Alessandro Vieira: “Senadores têm receio de reação armada com a convocação de Braga Netto”

Nome do parlamentar, que faz oposição na CPI da Pandemia, é apontado como uma possível terceira via em 2022 entre órfãos da Lava Jato. Ex-eleitor do presidente, senador diz que “Bolsonaro subverteu a institucionalidade”

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) em seu gabinete, em Brasília.CADU GOMES
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O senador Alessandro Vieira (Passo Fundo, 1975) é um dos expoentes da oposição na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia. Delegado da Polícia Civil, o parlamentar ocupa o primeiro mandato pelo Cidadania de Sergipe e tem usado seu espaço na CPI para cobrar coerência aos nomes que passam por lá. Na entrevista concedida ao EL PAÍS, em seu gabinete em Brasília, na terça-feira (10), Vieira ressaltou que parte de seus colegas temem convocar o ministro da Defesa, o general Walter Braga Netto, por conta de uma eventual reação armada dos militares. O ministro era o responsável pela Casa Civil no princípio da pandemia de covid-19 e coordenou todos os trabalhos entre os ministérios na tentativa de frear o avanço da doença pelo Brasil. “O pessoal tem medo de farda”, disse o senador.

Pergunta. Diante do comboio militar na data de uma votação importante na Câmara. Que papel os militares estão desempenhando?

Resposta. Mesmo com todos os alertas, alguém achou uma boa ideia, alguém autorizou esse desfile. Mesmo alertado pela imprensa, pela sociedade, pelo Congresso, mantiveram. Isso demonstra a fragilidade de todas as instituições. É uma sensação de que se pode tudo, está tudo liberado.

P. Estamos falando de uma parte das Forças Armadas ou da instituição?

R. Na minha visão continua sendo uma situação de pessoas. São pessoas, não as instituições. Na CPI, a gente vem comprovando o envolvimento de alguns militares, coronéis da reserva. Eu não consigo colocar pra votar um requerimento de convocação do ministro da Defesa, [Walter] Braga Netto. É muito claro que a gente precisa ouvir o Braga Netto, se a gente for um país sério.

P. Por que não conseguem convocar o Braga Netto?

R. Na CPI tem parlamentares corretos, mas que têm medo de uma reação armada. Quando você chega neste patamar, talvez você já não tenha democracia. Plena, pelo menos, não. Alguns senadores têm receio de motivar uma reação armada com a convocação do Braga Netto. Ele ocupa um cargo civil, é um aposentado, é um cidadão que estava na cadeia de comando, na Casa Civil. Ele é responsável pelo fracasso. Se a estratégia fracassou e você era o comandante da estratégia, você é responsável, tem que prestar explicações.

P. Uma fala do Braga Netto poderia expor esses vínculos militares?

R. Ela ajudaria também a esclarecer essa rede de influências. É uma rede de pessoas que se relacionam de forma absolutamente anti-institucional. São relações de amigos, de irmãos de armas, de colegas de clubes tiro, de membros da mesma igreja. Eu não tenho essa vivência porque eu não estava aqui, mas imagine que talvez no Governo Lula fossem sindicalistas que tivessem essa mesma permeabilidade, esse mesmo acesso. O problema é que a gente chegou a um grau de quebra de institucionalidade que é fora do normal. No Ministério da Saúde, você tem técnicos dizendo que o caminho é vacina e campanha de esclarecimento, e o Governo estava dizendo que o correto era tratamento precoce e desinformação.

P. Há votos para convocá-lo?

R. Sempre tenho dito que é necessário você cumprir a sua parte. A minha parte nesse processo é mostrar que é necessário, é indispensável, tem que votar. O senador Omar Aziz se comprometeu comigo a botar pra votar. A gente tem que votar. E aí, se perder, perdeu, paciência. A gente vai explicar para a sociedade que a gente está fazendo a investigação de responsabilidade do Governo, mas que não vai ouvir uma autoridade do Governo porque o pessoal tem medo de farda. Ou do pijama, não sei.

