’ é tão bom assim? Para quem achava impossível atualizar o rock dos anos setenta, este é um bom exemplo, como é também Greta Van Fleet. Gente jovem partindo do Led Zeppelin para criar seu próprio estilo. Não só na música. Também nas letras. “Sou uma mulher orgulhosa / que perde tempo acreditando nas mentiras dos hipócritas”, canta com fúria Elin Larsson na empoderada Proud Woman.
Clique aqui para ouvir a música ‘Proud Woman’.
- Marilyn Manson, ‘We Are Chaos’
Quem é? Aquele personagem que nos anos 1990 nos impactou, nos 2000 achamos chato, e que agora...
‘We Are Chaos’ é tão bom assim? Seu melhor disco em uma década, sobretudo por canções como Paint You with My Love e Half-Way & One Step Forward, ponto de união com T. Rex e o David Bowie dos setenta. Quanto menos lúgubre fica Marilyn Manson, melhor; quantos menos “fucks” forçados ele uiva, mais legal. Esse músico fica mais interessante quando a canção está em primeiro plano, tampando o personagem. E há muito disso neste disco. Já diz ele em Keep My Head Together: “Não tente mudar alguém, acabará mudando a si mesmo”.
Clique aqui para ouvir a música ‘Paint You with My Love’.
- Brendan Benson, ‘Dear Life’
Quem é? Músico essencial do rock alternativo norte-americano. Seu disco Lapalco (2002) contém tantas canções boas que é preciso ouvi-lo com prudência. Benson tem também seu projeto roqueiro com Jack White, os Raconteurs.
‘Dear Life’ é tão bom assim? Os discos precisam ter uma coerência sonora? Alguém ouve álbuns inteiros hoje em dia? À primeira pergunta, não; quanto à segunda, tomara que sim, porque do contrário ninguém lerá isto. Este álbum é uma barafunda, uma dispersão onde cabe uma base percussiva de hip-hop, guitarras pesadas, explosões de pop indie… Tudo encaixa à maravilha, porque a variedade está a serviço de boas canções de três minutos. Baby’s Eyes é, desde já, uma das mais destacadas do ano.
Clique aqui para ouvir a música ‘Baby’s Eyes’.
- Fontaines D.C., ‘A Hero’s Death’
Quem são? Os escolhidos. A mídia moderna costuma desdenhar do rock, mas a cada certo tempo se lança a apoiar alguma banda guitarreira, desde que ande bem vestida. Os irlandeses do Fontaines D.C., além de terem um closet maneiríssimo, são bons. Este é seu segundo disco.
‘A Hero’s Death’ é tão bom assim? “A vida não está sempre vazia”, repetem obsessivamente os irlandeses na canção que dá título ao disco. Tão existencialistas como o Radiohead, com a arrogância dos Strokes, soando às penumbras do Joy Division e The Cure. Este disco é a trilha sonora dos jovens furiosos em tempos onde mostrar-se rebelde é quase um dever moral.
Clique aqui para ouvir a música ‘A Hero’s Death’.
- The Rolling Stones, ‘Goats Head Soup – Live Forest National Arena (Brussels)’
Quem são? Os Rolling Stones com sua formação mais roqueira: o quarteto habitual (Jagger-Richards-Watts-Wyman) com Mick Taylor na guitarra. Isto é anos setenta: rock and roll intimidador.
‘Live Forest National Arena (Brussels)’ é tão bom assim? Aqui fizemos uma pegadinha: efetivamente é um disco lançado recentemente, porém gravado em 1973. Este ao vivo é parte do pacote da reedição de luxo de Goats Head Soup, e é um show na íntegra daquela turnê. Aqui estão os Stones que a ala rockista do grupo ama: acelerados, sujos, imperfeitos (uma qualidade neles), sexuais… Até a cremosa Angie soa robusta com a guitarra elétrica de Mick Taylor. Estes Stones não voltarão mais: aproveitemos este disco, portanto.
Clique aqui para ouvir a música ‘Brown Sugar’ de ‘Live Forest National Arena (Bruxelas)’.
- J. P. Cregan, ‘Twenty’
Quem é? Um sujeito quase mais conhecido como comentarista de basquete (na ESPN) do que como músico. Nasceu em Washington, mas vive na Califórnia. No tempo livre que o basquete lhe deixa, escreve canções tão boas como as contidas neste Twenty.
‘Twenty’ é tão bom assim? O título tem sua história: trata-se de um álbum conceitual dedicado aos seus 20 anos de casamento, com seus furacões e seus édens. A música é absolutamente adorável, às vezes próxima a Marc Bolan, outras a Brian Wilson, e algumas a franco-atiradores do rock mais refinado, como Todd Rundgren. Uma delícia de disco.
Clique aqui para ouvir a música ‘History of a Man’.
- The Pretenders, ‘Hate for Sale’
Quem é? O grupo de Chrissie Hynde, como se estivesse em 1979.
‘Hate for Sale’ é tão bom assim? Os Pretenders são um dos poucos grupos com uma trajetória tão longa (40 anos) sem fiascos. Têm discos bons e regulares, nenhum ruim. Este está no primeiro grupo. A arrastada voz de Hynde está em forma, e o repertório é rock de garagem, briguento e barulhento. É como se a banda tivesse se reunido em um porão, tomado umas e começado a tocar.
