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O ativismo dos ‘amigues’ da linguagem inclusiva

Do ativismo à universidade, passando pela política, crescem as vozes que, apesar da oposição da Real Academia Espanhola, apostam no uso do sufixo ‘-e’ como forma de visibilizar as políticas de gênero no idioma castelhano

Jovem passa em frente a um grafite alusivo ao XXXIV Encontro Nacional de Mulheres da Argentina, ocorrido em outubro.
Jovem passa em frente a um grafite alusivo ao XXXIV Encontro Nacional de Mulheres da Argentina, ocorrido em outubro.DEMIAN ALDAY ESTÉVEZ (Efe)

O sufixo -e, símbolo do gênero neutro para boa parte das novas gerações de falantes do idioma espanhol, vai se tornando um novo cavalo de batalha para as academias da língua. Alumnes, todes, chiques – formas neutras para “alunos”, “todos” e “meninos”, respectivamente – são algumas das palavras que os jovens argentinos e chilenos, ponta de lança dessa proposta linguística, usam em seus relacionamentos, buscando mais igualdade. Enquanto isso, na Espanha, o debate continua muito centrado em esclarecer se é mesmo necessário utilizar o masculino e o feminino (“todos e todas”, por exemplo) quando o falante quer ser mais inclusivo, ou se o masculino pode ser mantido como neutro em nome da economia da linguagem. As instituições refletem. A sociedade age e traça outro caminho no uso da língua.

O morfema -e ganhou visibilidade durante as grandes manifestações de 2018 a favor da legalização do aborto na Argentina. Começou nas escolas secundárias, o principal motor da proposta, que acabou sendo rejeitada no Senado, e se estendeu, impulsionado pelos movimentos feministas e a favor da diversidade sexual, com uma força maior do que tiveram anteriormente o asterisco, o final em x ou a arroba. Os jovens e integrantes da comunidade LGBTIQ+ são os principais porta-estandartes de uma mudança que ganha terreno nas ruas e nas salas de aula de Buenos Aires.

“Eu não uso, mas aceito que meus alunos e alunas usem. Muitos usam o -e quando falam, principalmente entre eles, mas não tanto quando escrevem”, conta Sandra Díaz, professora do último ano do primário em uma escola pública da capital argentina. No último dia do ano letivo, Díaz posou com seus alunos, todos vestidos com camisetas com a palavra Egresades (“formades”). Nas escolas particulares, isso costuma ser menos habitual.

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A maioria de colégios não tem uma normativa a respeito e deixa qualquer decisão a critério dos professores. Já as universidades se posicionam. Até agora, seis delas aceitam como válidas “as expressões da linguagem inclusivas e não sexistas nas produções escritas e orais”. O Conselho da Magistratura argentina autorizou os juízes a escrever despachos com esse morfema e redigirá um manual para o uso de linguagem não sexista.

A Real Academia Espanhola (RAE, instituição encarregada de zelar pelo idioma no mundo todo) debate atualmente – ainda sem prazo para uma decisão – a solicitação feita em 2018 pelo Governo da Espanha para adaptar a Constituição a uma linguagem mais inclusiva, com a introdução de termos como “trabalhadores e trabalhadoras”. O texto em discussão se baseia na chamada Doutrina Bosque, um documento de 2012, do acadêmico Ignacio Bosque. Já então, a instituição, depois de analisar nove guias de linguagem não sexista, decidiu que essas recomendações transgrediam “não só as normas da RAE, mas também de várias gramáticas normativas”.

O morfema -e como genérico, por enquanto, não chegou às sessões plenárias desta instituição onde as mulheres ocupam apenas 8 dos 46 assentos. “Para analisar as decisões e propostas sobre este morfema no plural genérico, é preciso saber primeiro o que se pretende com isso. Se se tratar de denunciar as desigualdades e o machismo, a campanha de comunicação me parece magnífica. Se se tratar de modificar o idioma de uma forma unilateral, de cima para baixo, a partir do poder ou das elites sociais, duvido que quase 600 milhões de pessoas sigam essas diretrizes de um dia para o outro. Seria um processo muito lento, que levaria séculos”, opina o jornalista Alex Grijelmo, autor do livro Propuesta de Acuerdo Sobre el Lenguaje Inclusivo (Taurus).