P. Você acha esse medo legítimo?

R. Esse medo não é desarrazoado, ao analisarmos a nossa história. Também lembrando que aqui [o Senado] é uma casa onde a maioria tem uma vivência de ditadura que não tenho, eu era criança. E essa turma não. Mas acho que tem um equívoco nisso que é o de permitir que as pessoas demonstrem um poder maior do que elas efetivamente têm. Se eu mostro para a sociedade e para integrantes da Forças Armadas que existe gente que está acima da lei, eu os estou autorizando a continuar fora da lei. Eu tenho de garantir o contrário, de que todo mundo está abaixo da lei, seja um general de quatro estrelas ou não. É um pouco da ideia que tínhamos para criar a CPI da Lava Toga, nada do que os ministros fazem aqui sobreviveria se os ministros fossem um juiz de primeiro grau. Nada! Se um juiz de primeiro grau vai se encontrar pra comer uma pizza com um investigado por crime, ele vai responder na corregedoria do tribunal dele e vai responder no Conselho Nacional de Justiça. Se é um ministro do Supremo, não.

P. Vocês vão antecipar o relatório final da CPI?

R. Essa antecipação é uma expectativa, não é uma garantia. Vai depender muito do andamento dos trabalhos. Porque potencialmente podem surgir a cada instante fatos de uma gravidade que você não tem como ignorar. Por exemplo, ainda está engatinhando a investigação dos hospitais federais do Rio de Janeiro, mas é muito provável que há grandes esquemas de corrupção. Então, não posso esbarrar nisso e ignorar. Eu gostaria de acabar o mais rapidamente possível, mas não temos garantia.

P. Levando em conta que há um muro de proteção contra o Governo no Ministério Público e na Câmara, qual é a função da CPI? Será só expor as entranhas do Governo, já que há dúvidas sobre impeachment ou investigação criminal?

R. A gente está escrevendo a história ao vivo. Não tem como dimensionar exatamente o impacto. Os fatos são muito graves. A gente já teve impeachment de um presidente da República por conta do escândalo de corrupção, que foi materializado num Fiat Elba. A gente teve impeachment de uma presidente da República por pedaladas fiscais materializadas no relatório do Tribunal de Contas da União. E hoje a gente tem um presidente da República que tem participação direta na morte de centenas de milhares de brasileiros. É uma questão de proporcionalidade. Se com o corrupto do Fiat Elba deu em impeachment e com a presidente das pedaladas também, como é que não vai dar para um cara que tem tanto escândalo, como o Bolsonaro? São inúmeros casos de incompetência, descaso, desrespeito, desumanidade.

P. Falta pressão da sociedade?

R. Sim, mas eu acho que é o passo a passo. Está tão rápido o processo, a gente está tão saturado que, às vezes, nem consegue perceber. Quatro ou cinco meses atrás nem se falava em ter CPI. Não ia ter CPI. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), estava sentado em cima. Eu e Jorge Kajuru fomos ao Supremo e conseguimos quebrar essa barreira. E quando quebra é igual a uma represa. Se tirar um pedacinho, começa a sair água e vai abrindo o buraco. Você está vendo a credibilidade do Bolsonaro caindo, a intenção de voto caindo, mais gente se disponibilizando para terceira via, então é um processo.


Tem um consenso de que não é momento de se fazer reforma política

P. Recentemente, o PIB se manifestou contra as medidas autoritárias deste Governo, ainda que de maneira tardia. Você acredita que o Brasil está um pouco mais desperto diante de todos retrocessos que estamos vivendo?

R. O que eu vejo hoje não é que a sociedade está tomando ciência e posição, mas é que uma parte daqueles que em 2018 abraçaram um projeto em nome do antipetismo, agora entenderam os prejuízos que ele causa. Como eu votei no Bolsonaro no segundo turno, eu estou nesta tribo. Éramos pessoas que não tínhamos uma grande expectativa. Quando eu declarei o voto, eu já era senador eleito, justifiquei que entre o projeto do PT e desse daí que é meio desconhecido, ia apostar neste, mesmo sabendo que tem problemas, que ele é um cara que aparenta não ter preparo, que tem tentações autoritárias. Mas eu acreditei que ele ia ter uma contenção institucional.

