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Lira dá sobrevida a voto impresso e garante munição a Bolsonaro enquanto articula nebulosa reforma política

Proposta em discussão na Câmara prevê o enfraquecimento da lei da Ficha Limpa e o desincentivo à participação de mulheres e negros na eleição, além de enfraquecer a Justiça eleitoral

Os expoentes do Centrão e do PP, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira e o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Os expoentes do Centrão e do PP, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira e o presidente da Câmara, Arthur Lira.ADRIANO MACHADO (Reuters)
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O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), adotou nesta sexta-feira a mesma tática do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), diante de um grande desafio ou empecilho pela frente: lançou uma cortina de fumaça. Mesmo com poucas chances de ser aprovada depois da rejeição numa comissão especial da Câmara, a proposta de emenda constitucional que torna obrigatório o voto impresso (135/2019) será analisada pelo plenário da Casa. O anúncio feito por Lira tem como pano de fundo dois movimentos: deixar em segundo plano a discussão sobre uma nebulosa reforma política que tem sido articulada pelos deputados e dar munição ao bolsonarismo para justificar uma eventual derrota nas eleições de 2022.

As chances de aprovação da PEC são reduzidas na Câmara. São necessários os votos de 308 dos 513 deputados. E onze legendas que somam 326 deputados assinaram um manifesto contrário ao projeto. Houve um racha neste grupo, durante a votação na comissão especial, e três legendas que antes estavam unidas com ele (PSL, PP e Republicanos) romperam. Ainda assim, a derrota foi maiúscula: 23 a 11. “Pela tranquilidade das próximas eleições e para que possamos trabalhar em paz até janeiro de 2023, vamos levar, sim, a questão do voto impresso para o plenário”, anunciou Lira. O parlamentar é líder do Centrão, grupo de apoio de Bolsonaro, e atendeu a um desejo de Bolsonaro, mesmo dizendo a representantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que tem segurança de que a PEC não será aprovada.

Se o cenário se alterar e a PEC for aprovada, o Senado deverá servir como um muro de contenção. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sinalizou que não está disposto a pautar o tema com base em falsas teses de irregularidades no sistema de voto eletrônico, como as defendidas de maneira histriônica por Bolsonaro. “Não há nenhum fundamento concreto de alguma vulnerabilidade ou de alguma prática de fraude. De modo que, nós não podemos, com base em um discurso, com base em uma teoria, modificar um sistema que até poucos anos era motivo de orgulho para os brasileiros”, afirmou em entrevista à Globo News.

Enquanto isso, o presidente segue em sua sanha contra os representantes do Judiciário. Em viagem a Santa Catarina, o presidente se referiu ao ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, como “aquele filho da puta do Barroso”. A fala foi transmitida ao vivo pelo perfil oficial do presidente, mas depois foi apagada, de acordo com o portal Poder 360. Em resposta, o ministro insinuou no seu Twitter que o presidente tem fixação nele e ainda lançou um pensamento do escrito Mário Quintana: “Aquilo que falam de mim, não me diz respeito”.

Reforma casuísta

Enquanto as medidas diversionistas veem à tona, sob a batuta de Lira os deputados preparam a maior reforma eleitoral desde a redemocratização. Entre os principais projetos sobre o tema que tramitam na Câmara há ao menos 20 retrocessos severos. Entre eles estão: o enfraquecimento da lei da Ficha Limpa (permitindo que condenados concorram nas eleições); a redução da fiscalização da Justiça eleitoral com a redução de prazos para julgamentos; a diminuição do incentivo às candidaturas de negros, mulheres e indígenas; a permissão para o uso indiscriminado do fundo partidário (de aproximadamente 1 bilhão de reais ao ano); a blindagem dos candidatos de quaisquer causas de inelegibilidade infraconstitucionais que ocorram após o registro da candidatura; e a permissão para que candidaturas masculinas sejam financiadas com recursos que antes eram destinados às mulheres.

“Estamos diante de um tsunami político. E todo tsunami começa com a água recuando sem que as pessoas percebam. Quando notam, elas saem recolhendo um pouco dos pertences, mas quando veem, tudo já foi destruído”, disse o diretor-executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, Fabro Steibel. Ele faz parte do grupo “Freio na Reforma: política se reforma com democracia” um conglomerado de 30 entidades da sociedade civil que acompanham, desde março deste ano, o andamento da proposta de reforma política que está sendo relatada pela deputada Margarete Coelho (PP-PI). Esta deputada é uma das principais aliadas de Lira e do ministro da Casa Civil, o senador Ciro Nogueira (PP-PI).

O cientista político e professor do Insper Leandro Consentino avalia que o momento é inoportuno para uma nova mudança nas regras eleitorais. Em 2017, os congressistas já haviam aprovado uma reforma que instituiu cláusulas de barreiras que ainda estão em vigência e alterou parte das normas para financiamento de campanhas. “É um casuísmo que faz muito mal às instituições políticas brasileiras. É uma classe que sempre imagina ser necessário uma nova eleição com novas regras”, declarou o estudioso.

Outro bode na sala incluído no bojo desse debate é a criação do “distritão”. Atualmente, os vereadores, além dos deputados federais e estaduais, são eleitos por um sistema proporcional em que são calculados o número de votos que os outros candidatos de chapa tiveram, assim como os dados para cada legenda. O “distritão” transformaria a eleição proporcional em um pleito majoritário, em que apenas os mais votados seriam eleitos. Com exceção dos líderes partidários, quase todos os pesquisadores do tema compreendem que essa mudança seria inadequada. “Todo sistema eleitoral tem seus prós e contras. Nenhum dele é essencialmente ruim. O distritão, muito mais contras do que prós”, diz Consentino. “Fizeram de propósito uma mudança tão grande, em um momento de crise sanitária, que ninguém vai conseguir segurar nada. O que notamos é que lançam o distritão e o voto impresso apenas para desviar o foco”, pondera Steibel.

Outra proposta em tramitação no Legislativo, relatada pela deputada Renata Abreu (Podemos-SP), prevê o fim do segundo turno a partir das eleições de 2024. A sugestão é que cada eleitor escolha cinco candidatos de sua preferência. Seria eleito quem obtivesse a maioria absoluta das primeiras escolhas do eleitor. Caso isso não ocorresse, o menos votado seria eliminado da apuração e os votos que foram concedidos a ele seriam transferidos para a escolha seguinte do eleitor. É uma equação complicada de se fazer.

Ainda não há uma data exata para a votação das mudanças. Entre os parlamentares há a expectativa de que ela ocorra até setembro, para, na sequência, ser encaminhada ao Senado. Todas as alterações nas regras eleitorais devem ser aprovadas pelo Legislativo e sancionadas pelo presidente da República pelo menos um antes da eleição, previstas para outubro de 2022.

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