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Braga Netto estreia como ministro da Defesa exaltando o golpe de 1964

Desde que chegou ao poder, Bolsonaro leva à esfera pública os aniversários da implantação da ditadura

Apoiadora do presidente Jair Bolsonaro em ato nesta quarta para celebrar aniversário do golpe de 1964, em Brasília.
Apoiadora do presidente Jair Bolsonaro em ato nesta quarta para celebrar aniversário do golpe de 1964, em Brasília.Eraldo Peres (AP)
Naiara Galarraga Gortázar
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FILE PHOTO: Brazil's President Jair Bolsonaro waves near to Brazil's Defence Minister Fernando Azevedo e Silva after a meeting at the Ministry of Defense headquarters in Brasilia, Brazil May 8, 2020. REUTERS/Ueslei Marcelino/File photo
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(FILES) In this file photo taken on December 11, 2018 Brazilian Army General Fernando Azevedo e Silva, who was appointed by Brazilian President-elect Jair Bolsonaro as Defence Minister, gestures to journalists upon arrival at the transitional government's headquarters in Brasilia. - Brazilian Defence Minister Fernando Azevedo e Silva announced his exit from far-right President Jair Bolsonaro's administration on March 29, 2021, following on the heels of the foreign and health ministers. (Photo by EVARISTO SA / AFP)
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O primeiro ato do novo ministro da Defesa do Brasil foi receber os três chefes das Forças Armadas, que lhe apresentaram suas renúncias. O segundo, que coincide com o 57º aniversário, nesta quarta-feira, do golpe de Estado de 1964, foi divulgar uma nota na qual exalta a quebra constitucional. “Pacificar o país” era o objetivo, escreveu o general Walter Braga Netto —até segunda-feira, ele chefiava a Casa Civil e foi nomeado no lugar de Fernando Azevedo e Silva. “O movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil”, acrescentou.

À convulsão política pela saída abrupta dos comandantes das Forças Armadas logo após uma grande reforma ministerial, soma-se a catástrofe do coronavírus. Na terça-feira, o Brasil bateu um novo recorde de falecidos. O enésimo. Morreram 3.780 pessoas em 24 horas. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro não arreda o pé. Nesta quarta-feira, insistiu em que a prioridade é poder sair para trabalhar. E, segundo ele, os prefeitos e governadores que adotam restrições para frear o vírus vão “além do estado de sítio”, como declarou após reunir o gabinete de crise da pandemia. Ao golpe, não se referiu. E não permitiu perguntas.

A nota do ministro da Defesa afirma que “os eventos ocorridos há 57 anos” devem ser interpretados como uma resposta à “expansão de ideologias totalitárias”, uma referência ao comunismo, embora não o cite explicitamente, no contexto da “Guerra Fria que envolveu a América Latina”. Essa narrativa é a mesma que o presidente Jair Bolsonaro defende com veemência há anos. O comunicado não diz nada sobre a repressão das duas décadas seguintes.

Ao chegar ao poder, Bolsonaro levou os aniversários do golpe à esfera pública. Até então, era uma data celebrada discretamente nos quartéis e lembrada por militares da reserva com refeições em clubes de uniformizados.

O Governo Bolsonaro lutou na justiça nos últimos meses para poder organizar atos para comemorar o golpe. Há duas semanas, um tribunal de Brasília o autorizou por quatro votos a um. Fora a publicação da ordem do dia do Ministério de Defesa, não houve nenhum ato governamental. Por causa da pandemia, foram suspensos outros eventos, como o tradicional almoço organizado pelo Clube Militar do Rio de Janeiro para recordar o que chama de “revolução democrática de 1964”.

Bolsonaro criou um gabinete de crise para gerir o combate à pandemia quando o Brasil ultrapassou os 300.000 mortos. Depois da reunião de terça-feira, anunciou que na próxima semana será retomado o pagamento do auxílio emergencial. Desta vez, a quantia será menor e para menos beneficiários. A quantidade de mortos é tanta que vários cemitérios da Grande São Paulo começaram a realizar enterros também durante a noite, sob a luz de holofotes. Os hospitais continuam recebendo milhares de infectados que precisam ser atendidos nas UTIs. São mais jovens e chegam em estado mais grave do que na primeira onda.

Além de paliar os danos da crise econômica, Bolsonaro espera que o auxílio emergencial freie seu desgaste político. Os chefes do Exército, Marinha e Força Aérea apresentaram suas renúncias na terça-feira em protesto pelas pressões do presidente para politizar os quartéis. Bolsonaro quer os militares do seu lado na dura disputa que mantém com outras autoridades por conta da pandemia.

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O governador de São Paulo, João Doria, que na crise sanitária se ergueu como um dos principais antagonistas do presidente, criticou a nota do Ministério da Defesa: “Como filho de um deputado cassado que viveu 10 anos no exílio, considero uma afronta essa carta propondo a celebração de um golpe militar que vitimou milhares de brasileiros, não só da política, pessoas silenciadas, maltratadas e altamente prejudicadas”.

Bolsonaro sempre festejou o golpe. Muitas vezes sozinho, como em 31 de março de 2014, quando era deputado e posou diante de uma faixa gigantesca que dizia: “Felicidades, militares, graças a vocês o Brasil não é Cuba”. Sua defesa aberta do regime militar foi o que mais o distinguiu dos demais congressistas durante suas três décadas como deputado.

A então presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), tomou algumas medidas que muitos militares não perdoam. Impulsionou a Comissão da Verdade, que confirmou 434 mortes na ditadura e apontou 377 responsáveis. A presidenta, destituída anos depois, eliminou o aniversário do calendário de feriados das Forças Armadas.

Bolsonaro era adolescente quando entrou na academia militar alguns anos depois do golpe. Formou-se, como os comandantes militares de alto escalão atuais, durante a ditadura que acabou em 1985. Entrou na política após sair do Exército.

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