P. Essa contenção não existiu.

R. Aconteceu o contrário. Bolsonaro subverteu a institucionalidade. Ele ataca as instituições, que estão sendo corroídas de uma forma muito rápida. Então, essa deterioração está gerando um afastamento da população. A sociedade em geral eu não diria que está tomando ciência, mas esse grupo especificamente começa um processo intenso de se descolar. Agora, você ainda vai ter o bolsonarismo continuando, com uma fração da sociedade. Mas também tem um grupo imenso que está esperando uma liderança, esperando um sinal de que caminho seguir.


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P. Passando para o Congresso. Há muita coisa sendo debatida de maneira atabalhoada.

R. A gente vai discutir agora, num prazo de dias, uma reforma tributária totalmente amalucada, uma reforma política totalmente equivocada, a PEC dos precatórios. São vários fatores que entram, projetos de grande impacto que, em sua imensa maioria, não pensam no interesse público. Ninguém vai votar a questão do voto impresso pensando em interesse público, só em interesses pessoais. Pensando como é que eu ganho mais, como é que eu me elejo mais fácil. Essa soma de prejuízos vai deformando a sociedade.

P. E esse momento de pandemia, com sessões fechadas, é propício pra que essas discussões aconteçam sem a participação da sociedade.

R. Temos uma questão de ordem pronta para apresentação exigindo do presidente do Senado a retomada do sistema presencial ou pelo menos a supressão que o sistema remoto permite que é de você levar diretamente ao Plenário as questões. Não há motivo pra você ter isso. É importante que você tenha o sistema remoto como uma espécie de sistema auxiliar, mas isso não pode significar a supressão do debate público. Hoje eu não tenho as comissões funcionando adequadamente, começamos agora a retomar o debate a passo de cágado, e eu não tenho nada de audiência pública. O prejuízo é muito grande.


Não podemos normalizar as mortes por covid-19, nem a corrupção

P. Qual é o principal desafio de comunicação da CPI?

R. Continuam morrendo 1.000 pessoas por dia e a gente está achando que está ótimo, está fantástico. E não está! O nosso desafio é que as pessoas entendam que 560.000 mortos é mais grave do que qualquer caso de corrupção. E temos de fazer essa disputa mesmo para a sociedade, de esclarecimento. Os casos de corrupção da Davati, da Covaxin são graves? Sim, são. As pessoas têm de ser responsabilizadas. Mas não é mais grave do que as vidas que a gente jogou fora. Por ignorância, incompetência ou qualquer interesse inconfessável. Não podemos normalizar as mortes pela covid-19 nem a corrupção. É sintomático que nenhum pré-candidato fale em combate à corrupção.

P. Em alguns círculos pequenos o seu nome tem sido colocado como potencial pré-candidato à presidência em 2022. Enxerga isso?

R. Já ouvi isso, claro. Recebo muitas solicitações nesse sentido. Eu nunca quis ser político, nunca quis ser senador. Agora, eu acho, sim, que tenho uma representatividade numa área que os pré-candidatos atuais não estão atuando, que é essa coisa de combate à corrupção. Para você poder fazer um projeto de mudança, você tem que ter muita consciência. Esse Congresso aqui, nos primeiros seis meses do Governo Bolsonaro, não tinha o Centrão voando alto igual faz hoje. Você não ouvia a voz do Ciro Nogueira. Vários ficaram desaparecidos por alguns meses, porque eles acreditaram, como a gente acreditou na campanha, que seria diferente. Depois eles entenderam que não é diferente coisa nenhuma. Aí, voltaram com a corda toda. Eu acredito que, se você tiver bons projetos, bem ajustados, e disposição para fazer o debate, você pode reproduzir o que a gente teve aqui no projeto com a mais grave em regra pra uma sociedade, que é a Previdência. Em todo lugar do mundo, quando você vai reformar a Previdência, você tem conflito, você tem greve. No Brasil não teve, porque foi um processo de discussão de dois anos onde existia um consenso.

