Bolsonaro faz 10 minutos de cena com tanques na Esplanada para atiçar militância
Presidente assistiu à solenidade ao lado de ministros e militares. Foi a primeira vez, desde 1984, que comboio transitou no local fora de datas comemorativas
O presidente brasileiro Jair Bolsonaro tentou transformar uma ação militar protocolar num ato político nesta terça-feira. Ao lado de ministros e de comandantes das Forças Armadas, o chefe do Poder Executivo assistiu a uma espécie de desfile de algumas dezenas de tanques de guerra e veículos blindados que passaram em frente ao Palácio do Planalto. Eram menos de 50 carros no total. Oficialmente, a informação era de que o desfile militar serviria para a entrega de um convite para Bolsonaro acompanhar o treinamento de 2.500 militares em Formosa, no Estado de Goiás, a 82 quilômetros de Brasília. A operação ocorre anualmente desde 1988. Geralmente, autoridades são convidadas para o evento, mas esta foi a primeira vez que um presidente recebeu o documento diante de um minúsculo desfile militar. A ordem para que ele ocorresse foi do próprio Bolsonaro.
O desfile, porém, durou menos de dez minutos. Muitos moradores de Brasília nem tomaram conhecimento de que haveria carros militares na rua. A ausência de seu vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão, também foi sentida. Ele e Bolsonaro, ambos egressos do Exército, estão com a relação estremecida e têm demonstrado diferença de opiniões sobre a condução do Governo. Nas últimas semanas, o presidente e seu vice quase não têm se reunido.
O evento foi transmitido pelas redes sociais do presidente, e acompanhado por cerca de 100 manifestantes que se postaram na praça dos Três Poderes, em frente ao Planalto. Boa parte deles gritava palavras de ordem, como a nossa “bandeira jamais será vermelha”, em alusão aos partidos de esquerda brasileiros que costumam usar o vermelho em seus símbolos. Um pouco antes do início do desfile, dois homens empunhavam uma faixa com os dizeres: “Presidente, destitua os 10 do STF”. O pedido era para manter apenas Kássio Nunes Marques, o único que foi indicado pelo presidente na corte. Quando o comboio começou a transitar, contudo, a faixa foi guardada.
O ato ocorre justamente no dia em que a Câmara dos Deputados vota a proposta de emenda constitucional que recria o voto impresso, uma das bandeiras do bolsonarismo. As chances de aprovação do projeto são quase nulas. Por isso, o ato político relâmpago do presidente, que costuma se referir às Forças como “meu Exército” é visto como provocação. “As Forças Armadas jamais podem ser usadas para intimidar sua população, seus adversários, atacar a oposição legitimamente constituída”, disse o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, o senador Omar Aziz (PSD-AM).” Ainda nesta terça-feira, 14 dos tanques e veículos de combate ficarão expostos na Esplanada dos Ministérios.
A última vez em que tropas se perfilaram em Brasília fora de datas comemorativas, como da Independência do Brasil ou da Proclamação da República, foi em 1984. Na ocasião, veículos e militares ocuparam o entorno do Congresso Nacional antes da votação emenda da Diretas Já, que pedia o retorno do voto direto para a Presidência da República. A ordem fora dada pelo presidente, general e ditador João Figueiredo. A cidade, que recebe protestos e atos políticos quase todos os dias, mal tomou conhecimento do comboio militar.
A maior parte dos veículos e dos profissionais envolvidos no treinamento vieram do Rio de Janeiro. A passagem por Brasília não estava no roteiro inicial, já que o trajeto mais curto entre o Rio, no litoral do Sudeste, e a cidade goiana, no Centro-Oeste, não passa pela capital federal. Partidos de oposição chegaram a apresentar um pedido no Supremo Tribunal Federal para que o evento militar fosse proibido, mas a corte rejeitou a solicitação.
Na rampa, ao lado de Bolsonaro, estavam seus principais ministros, como Walter Braga Netto (Defesa), Carlos França (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia), e Marcelo Queiroga (Saúde). A maioria deles estava sem máscaras e se abraçavam normalmente. Após o evento, Bolsonaro promoveu uma reunião ministerial.
Enquanto isso, a poucos quilômetros do Planalto, na Câmara os deputados se preparavam para a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do voto impresso. O projeto, de autoria da deputada governista Bia Kicis (PSL-DF), já foi rejeitado pela Comissão Especial que analisou o tema. Ainda assim, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o levou para a votação no Plenário por entender que ele precisava ser analisado por todos os parlamentares. As chances de aprovação são reduzidas, já que ele precisa de 308 votos dos 513 deputados e 15 dos 24 partidos com representação no Legislativo já se manifestaram contra a proposta.
Em conversa com apoiadores na segunda-feira, o presidente Bolsonaro já admitiu a derrota, mas atribui essa falta de apoio à atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso. Ele diz que o ministro influenciou a decisão de parlamentares. É mais uma de suas táticas diversionistas que vão na linha de atacar o status quo. Bolsonaro foi eleito presidente em 2018 com o discurso antissistema. Dizia que não se renderia ao toma-lá-dá-cá. No poder, contudo, se alinhou aos militares e ao Centrão, fisiológico grupo de partidos de centro-direita que antes era apontado pelo presidente como a “velha política”. De olho nas urnas em 2022, ele está ajustando seu novo alvo, o Judiciário.
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