5x0 para a oposição na CPI da Pandemia

Apesar da goleada, a partida disputada na comissão não é de mata-mata, mas um dos vários jogos que Bolsonaro disputa em um campeonato de pontos corridos em busca da reeleição

Flávio Bolsonaro reclama da arbitragem do relator Renan Calheiros na CPI da Pandemia, na quarta-feira.Marcos Oliveira (Agência Senado)

É um massacre. Após três semanas, duas delas dedicadas a depoimentos de testemunhas, a oposição vai impondo uma goleada histórica sobre o Governo Bolsonaro na CPI da Pandemia. Apesar de os governistas terem conseguido abrir um flanco para investigar governadores e prefeitos, a...

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É um massacre. Após três semanas, duas delas dedicadas a depoimentos de testemunhas, a oposição vai impondo uma goleada histórica sobre o Governo Bolsonaro na CPI da Pandemia. Apesar de os governistas terem conseguido abrir um flanco para investigar governadores e prefeitos, até agora o máximo que conseguiram foi defender alguns dos arremates contra a meta de Bolsonaro ―com a arbitragem jogando contra, é difícil imaginar que o ataque bolsonarista consiga marcar um gol sequer na comissão. A partida, contudo, não é eliminatória. A CPI monopoliza a agenda política e desgasta o presidente, que demonstra irritação, mas não apresenta novidades, limitando-se a revirar em detalhes os tropeços do Palácio do Planalto no enfrentamento da pandemia, como a demora para adquirir vacinas ou a obsessão pela cloroquina. É uma das várias partidas simultâneas que Bolsonaro disputa na tentativa de se reeleger ―contra a própria pandemia, contra Lula, contra a crise econômica.

O jogo parece jogado, o roteiro do relator Renan Calheiros (MDB-AL) está pronto ―e ele vai encaixando as personagens na história metodicamente, não sem demonstrar irritação toda vez que elas fogem do script―, mas cabe aos senadores manter a atenção do público com a exibição de habilidades, embaixadinhas retóricas que enervam o esquentado time de Bolsonaro. A ameaça de prisão de Fábio Wajngarten resume o espírito da comissão. Qualquer senador poderia ter dado a voz de prisão, mas a mera ameaça bastou para o senador Flávio Bolsonaro marcar um gol contra —simulando para a torcida que chutava na direção da meta adversária—, ao reclamar do juiz, pedir árbitro de vídeo e chamar ainda mais atenção para a goleada que seu time vem sofrendo. Para alcançar seus resultados mais efetivos, a CPI não precisa produzir nenhuma atitude drástica, como uma detenção ou mesmo o início de um processo de impeachment. Basta remoer os números de mortos por covid-19 no Brasil à luz dos atos ou omissões do Governo semana após semana.

Confira comigo no replay: o primeiro tento da oposição foi anotado por Luiz Henrique Mandetta, que jogou como o Romário do fim da carreira; parado, dentro da área, apenas esperando a bola chegar para botá-la para dentro. O segundo coube a um outro ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, que parecia esperar por uma oportunidade como aquela para enfim descarregar suas mágoas por ter atuado amarrado e por apenas um mês no cargo. O gol mais bonito da CPI foi marcado pelo diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, que, além de ferir o Governo, fortaleceu o Estado, ao restaurar a credibilidade da agência reguladora após circularem receios de que ela seria aparelhada pelo Planalto. O mais feio, naturalmente, foi o arremate de Flávio contra a própria meta.

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O gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, marcou o quinto gol, expondo em forma de linha do tempo o descaso do Governo com a vacinação no ano passado, e o estrago só não foi maior porque o resultado do desleixo inicial com as vacinas acabou menor do que o estimado ―quatro milhões de doses a menos não são as 70 milhões que os opositores de Bolsonaro ainda propagandeiam como resultado da demora do Ministério da Saúde em efetivar a compra. Os defensores do Governo só conseguiram fechar o gol na audiência do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, quando o comando da CPI se desgastou com o destempero exibido por Renan e pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), diante das evasivas do depoente ―esses dois, aliás, não acrescentam muito em prestígio à CPI.

O baile é tal que o Governo tenta tirar o time de campo. O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello obteve o direito de comparecer calado à comissão. Mesmo com a boca fechada, Pazuello acrescentará mais um gol no placar a favor da oposição na próxima semana (quarta-feira), assim como o ex-chanceler Ernesto Araújo (terça-feira) e a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro (quinta-feira), vulgarmente conhecida como “Capitã Cloroquina”, por sua defesa do medicamento para o tratamento da covid-19. Outra certeza para o certame da próxima semana é que o senador Luís Carlos Heinze (PP-RS), principal expoente da bancada do WhatsApp na CPI, repetirá sua defesa do milagroso medicamento a cada sessão.

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