Discurso de Bolsonaro na ONU revela o que ele não admite. Ele já desistiu há muito tempo
Fala previsível para sua base, e descolada da realidade mundial, mostra que o presidente já jogou a tolha e só espera seu Governo acabar animando a sua torcida para não morrer sozinho
O presidente Jair Bolsonaro falou o previsível para a sua base radical durante a 76ª Assembleia Geral da ONU, reiterando informações falsas sobre a pandemia de coronavírus, a negação da ciência e outros bla-bla-blás que o caracterizam desde sempre. Ao ir à tribuna após o Secretário-Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, e o presidente da Assembleia-Geral, Abdulla Sahahid, ficou claro que Bolsonaro é parte do problema para o qual o mundo busca soluções. Enquanto Guterres pediu que os líderes do planeta saiam do caminho da destruição e deixem de alimentar a doença da desconfiança, lá estava o presidente brasileiro reforçando suas falas sectárias, sugerindo uma “família tradicional”, fazendo auto-elogios para suas políticas ambientais que devastaram a Amazônia e deram passe livre a grileiros e desmatadores.
Nos dois primeiros anos de Bolsonaro no poder a média de desmatamento da Amazônia foi de 10.490 quilômetros quadrados, uma alta de 56% em relação aos cinco anos anteriores. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE). Sob Bolsonaro, “as multas do Ibama caíram para o nível mais baixo em duas décadas, as operações de campo minguaram e o Fundo Amazônia, com quase 3 bilhões de reais para a proteção florestal em caixa, está paralisado desde 2019”, lembrou o Instituto.
Num mundo que busca esperanças, o presidente brasileiro é o anticlímax. Falar contra o passaporte da vacina que o mundo abraçou, e criticar quem ataca o tratamento precoce é de uma pobreza inconteste. O mero fato de dizer que não está vacinado num encontro de líderes mundiais é se refestelar no papel caricato diante de um mundo novo que quer nascer pós-pandemia, e mais do que isso, precisa florescer para sobreviver. “Estamos à beira de um precipício”, lembrou Abdulla Sahahid. Bolsonaro, no entanto, se comporta como a turma que pretende empurrar o Brasil e o mundo para acelerar essa queda.
Aproveitar a tribuna para as loas a suas políticas que levantaram 6 bilhões de dólares para ferrovias, quando o país cai a cada dia como destino de investimentos, só revela que Bolsonaro não tem o que dizer para um mundo que busca inspiração. Repete releases ditados pelos ministros que já se tornaram alvo de chacota e que não se constrangem em inventar factoides para sobreviver. Foi assim com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que gerou celeuma ao propor que adolescentes não se vacinem mais sem investigar as reais causas da morte de uma jovem em São Bernardo do Campo. O fato de ter sido ignorado por grande parte do Brasil mostra que os brasileiros estão vacinados contra essa estratégia venenosa bolsonarista de fomentar factoides para fugir da realidade. Queiroga, que levantou o dedo médio para manifestantes em Nova York, caiu ao nível rasteiro de um Governo que vive de verdades relativas sem o menor pudor.
O projeto de Bolsonaro já foi derrotado e ele sabe disso, embora não admita. Seu discurso na ONU mostra que ele já jogou a toalha, pois não há lugar para um presidente que jura amor à Constituição enquanto ataca a democracia, a ciência, a Amazônia, a imprensa, e zomba das conquistas coletivas de um mundo que precisa desesperadamente se reerguer depois de padecer com a pandemia. Já não se trata de ideologia. O planeta busca líderes que nos deixem respirar, e Bolsonaro é o oposto. Sufoca a verdade, a justiça, a natureza. Por isso, ele só espera o fim do seu Governo. Até lá, não vai perder nenhuma oportunidade de seguir animando a claque, nem mesmo na ONU. É o jeito de não morrer sozinho politicamente num mundo que expurga pessoas como ele de postos de comando.
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