5x0 para a oposição na CPI da Pandemia
Apesar da goleada, a partida disputada na comissão não é de mata-mata, mas um dos vários jogos que Bolsonaro disputa em um campeonato de pontos corridos em busca da reeleição
É um massacre. Após três semanas, duas delas dedicadas a depoimentos de testemunhas, a oposição vai impondo uma goleada histórica sobre o Governo Bolsonaro na CPI da Pandemia. Apesar de os governistas terem conseguido abrir um flanco para investigar governadores e prefeitos, a...
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É um massacre. Após três semanas, duas delas dedicadas a depoimentos de testemunhas, a oposição vai impondo uma goleada histórica sobre o Governo Bolsonaro na CPI da Pandemia. Apesar de os governistas terem conseguido abrir um flanco para investigar governadores e prefeitos, até agora o máximo que conseguiram foi defender alguns dos arremates contra a meta de Bolsonaro ―com a arbitragem jogando contra, é difícil imaginar que o ataque bolsonarista consiga marcar um gol sequer na comissão. A partida, contudo, não é eliminatória. A CPI monopoliza a agenda política e desgasta o presidente, que demonstra irritação, mas não apresenta novidades, limitando-se a revirar em detalhes os tropeços do Palácio do Planalto no enfrentamento da pandemia, como a demora para adquirir vacinas ou a obsessão pela cloroquina. É uma das várias partidas simultâneas que Bolsonaro disputa na tentativa de se reeleger ―contra a própria pandemia, contra Lula, contra a crise econômica.
O jogo parece jogado, o roteiro do relator Renan Calheiros (MDB-AL) está pronto ―e ele vai encaixando as personagens na história metodicamente, não sem demonstrar irritação toda vez que elas fogem do script―, mas cabe aos senadores manter a atenção do público com a exibição de habilidades, embaixadinhas retóricas que enervam o esquentado time de Bolsonaro. A ameaça de prisão de Fábio Wajngarten resume o espírito da comissão. Qualquer senador poderia ter dado a voz de prisão, mas a mera ameaça bastou para o senador Flávio Bolsonaro marcar um gol contra —simulando para a torcida que chutava na direção da meta adversária—, ao reclamar do juiz, pedir árbitro de vídeo e chamar ainda mais atenção para a goleada que seu time vem sofrendo. Para alcançar seus resultados mais efetivos, a CPI não precisa produzir nenhuma atitude drástica, como uma detenção ou mesmo o início de um processo de impeachment. Basta remoer os números de mortos por covid-19 no Brasil à luz dos atos ou omissões do Governo semana após semana.
Confira comigo no replay: o primeiro tento da oposição foi anotado por Luiz Henrique Mandetta, que jogou como o Romário do fim da carreira; parado, dentro da área, apenas esperando a bola chegar para botá-la para dentro. O segundo coube a um outro ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, que parecia esperar por uma oportunidade como aquela para enfim descarregar suas mágoas por ter atuado amarrado e por apenas um mês no cargo. O gol mais bonito da CPI foi marcado pelo diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, que, além de ferir o Governo, fortaleceu o Estado, ao restaurar a credibilidade da agência reguladora após circularem receios de que ela seria aparelhada pelo Planalto. O mais feio, naturalmente, foi o arremate de Flávio contra a própria meta.
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Clique aquiO gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, marcou o quinto gol, expondo em forma de linha do tempo o descaso do Governo com a vacinação no ano passado, e o estrago só não foi maior porque o resultado do desleixo inicial com as vacinas acabou menor do que o estimado ―quatro milhões de doses a menos não são as 70 milhões que os opositores de Bolsonaro ainda propagandeiam como resultado da demora do Ministério da Saúde em efetivar a compra. Os defensores do Governo só conseguiram fechar o gol na audiência do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, quando o comando da CPI se desgastou com o destempero exibido por Renan e pelo presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), diante das evasivas do depoente ―esses dois, aliás, não acrescentam muito em prestígio à CPI.
O baile é tal que o Governo tenta tirar o time de campo. O ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello obteve o direito de comparecer calado à comissão. Mesmo com a boca fechada, Pazuello acrescentará mais um gol no placar a favor da oposição na próxima semana (quarta-feira), assim como o ex-chanceler Ernesto Araújo (terça-feira) e a secretária de Gestão do Trabalho do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro (quinta-feira), vulgarmente conhecida como “Capitã Cloroquina”, por sua defesa do medicamento para o tratamento da covid-19. Outra certeza para o certame da próxima semana é que o senador Luís Carlos Heinze (PP-RS), principal expoente da bancada do WhatsApp na CPI, repetirá sua defesa do milagroso medicamento a cada sessão.
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