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Jovem Nerd, o projeto de dois ‘geeks’ que ganham a vida fazendo piada com o mundo pop

Alexandre Ottoni e Deive Pazos, pioneiros na internet e nos podcasts, tiraram a subcultura dos nerds do nicho em que vivia e hoje têm 2,5 milhões de seguidores nas redes, ávidos pelo seu conteúdo

Deive Pazos (esquerda) e Alexandre Ottoni (direita), os sócios do Jovem Nerd.
Deive Pazos (esquerda) e Alexandre Ottoni (direita), os sócios do Jovem Nerd.Divulgação

Quando eles começaram na internet brasileira, tudo era mato. Alexandre Ottoni e Deive Pazos, de 40 anos, se conheceram na faculdade de desenho industrial. O primeiro trabalhava com design gráfico em uma agência e o segundo era gerente de uma rede de motéis. Em 2002, uniram seus interesses em comum com um hobby: começaram a “brincar com blog", criando piadas com personagens de histórias em quadrinhos e sagas. “A gente fazia montagem em photoshop, com diálogos, tipo fotonovela, com nossos personagens favoritos. Tinha, por exemplo, o Big Brother Star Wars. A gente pegava as fotos da casa sem ninguém, recortava o Han Solo, o Darth Vader e colocava nas situações do reality. Fazíamos até paredão e, aos poucos, uma centena de usuários que acessavam o blog votavam”, relembra Ottoni. Assim surgiu o Jovem Nerd, um blog que se converteu em uma empresa com aproximadamente 2,5 milhões de seguidores nas redes sociais, principalmente no YouTube.

Quatro anos depois do lançamento do blog, os amigos criaram o Nerdcast, um dos primeiros podcasts brasileiros e que até hoje é líder de audiência, abordando desde história e ciência a quadrinhos, literatura, cinema, tecnologia, games e educação. No final de novembro, o Nerdcast atingiu a marca histórica de um bilhão de downloads, tornando-se o primeiro produto brasileiro a chegar a esse número e o terceiro do mundo, atrás apenas do You Should Know e o The Daily, do New York Times. “Era um hobby de horário de almoço, a gente não imaginava que o mercado ia crescer desse jeito. Pensávamos que jamais seria possível sustentar duas famílias com um site chamado Jovem Nerd. Não tinha mercado naquela época, era uma coisa de nicho”, conta Pazos.

“Antes era uma subcultura, você tinha que ir em uma loja especializada em quadrinhos para achar suas coisas, para encontrar os amigos que gostavam de jogar RPG, mas com a internet tudo ficou tão difundido que ela atingiu públicos que, de repente, nunca conheceriam esse universo de outra forma. E aí foi uma bola de neve que juntou interesse e disseminação cultural, algo que a publicidade não demorou a perceber como potencial mercadológico”, acrescenta Ottoni.

Os já não tão jovens nerds —ambos são pais de família— comentam que o crescimento dessa cultura pop deve muito ao desenvolvimento tecnológico do cinema a partir dos anos 2000, que permitiu a produção de filmes mais elaborados visualmente. “Em 1980 era impossível conceber filmes como Homem-Aranha ou X-Men. Foi impossível traduzir a essência dos quadrinhos até a computação gráfica tornar-se mais acessível, o que atraiu um público muito mais amplo do que aquele leitor de HQs e consumidor de desenhos animados e videogames. Por isso, hoje tem muito fã da Marvel e da DC Comics que nunca leu quadrinhos, só cresceu vendo os filmes”, diz Ottoni.

Na história do Jovem Nerd, o advento do podcast, que tirou a informação de dentro do computador —na época em que, para consumir qualquer produto digital, era preciso sentar-se em uma mesa com computador, teclado e mouse— e ganhou as ruas nos M3P players. O primeiro Nerdcast teve 250 ouvintes. Hoje são um milhão e meio. “O podcast deu uma personalidade ao projeto. O blog, antes, era só umas tirinhas, umas postagens impessoais e, a partir de um momento, ele passou a ter pessoas que falavam, tinham voz e personalidade. Isso acentuou muito o crescimento, porque as pessoas escutavam, se divertiam e passavam adiante”, conta Pazos.

Com o crescimento, veio a publicidade e, em 2008, a dupla pôde largar a vida dupla e dedicar-se integralmente ao projeto. Até hoje, o Nerdcast é o carro-chefe do negócio, mesmo com os dois vídeos semanais no canal do YouTube e a produção de outros três para terceiros. Sim, o Jovem Nerd virou uma produtora de conteúdo e, segundo os sócios, cresceu, ano a ano, desde que foi criada. Eles dizem que não é que o setor não tenha sofrido com a crise econômica dos últimos anos, mas quem gosta de cultura pop “tem uma tendência intensa de querer tudo ao extremo”.

Pazos lembra, por exemplo, do primeiro anunciante que tiveram no podcast, que ele descreve com uma empresa “tipo a Netflix antes da Netflix”. Ou seja, o negócio consistia em um serviço de aluguel de filmes que o cliente solicitava online e a mídia física era entregue em sua casa por um motoboy. “Fizemos um episódio falando de um filme do catálogo deles e o título saiu de disponível para uma lista de espera de três semanas”, diz. “O público nerd é muito apaixonado e tem muita urgência em suas decisões de consumo. Se sai um filme, uma camiseta, ele quer expressar o amor por aquilo na hora”. Ottoni acrescenta: "É um público que pensa: "Estou apertado esse mês, mas vai estrear Vingadores e eu tenho que ver já, não posso esperar”.

Mas nem só de super-heróis e séries fantásticas vive o nerd. Na conversa com o EL PAÍS, que ocorreu durante a Comic Con Experience, em São Paulo, Pazos confessou que as telenovelas têm algum espaço em seu coração geek. “Quando eu era pequeno, assistia muitas novelas, porque era o que tinha. Depois, só assisti Avenida Brasil e agora estou acompanhando Amor de Mãe, que estou achando incrível”, diz, para surpresa do amigo Ottoni, que ri.

E quem são os fãs mais cricris e mais fieis? Citam primeiro os de Star Trek, série que teve três temporadas nos anos 1960, seguidas por alguns filmes e vários anos sem lançamentos, até a retomada da série prevista para 2020 (mas com qualidade já questionada pelos fãs). “A galera segue na esperança. Não é um volume de gente tão grande quanto os de Star Wars ou agora dos heróis da Marvel ou da DC, mas estão aí”, comenta Pazos.

“Mas tem também a galera de Harry Potter. Fã de Star Trek é gente mais velha, mas tem essa geração inteira que cresceu com o bruxo. E eles sabem tudo”, lembra Ottoni. E os entusiastas de Game of Thrones, que lotaram a internet de análises, memes e (principalmente) críticas sobre a temporada final da saga este ano? Ambos gargalham muito enquanto respondem: “Ah, essa galera de GoT ainda tem que comer muito feijão com arroz para chegar perto deles”.

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