Brasil eleva metas ambientais na COP26, mas não convence
Ministro do Meio Ambiente anunciou, sem apresentar base para o cálculo, que o corte das emissões passará de 43% a 50% até 2030. Organizações acusam Governo Bolsonaro de manobra contábil
O Brasil estreou na Conferência das Nações Unidas para Mudança Climática (COP26), realizada em Glasgow (Escócia), anunciando uma meta mais ambiciosa de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa. O compromisso do país com o meio ambiente fica difícil de vender, contudo, quando seu presidente é um dos poucos chefes de Estado e de Governo que não compareceu à cúpula do clima —Xi Jinping e Vladimir Putin também não foram à Escócia, mas o primeiro participa por vídeo, enquanto os russos participaram ativamente da organização. Não bastasse a ausência de Jair Bolsonaro, a promessa do Brasil não convenceu entidades ambientais.
De acordo com a fala do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, o Brasil reduzirá 50% das emissões até 2030, acima dos 43% prometidos antes. Além disso, o país pretende neutralizar a emissão de poluentes até 2050. O problema é que o Governo brasileiro omitiu a base para o cálculo do corte. A gestão bolsonarista já vinha sendo acusada de fazer uma manobra contábil —ou pedalada climática— para driblar seus compromissos no Acordo de Paris. De acordo com organizações como Greenpeace e Observatório do Clima, o anúncio desta segunda não soluciona a questão.
O Brasil chega a COP26 pressionado em várias frentes. A principal delas diz respeito ao desmatamento da Amazônia, que cresceu sob Bolsonaro, assim como o incentivo público do Governo a atividades ilegais no bioma, como grilagem de terra e garimpo em terras indígenas. Na última terça-feira, o mandatário visitou uma região de mineração ilegal dentro da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, e prometeu legalizar a atividade.
Com relação ao cálculo das emissões de gases poluentes, o Brasil vem sendo duramente criticado por mudar sua base de cálculo e dar uma pedalada climática. O Acordo de Paris previa que o Brasil reduziria 37% de suas emissões até 2025 e 43% até 2030, com base em um total de 2,1 bilhões de toneladas de gás carbônico emitidos pelo país em 2005. Assim, o país deveria chegar a 2030 emitindo, no máximo, 1,2 bilhão de toneladas.
O problema é que, em dezembro de 2020, o Brasil reavaliou suas emissões de 2005 e elevou o montante para 2,8 bilhões de toneladas de gás carbônico expelidos naquele ano. Com essa nova base, o país deveria chegar a 2030 emitindo 1,6 bilhão de toneladas —isto é, 400 milhões de toneladas a mais do que o acordado inicialmente. As emissões de 2005 foram reavaliadas mais uma vez e, no quarto inventário brasileiro, chegou-se ao montante de 2,4 bilhões de toneladas emitidos naquele ano.
Assim, com o anúncio desta segunda de elevar para 50% os cortes até 2030, o limite de emissão passaria novamente para 1,2 bilhão de toneladas. Portanto, apesar de elevar a meta de cortes, o Brasil não se revelou mais ambicioso. Caso seja mantida a última base de cálculo, o país chegará a 2030 emitindo exatamente o que acordou em Paris. Nas palavras do Observatório Brasileiro do Clima, “o governo Bolsonaro empatará com a meta proposta seis anos atrás por Dilma” no Acordo de Paris.
No anúncio do ministro, não ficou claro se o Brasil voltou para a base de cálculo antiga ou se manteve a reavaliação de dezembro de 2020. “É importante que isso [a explicação] seja feito para que não haja nova pedalada climática, como houve em dezembro de 2020, na última reformulação das NDCs [contribuições nacionalmente determinada] brasileiras. A mudança da base de cálculo pode fazer com que se permita mais emissões que nas metas passadas”, afirmou em nota Fabiana Alves, coordenadora de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil.
O Observatório do Clima foi ainda mais duro: “Se quisesse apresentar um compromisso compatível com o Acordo de Paris, a meta deveria ser de pelo menos 80% de corte”, afirmou. “Enquanto os líderes mundiais aproveitam a COP26 para aumentar a ambição de suas metas e tentar manter vivo o objetivo de 1,5ºC, Jair Bolsonaro no máximo regride a 2015 e mostra que se importa com o futuro do planeta tanto quanto com as vítimas da covid-19″.
Sobre a promessa de fazer com que o Brasil neutralize as emissões de carbono até 2015, o Greenpeace afirmou que “é necessário que a meta não seja baseada em compensações, mas sim em diminuição das emissões com mudanças sistêmicas, como o investimento em energia renovável e agroecologia, desmatamento zero, e adaptação à crise do clima”. Já a Human Rights Watch afirmou que “os compromissos e políticas climáticas do Brasil estão muito aquém do que é necessário para enfrentar a crise ambiental e de direitos humanos na floresta amazônica”.
Empregos Verdes
Em viagem pela Itália, Bolsonaro se limitou a gravar um vídeo dizendo que o Brasil “sempre foi parte da solução, não do problema”. Também ressaltou que seu Programa Nacional de Crescimento Verde tem como meta geração de “empregos verdes”. A Uneafro, entidade que forma parte da Coalizão Negra por Direitos, presente na COP26, questionou que tipo de crescimento verde ao qual o Governo se refere. “Precisamos pensar em um novo ciclo econômico que não repita os mesmos processos históricos de carbonização do planeta que impactou, majoritariamente, as populações periféricas, negra e os povos originários. O que é atingir essas metas, considerando um país de violências históricas, como o racismo ambiental?”, questionou o grupo. “Essa crise é humanitária e as respostas têm que vir nessa mesma direção. Mas isso não existe no governo Bolsonaro. O desenvolvimento proposto por Bolsonaro e seus grupos apoiadores ameaça comunidades tradicionais”, complementou.
Ainda com relação à Amazônia, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que o país chegaria a Glasgow adiantando em dois ou três anos a meta de acabar com o desmatamento ilegal. O objetivo anterior, anunciado na Cúpula do Clima de abril deste ano, era de acabar com as ilegalidades até 2030. Com a ida de Bolsonaro a uma área de garimpo ilegal na semana passada, o Governo passa a mensagem de que suas promessas são apenas da boca para fora e não devem ser levadas a sério.
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