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Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Mata Atlântica ainda carece de áreas protegidas

A maioria da população brasileira acredita na ciência, rejeita o negacionismo e sabe que, se não priorizarmos o nosso meio ambiente, estaremos expostos a maiores riscos de perdas por desastres climáticos, crises hídricas, piores resultados na produção agrícola, agravamento do ritmo de extinção de espécies.

Mata atlântica
Paulina Riquelme Fotografia

Os olhos do mundo inteiro se voltaram carregados de expectativas para os Estados Unidos na última semana, durante a Cúpula do Clima. Já não é novidade que a agenda ambiental está no centro do debate e das preocupações das principais lideranças do planeta. Planeta esse que vai parar novamente em outubro, com a Convenção da Biodiversidade, e em novembro, com a Convenção do Clima, onde serão discutidos acordos internacionais que podem nos guiar para uma relação mais produtiva, sustentável e saudável com nossos ecossistemas.

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Ainda em 2021 teremos também a Cúpula da ONU sobre Sistemas Alimentares, que conecta meio ambiente, biodiversidade e clima com agricultura e saúde. Após mais de um ano em meio à uma pandemia cuja origem está profundamente ligada à degradação ambiental e à perda de biodiversidade, o conceito de Saúde Única (One Health), integrando a saúde humana à dos ecossistemas, será um dos vieses a dar o tom em todas essas negociações multilaterais.

Nesse contexto, o papel dos países que detêm florestas tropicais e que são grandes produtores de alimentos é ainda mais relevante. Entretanto, o Brasil ainda não deixou claro o que vai levar para a mesa de negociação em 2021 para pautar toda a próxima década. E, pior, ainda que a relação entre saúde pública e natureza seja evidente, estudo publicado na revista Biological Conservation em março deste ano mostrou que metade dos atos normativos que enfraqueceram a proteção ambiental no país foram editados justamente durante a pandemia.

A Mata Atlântica é o bioma mais ameaçado e mais biodiverso do país e há uma grande preocupação sobre a proteção do que nos resta de floresta nativa. Mesmo os fragmentos florestais que resistiram ao desmatamento perderam 25% a 32% de sua biomassa potencial e 23 a 31% da sua biodiversidade, segundo dados publicados na revista Nature Communications no final de 2020. Porém, os fragmentos dentro de Unidades de Conservação de proteção integral ―aquelas onde são admitidas apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, como turismo e pesquisa― uma condição significativamente melhor.

Os documentos preparatórios para a Convenção da Biodiversidade indicam que a meta para proteção de ecossistemas deve saltar de 17% para 30% no pós-2021, alinhado ao aperfeiçoamento do conhecimento científico, à saúde ambiental e à conservação para as futuras gerações. Essa deveria ser uma agenda prioritária para todos os países. Mas no Brasil ainda não há sinais de nenhuma discussão consistente e transparente, com envolvimento da sociedade e da academia por parte dos negociadores brasileiros, para que as propostas nacionais apontem para esse norte.

A avaliação nacional publicada em 2019 por pesquisadores da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES) evidencia que tivemos dificuldades para atingir a meta que vigorou durante a década anterior. As áreas protegidas no país são muito mal distribuídas ―a grande maioria está concentrada na Amazônia, e apenas cerca de 10% dos domínios do bioma Mata Atlântica encontram-se protegidos em alguma Unidade de Conservação. Ademais, a maior parte dos remanescentes da Mata Atlântica está fragmentada em áreas menores que 50 hectares, sendo 80% em terras privadas.

Se desagregarmos ainda mais esse dado, notamos que grandes áreas, especialmente no Nordeste do país, permanecem com pouquíssima proteção.

Nas regiões costeiras e marinhas, a situação é parecida. Grandes Unidades de Conservação foram criadas em áreas bastante distantes, o que elevou sobremaneira o percentual total de mar brasileiro protegido. Porém, diversas áreas prioritárias importantes e associadas à região costeira da Mata Atlântica permanecem fora dessa conta.

Portanto, ainda precisamos avançar muito nos mecanismos de proteção na Mata Atlântica, especialmente no estabelecimento de áreas protegidas bem planejadas, bem geridas e eficazes. Entretanto, esse assunto parece estar totalmente fora da agenda do governo federal.

O Brasil já foi uma liderança mundial nas negociações sobre biodiversidade. Mas, agora, segue a trajetória de isolamento e de pária na agenda ambiental global. Nesse caminho temos a má performance no combate ao desmatamento, o menor orçamento para a área ambiental em 20 anos e ameaças de extinção do órgão responsável pelas áreas protegidas federais e pelos planos nacionais para espécies ameaçadas.

Na falta de uma liderança nacional, outros setores da sociedade brasileira vêm se envolvendo no assunto. O engajamento dos governos subnacionais, por exemplo, é muito relevante na Mata Atlântica. Estudo da SOS Mata Atlântica revela que mais de mil Unidades de Conservação no bioma foram criadas pelos municípios. Já os proprietários privados respondem por uma rede de mais de 1.230 Reservas Particulares do Patrimônio Natural somente neste bioma.

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A década que está começando será fundamental para o futuro da humanidade e para o futuro da Mata Atlântica. A pandemia nos deu um alerta muito duro sobre a necessidade de frear a perda de biodiversidade e a degradação ambiental. Mas também causou um alinhamento de datas para 2021 com a Convenção da Biodiversidade, a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Década da ONU para Restauração de Ecossistemas e a Década da ONU para Ciência Oceânica.

O ano, portanto, será de intensa movimentação, muito trabalho e muita atenção na agenda ambiental para os cientistas, empresas, mercado financeiro, governos e organizações civis. A maioria da população brasileira acredita na ciência, rejeita o negacionismo e sabe que, se não priorizarmos o nosso meio ambiente, estaremos expostos a maiores riscos de perdas por desastres climáticos, crises hídricas, piores resultados na produção agrícola, agravamento do ritmo de extinção de espécies. Ou seja, a sociedade rejeita uma visão de futuro que teima em repetir o passado, e clama pela volta dos conselhos e outros espaços de participação social na elaboração e monitoramento de políticas públicas. Precisamos, juntos, abraçar o desafio de transformar esta década em uma reviravolta na relação entre a nossa sociedade e a natureza.

Luis Fernando Guedes Pinto e Diego Igawa Martinez são, respectivamente, diretor de Conhecimento e coordenador de Projetos da Fundação SOS Mata Atlântica.

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