O eterno retorno do comunismo ao Brasil, cuidado!
Fantasma vermelho está de volta e tem contraindicação, na bula bolsonarista, aos usuários de cloroquina
É mais fácil o Brasil acabar com a lenda urbana do “tratamento precoce” para a covid-19 do que com o tal do comunismo — o espectro que volta a rondar, ao ritmo de uma paranoia delirante, esse país tropical esquecido por Deus e até pelo Curupira que um dia protegeu nossas florestas. Para a obsessão da ineficaz cloroquina, a bula indica a CPI da Pandemia; quanto à assombração comunista, esqueça, não tem cura.
Pelas barbas de molho de todos os marxistas tropicais, esqueça; pelo suor dos uberizados do mundo (uni-vos!), esqueça; pelo despertador do Galo —líder do Movimento dos Entregadores Antifascitas de SP—, esqueça; pelo “Delivery Fight!”, o livro incrível do Callum Cant (editora Veneta) e a sua experiência sob o chicote dos algoritmos na britânica empresa Deliveroo... Esqueça.
O fantasma vermelho é original. Cada vez retorna de uma forma diferente. Cuidado, Morengueira, isso dá um samba de breque. Agora o comunismo chegou grudado na defesa que a ótima atriz Juliana Paes fez da médica Nise Yamaguchi, colaboradora do bolsonarismo negacionista. Nise teria sido vítima da indelicadeza dos senadores da CPI. Há controvérsias, mas é do jogo das opiniões, sem drama. O diabo — esse sem-teto gabiru que habita os detalhes e as calçadas da fama— é que a atriz não se contentou em apenas servir de escudo à doutora e atacou, pasme, os “delírios comunistas da extrema-esquerda”.
E lá estava o comunismo de volta ao Brasil mais uma vez. Até o fechamento desta crônica, algum palácio de inverno da burguesia de Campos de Jordão estava prestes a ser tomado pelo camarada Lenine e sua destemida gente. A sorte é que a tropa do general Pazuello, novo patrono do Exército brasileiro pós-Caxias, ufa, estava mui atenta.
O país acabou com a saúva, caríssimo Macunaíma, e não acabou com o comunismo. Muito protozoário e pouca saúde, os males do Brasil são.
Esqueça, o comunismo sempre bate e baterá à nossa porta. Quando perdemos para o timaço da Hungria, na Copa do Mundo de 1954, na Suíça, quem foi o culpado? Pago uma grade de cerveja para quem adivinhar. Quem arrisca? Óbvio que levamos de 4x2 da equipe de Puskas por causa de um “complô comunista” do qual fazia parte o árbitro inglês Arthur Ellis, vermelhíssimo de carteirinha do partido, segundo a imprensa brasileira. A revista “O Cruzeiro” chegou a mandar uma equipe de reportagem a Londres para investigar as ligações ideológicas do juiz com a Cortina de Ferro. O site da CBF até hoje mantém essa lenda na memória.
Qual foi a sua primeira assombração, leitor e leitora, com o comunismo? Tenho várias boas histórias sobre o assunto, mas lembro, especialmente, de quando um debate tomou conta das ruas de Juazeiro do Norte, na batalha Lula X Collor em 1989. O marketing collorido espalhou que os comunas do PT iriam pintar de “encarnado” a estátua do padre Cícero. Uma chuva de panfletos com o santo popular todo vermelho inundou a região do Cariri cearense. Um Deus nos acuda.
O eterno retorno dos comunistas. Eles nunca chegam, mas o delírio sempre rende muita confusão e votos aos picaretas. O que seria da extrema-direita fascista sem esse fantasma? Comentários (de certa forma ingênuos) como o da atriz global só ajudam a engordar o bicho da vermelhidão para 2022. Buuu!
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Os machões dançaram —crônicas de amor & sexo em tempo de homens vacilões” (editora Record).
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