Do motoboy ao senador, CPI da Pandemia chega à reta final com novos personagens e focos de investigação
Senadores ouvem motoboy de empresa que presta serviços para o Ministério da Saúde na terça. Governo se vê pressionado por denúncias sobre a compra de vacinas, enquanto comissão mantém como meta finalizar relatório em setembro
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Pandemia, celebrou em rede social que o Ministério da Saúde tenha rescindido unilateralmente o contrato com a Precisa Medicamentos, empresa responsável por intermediar a compra da vacina indiana Covaxin. “A CPI impediu um golpe de mais de 1 bilhão de reais do povo brasileiro! Ahh se não fosse a CPI, hein?”, escreveu o senador no Twitter. Recebeu, em resposta, uma provocação do deputado Luis Miranda (DEM-DF). “Graças só a CPI? Já esqueceram dos irmãos Miranda?”, respondeu o deputado, que, juntamente a seu irmão, o servidor público Luis Ricardo Miranda, denunciaram “pressões incomuns” dentro da pasta da Saúde para acelerar a compra do imunizante indiano contra a covid-19.
A disputa pública pela narrativa dos heróis da CPI —se é que eles existem― ocorre num momento em que a comissão caminha para seus capítulos finais. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmou nesta semana que o relatório estará pronto até o final de setembro, apesar de o prazo para conclusão ser 5 de novembro. A estratégia dos senadores de investir nas denúncias de corrupção na compra de vacinas parece ter funcionado para pressionar o Governo Bolsonaro, que neste momento, negocia outra fatia do poder para o Centrão e tenta mobilizar as ruas no 7 de Setembro para mostrar força. Inicialmente, a CPI apostara em remoer erros, irresponsabilidades e omissões do Executivo no combate à pandemia.
Até a sexta-feira, 27 de agosto, a CPI da Pandemia promoveu 52 reuniões, ouviu mais de 40 depoimentos e listou 18 pessoas investigadas. Mas, para seguir o fio da corrupção, novos personagens ainda entrarão em cena na próxima semana. Um deles é o motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva, suspeito de ser um intermediário da VTCLog —empresa contratada pelo Ministério da Saúde para cuidar da armazenagem e distribuição de medicamentos e vacinas―, que irá depor na terça-feira, 31. Silva é apontado pelo senador Randolfe Rodrigues como “aparente intermediário em esquemas duvidosos da empresa VTCLog”. O motoboy, que ganha em torno de 2.000 reais por mês, seria responsável por cerca de 5% da movimentação atípica feita pela empresa, acusada de ter negociado com o ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, um valor de serviço 18 vezes superior ao recomendado pelos técnicos do Ministério da Saúde.
A VTCLog movimentou cerca de 117 milhões de reais nos últimos dois anos, conforme relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), sendo que o motoboy foi responsável pelo saque de 4,7 milhões de reais, a maioria na boca do caixa, neste período. Ainda não se sabe, contudo, se Silva terá para a CPI da Pandemia a mesmo importância que o caseiro Francenildo dos Santos Costa teve na CPI dos Bingos ―primeiro grande escândalo do Governo Lula, que derrubou o então ministro da Fazenda Antonio Palocci―, ou mesmo do motorista Eriberto França, que fazia o trabalho de courier para PC Farias para o pagamento de contas do ex-presidente Fernando Collor. Mas, por precaução, o comando da CPI decidiu pedir proteção a Ivanildo Gonçalves da Silva à Polícia Federal.
Lugar à mesa
O Governo segue com as mãos amarradas na CPI da Pandemia. No final de julho, o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) conseguiu uma vaga na comissão como suplente de Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que assumiu a vaga de titular na comissão no lugar de Ciro Nogueira (PP-PI), após este ser convidado para comandar a Casa Civil. O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro pediu acesso aos documentos sigilosos recebidos pela comissão, inclusive aqueles que envolvem o nome do mandatário, mas vem enfrentando resistência.
Reportagem da revista Istoé desta semana aponta indícios de que Flávio Bolsonaro participou de uma negociação paralela para a compra de uma vacina norte-americana, a Vaxxinity, ainda em fase de testes. A revista teve acesso a uma troca de e-mails entre Stelvio Bruni Rosi, advogado e dono de uma pousada em Itacaré (BA), e o senador. Na mensagem, de 9 de junho, o empresário tenta confirmar uma reunião entre o parlamentar e o laboratório responsável pela produção da vacina. Rosi afirma se tratar de uma “oportunidade para o Governo obter preferência para solicitar a reserva de lote de vacinas”.
O modus operandi é o mesmo identificado em outras denúncias: um intermediário suspeito tenta negociar com um membro do Governo, que não é responsável pela compra direta das vacinas contra a covid-19, e o processo, de alguma forma, tem andamento no Ministério da Saúde. Neste caso, segundo a publicação, “em caráter reservado”.
Antes de embarcar em uma nova teoria, no entanto, a CPI terá que encontrar respostas para os esquemas investigados atualmente, como o que envolve a empresa Precisa Medicamentos. Na última quinta-feira, 26 de agosto, os senadores apresentaram sua tese de como funcionava o modelo de propinas no Ministério da Saúde, durante depoimento do empresário José Ricardo Santana, ex-secretário-executivo da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos, que participou do jantar entre o policial Luiz Paulo Dominghetti e Roberto Dias, no qual o então diretor de logística da Saúde teria pedido um dólar de propina para cada dose de vacina. Protegido por um habeas corpus, Santana se negou a responder a maior parte das perguntas e terminou seu depoimento na condição de mais novo investigado.
A partir de documentos recebidos pela CPI, os senadores detalharam ainda o esquema que desclassificou as empresas Abbott e Bahiafarma, vencedoras de processos licitatórios para a venda de testes de covid-19, em benefício da Precisa. Segundo o senador Randolfe, dois grupos agiram juntos, um do qual faz parte o empresário José Ricardo Santana, e o da Precisa, representada pelo advogado Marconny Faria, pelo proprietário da empresa Francisco Maximiano, o diretor Danilo Trento e outros nomes da empresa. Já Roberto Dias aparece como o grande responsável por viabilizar esquemas fraudulentos dentro do ministério.
Com informações da Agência Senado.
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