P. Você não se furtaria para um convite à presidência ou à vice-presidência?

R. Acho que a gente não pode se furtar a participar de uma coisa em que você acredita. Agora, eu não gosto muito da ideia de quem se colora para essas situações, porque você inverte a roda e vira um projeto pessoal.

P. Quem tem conversado contigo sobre isso?

R. São esses grupos que de certa forma ficaram órfãos da representatividade, que a imprensa chama lava-jatistas. E eu acho que esse é um dos melhores epítetos possíveis. Você não pode confundir com essa coisa vazia, histérica, falso moralista.

P. A própria Lava Jato tem um sido bastante revisitada. A relação procuradores e juiz foi escancarada, o que chocou juristas do mundo inteiro.

R. O que eu vejo ali assim com muita clareza? Primeiro a gente tem um problema consistente na forma como isso surgiu, que é a operação Spoofing, que é a operação de crime e hackeamento. Uma das partes da minha vida foi como delegado de crimes cibernéticos. Nada daquele conteúdo pode ser considerado como prova, porque ele pode ser todo mexido, todo modificado. O segundo ponto é que todas essas etapas de atuação da Lava Jato foram validadas pelo Supremo. E você não poderia revisitar isso, a não ser que você tivesse um fato novo e o fato do novo não aconteceu. Então, alguns votos, dos ministros do STF, foram de realismo fantástico. Olha, não surgiu nenhum fato novo, não podemos considerar as provas de hackeamento, mas, agora, eu entendo diferente do que no ano passado. A gente tem uma tomada de consciência muito parcial de que é preciso aprimorar os mecanismos de combate ao crime em geral. Porque nada do que foi feito ali foi diferente de outras investigações no Brasil. E essa conexão mínima de autoridades policiais com promotores e juízes também não é uma coisa fora do comum. Nunca foi, mas passou a ser. O que não pode ter é combinação de atividades. Não pode ter uma preparação de provas. Particularmente não vi isso acontecer, mas confesso que não parei pra fazer o estudo de caso.

P. Na sua visão, os lava-jatistas estão órfãos de um projeto?

R. O lava-jatista, o antipetista, ou o que quer que seja, são nomes que se dá para o brasileiro médio até por questão de doutrinação midiática. Esse brasileiro desenvolveu um horror a corrupção completo, graças a Deus. E isso desembocou numa ação política. Quando você foi ver o resultado de 2018, você não teve a materialização daquilo que foi sonhado ou defendido antes. Nem perto disso. Ninguém mudou nada. Este Governo está com Centrão, ele já era do Centrão, mas muita gente não sabia. Vários parlamentares eleitos com essa bandeira anticorrupção jogaram ela fora e estão com as práticas cotidianas do parlamento brasileiro. Então, tem um público grande que sabe que não quer o Lula, mas também não quer mais o Bolsonaro. A falta de um de uma candidatura que abrace esse perfil está clara. Esse cara não quer votar no Ciro. Ele tem dúvidas se vota no João Doria, no Eduardo Leite, porque eles também não têm essas bandeiras.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) em seu gabinete, em Brasília.CADU GOMES

P. Não vê nenhum nome nessa terceira via hoje?

R. Não. Talvez o Álvaro Dias tenha um perfil nessa linha, mas não sei se ele está com essa saúde, com essa vontade.

P. Hoje, você não teria um candidato, então?

R. Não, e gente está desenvolvendo isso. Agora, mesmo se você não está 100% contemplado, acho que vale minha participação nesse processo para levar essas pautas pra mesa. Nada impede que um desses candidatos abrace as pautas complementares. Por exemplo, a educação não é pauta nenhum deles também. As pessoas seguem naquela que não sou nem Lula nem Bolsonaro. E do jeito que está, vamos para um segundo turno com Lula e Bolsonaro e vai ser um caos.

P. Vocês estão se reunindo com todos esses potenciais candidatos?

R. Sim, todo mundo que não estiver em extremos a gente tem que ouvir.

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