Clique aqui para ouvir a música ‘Hate for Sale’
- A.A. Williams, ‘Forever Blue’
Quem é? Cantora, guitarrista e celista que de Londres construiu a trilha sonora destes tempos sombrios.
‘Forever Blue’ é tão bom assim? Muito, mas é preciso consumi-lo com cautela, porque pode nos mergulhar em um mundo de escuros vazios. Pode-se acrescentar a estreia de A.A. Williams na mesma lista de canções de Nick Cave. Sombria, apocalíptica, sinistra, intensa… apaixonante. A música adequada para o outono mais tenebroso de nossas vidas.
Clique aqui para ouvir a música ‘Melt’.
- The Overtures, ‘Onceinaworld’
Quem são? Uma banda fundada em 1989, focada em prestar tributo ao rock e pop britânico dos anos sessenta: The Beatles, Small Faces, Rolling Stones, The Kinks… Tocaram em festas com a presença de Paul McCartney e Elton John. Continuam fazendo versões, mas agora editaram um disco com material próprio.
‘Onceinaworld’ é tão bom assim? Fantástica coletânea de canções com clara influência dos Beatles e guitarras pop dos anos sessenta. Este álbum tem uma coisa singular: deixa você de bom humor assim que toca a primeira canção.
Clique aqui para ouvir a música ‘Till Your Luck Runs Out’.
- Porridge Radio, ‘Every Bad’
Quem são? Um grupo de Brighton (Reino Unido) liderado por Dana Margolin. Após umas gravações para sondar o terreno, lançam o soberbo Every Bad, o disco que todo jovem (e nem tanto) indignado necessita.
‘Every Bad’ é tão bom assim? A raiva que Margolin transmite recorda Kurt Cobain e PJ Harvey. “Você está me fazendo perder tempo, alguém tinha que lhe dizer isso, e me alegro de ter sido eu”, vocifera Margolin em Long. Rock taciturno contra a inação.
Clique aqui para ouvir a música ‘Long’.
- Deep Purple, ‘Whoosh!’
Quem são? Sem Ritchie Blackmore e sem John Lorde. Quando já não esperávamos nada destes reis do hard rock, eles vão e gravam este digníssimo Whoosh!.
‘Whoosh’ é tão bom assim? Ao menos não é irrelevante. E isso quer dizer muito para uma banda que já viveu seus anos dourados há muito tempo. Com a voz de Ian Gillan ainda resistindo no estúdio (outra coisa é no palco), o mítico grupo inglês abrange toda a sua extensa carreira (rock pesado, sinfonismo, psicodelia) e deixa alguma pérola estranha, mas sugestiva, quase pop pegajoso. Isso: surpreendente.
Clique aqui para ouvir a música ‘Throw My Bones’.
- Dent May, ‘Late Checkout’
Quem é? Nascido no Mississippi e radicado na Califórnia, Dent May é um músico de 35 anos obcecado em compor a canção perfeita. E está muito perto com este disco.
‘Late Checkout’ é tão bom assim? Absolutamente maravilhoso. May se aproxima dos momentos mais memoráveis de Brian Wilson. Compõe sofisticadas toadas que conseguem que o céu se abra e tudo seja colorido. O leitor pode imaginar como essa música é necessária nestes tempos bravos que vivemos.
Clique aqui para ouvir a música ‘I Could Use A Miracle’.
- The Lemon Twigs, ‘Songs for the General Public’
Quem são? Os irmãos D’Addario, Brian e Michael, de Nova York, nos recordando as boas canções que Ian Hunter, David Bowie, Elton John e Slade faziam nos anos setenta.
‘Songs for the General Public’ é tão bom assim? Uma coleção de canções pegajosas e de qualidade, difíceis de encontrar todas juntas em um disco. Qualquer uma delas (e são 12) tem potencial para tocar no rádio. A pena é não estarmos nos anos setenta, e as paradas radiofônicas hoje estão em outras batalhas.
Clique aqui para ouvir a música ‘The One’.
- Belako, ‘Plastic Drama’
Quem são? A banda de rock mais promissora a ter surgido na Espanha nos últimos tempos. São de Mungia (País Basco).
‘Plastic Drama’ é tão bom assim? Só pela canção The Craft este disco já merece estar na lista. Parece tirada dos anos noventa, quando o indie rock criava sucessos estalando os dedos: Breeders, Elastica, Pavement... O resto do álbum não desmerece: algumas vezes afiados, outras melódicos, sempre intensos.
Clique aqui para ouvir a música ‘The Craft’.
- Chuck Prophet, ‘The Land That Time Forgot’
Quem é? Um veterano do rock and roll, Chuck Prophet fez parte do Green on Red, ponta de lança (junto ao Dream Syndicate e outros) do chamado Novo Rock Americano. Desde a década de 1990 Prophet lança discos solo. Todos são recomendáveis.
‘The Land That Time Forgot’ é tão bom assim? Certamente Keith Richards e Bruce Springsteen vão curtir este disco. Talvez inclusive tivessem gostado de compor algum dos temas. Mas são de Chuck Prophet, um especialista no rock de traje elegante e arrebatado compositor de baladas, como a primorosa High as Johnny Thunders, em homenagem a esse genial looser que foi membro do New York Dolls.
Clique aqui para ouvir a música ‘High as Johnny Thunders’.