Além da RAE, o Congresso é a outra instituição onde a linguagem inclusiva gerou polêmica. Os deputados do partido esquerdista Unidas Podemos estiveram entre os primeiros a optarem pelo feminino plural ou pela fórmula dupla em seus pronunciamentos parlamentares. Segundo o protocolo de comunicação dessa agremiação, devem ser usados termos que apelam à coletividade (como alumnado e ciudadanía) que, nas palavras da deputada Sofía Castañón, são “impecáveis e respeitam a economia da linguagem”.

Castañón e o senador Eduardo Fernández Rubiño (ex-Podemos, hoje no partido Mais País) estão entre os poucos políticos espanhóis que já usam o morfema –e. Na apresentação da candidatura de Íñigo Errejón ao Governo, Fernández Rubiño se dirigiu a “todas, todos e todes”. “Fiz isso por respeito a muitos de meus companheiros que se identificam com o gênero neutro e pertencem, como eu, ao coletivo LGTBI”, explica. “De repente não vamos usar o -e sistematicamente, melhor seria usarmos bem a língua, e não fazer algo vago e tradicional, ou seja, patriarcal”, acrescenta Castañón. “Quando o machismo desaparecer e desfrutarmos da igualdade total entre homens e mulheres, a língua deixará de ser importante nestas questões”, arremata Grijelmo.

“A linguagem inclusiva não é uma linguagem, e sim o espelho de uma posição sociopolítica”, responde a presidenta da Academia Argentina de Letras, Alicia Zorrilla. “Carece de fundamento linguístico, está fora do sistema gramatical”, observa. “A história das línguas ensina (a quem a conheça um pouco) que as mudanças na fala e na escrita não se impõem a partir das academias nem da direção de um movimento social, não importa quão justas sejam suas reivindicações”, observou a escritora Beatriz Sarlo em um artigo publicado no EL PAÍS em outubro de 2018. “A militância pode favorecer essas mudanças, mas não pode impô-las”, concluía.

Precedentes na Suécia e nos EUA

“Que amigos você vai convidar para a sua festa de aniversário?”, pergunta uma avó argentina a seu neto, algumas semanas antes de o menino completar 9 anos. Ele enumera sete garotos, e a avó, estranhando, lhe pergunta se nenhuma menina seria incluída. “Sim. Claro. É que você disse amigos, e não 'amigues'”, responde o neto. Esta cena real se repete com frequência cada vez maior entre a classe média progressista de Buenos Aires e outras cidades argentinas, enquanto os setores mais conservadores rechaçam abertamente mudanças linguísticas desse tipo.

Antes que os jovens argentinos começassem a usar o -e como neutro, a Academia sueca foi a primeira a adotar esse gênero no dicionário oficial da língua, em 2015. Hen é o termo sueco com o qual se identificam as pessoas não binárias (o equivalente em espanhol seria elles).

Em inglês, o pronome they (“eles/elas”), usado no singular como epiceno (palavra de gênero único), começou a ganhar força entre os falantes que não se identificam com um gênero ao se definirem publicamente. O dicionário norte-americano Merriam Webster acaba de elegê-la “a palavra do ano”.

Em 2019, as buscas por este termo cresceram mais de 300% respeito em relação a anos anteriores, segundo dados do dicionário, que incluiu essa acepção em setembro. “Seu uso se estendeu em publicações, em redes sociais e também entre os falantes do inglês no seu dia a dia”, explica a instituição. “Não há dúvida de que ela se estabeleceu na língua inglesa.”



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