Ribeirão Preto vive dias de ‘lockdown’: “Se quiser agradar a todos, seja vendedor de sorvete”, diz prefeito
Ocupação de hospitais públicos chegou a 100% na segunda. Prefeitura mantém medida até o próximo domingo, mas não descarta prorrogar restrições. “Nossa tarefa é não chegar onde os médicos vão ter que escolher entre quem vai viver e quem não”, diz Duarte Nogueira
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Na entrada da ala de covid-19 da Santa Casa de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, uma frase na parede diz: “Se não houvesse esperança não estaríamos lutando”. É no que tentam acreditar médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem que atuam exaustos em um dos hospitais públicos da cidade que, nos últimos dias, chegou a 100% de ocupação de leitos para a doença. “Todos os dias é essa frase que a gente vê, que dá um ar pra nós. Agora, até quando vamos conseguir lutar? Esse é meu grande medo. Não sei até quando a gente vai dar conta”, desabafa a psicóloga hospitalar Paula Mattos de Carvalho, de 35 anos.
A situação crítica nos 10 hospitais que atendem pacientes graves da doença no município, bem como o aumento no número de mortes, levou a Prefeitura a decretar lockdown na última terça-feira. A princípio, a medida vale até o próximo domingo, mas a administração municipal não descarta uma possível prorrogação do confinamento. Ribeirão Preto tem 711.000 habitantes e é considerada a capital do agronegócio. Tem uma extensa atividade rural e produtiva em seu entorno. Em 2018, elegeu o presidente Jair Bolsonaro com 72,27% dos votos.
Desde a manhã de quarta, a cidade funciona somente com serviços considerados emergenciais. Além dos hospitais e unidades de pronto-atendimento, ficam abertos somente farmácias e postos de gasolina —estes com horário reduzido, das 6h às 20h. O transporte coletivo foi suspenso e estabelecimentos como restaurantes, padarias, supermercados e sacolões podem operar apenas por delivery. O acesso a praças e parques municipais também foi vetado. Para conter a circulação de pessoas pelas ruas, a Guarda Civil Municipal faz blitze em pontos estratégicos —medida, a princípio, educativa. O cronograma municipal de vacinação contra a covid-19 foi mantido.
Nesta quinta-feira, segundo dia de lockdown, as ruas de Ribeirão Preto encontravam-se praticamente vazias. No calçadão no centro da cidade, local de grande movimentação mesmo durante a fase vermelha do Plano São Paulo, avistava-se um ou outro pedestre caminhando, cenário totalmente diferente do registrado dois dias antes, logo após o anúncio de que a cidade precisaria entrar em confinamento.
Segundo o prefeito Duarte Nogueira (PSDB), a ação mais agressiva da doença na cidade nos últimos dias foi determinante para a decisão pelo lockdown. Na segunda-feira (15), a ocupação de leitos de UTI na rede pública do município chegou a 100%. Na terça, data em que foi decretada a medida, a cidade bateu o recorde no número de mortes em 24 horas: foram 20 óbitos, número que se repetiu na quarta, primeiro dia do confinamento.
Nesta quinta, a cidade registrou 278 novos casos da doença e 15 mortes. O número total de casos desde o início da pandemia é de 58.234, além de 1.391 óbitos. No final do dia, a plataforma leitoscovid.org apontava taxa de ocupação de 91,70% nos leitos de UTI, com 232 leitos ocupados entre os 253 disponíveis. Já as enfermarias operavam com 79,75% da capacidade, com 189 dos 237 leitos ocupados.
Duarte Nogueira não descarta estender a restrição caso os números não se mostrem satisfatórios nos próximos dias. “É muito duro, mas se for preciso, deveremos estender as medidas de restrição. Tem gente morrendo por falta de assistência no país. O que nos levou a essa decisão foi isso. Graças a Deus, até agora não chegamos ao ponto de perder um paciente por falta de leito”, diz.
O prefeito também diz que entende as críticas da população, principalmente dos comerciantes, mas não teme os custos políticos da medida. Desde o decreto do lockdown, pequenos grupos têm protestado em frente à Prefeitura pedindo pela reabertura das atividades. “Liderar momentos difíceis demanda firmeza. Se você quiser agradar a todo mundo, não pode ser líder, tem que ser vendedor de sorvete. Decisões precisam ser tomadas, mesmo as mais duras”, afirma. “Tenho amigos, parentes em atividades comercial e vejo o sofrimento. A grande maioria compreende que se não fizemos essas medidas que as pessoas são morrer. O que estamos vivendo no Brasil é uma falta de governança na gestão da pandemia. Nossa tarefa é não chegar onde os médicos vão ter que escolher entre quem vai viver e quem não vai”, declara.
Escondendo ovos
Com a notícia de que estabelecimentos como supermercados e padarias iriam fechar, a população saiu às ruas, causando aglomeração, filas e esgotando o estoque de produtos em alguns locais. “As pessoas ficaram desesperadas. Foram filas até o final da noite, quando fechamos. Alguns itens acabaram nas lojas, como ovos, frutas, legumes, alguns cortes de carne, também. Foi um decreto feito de última hora, não houve tempo para que pudéssemos nos preparar para atender toda a população”, relata o empresário Rodrigo Canesin, proprietário de uma rede de supermercados em Ribeirão Preto e diretor regional da Associação Paulista de Supermercados (Apas). A entidade é contra a medida da Prefeitura e entrou com um mandado de segurança para tentar reverter o fechamento dos supermercados —nesta quinta, a Justiça de Ribeirão Preto negou o pedido, e a associação recorreu.
O empresário Luiz Fernando Cardoso, de 33 anos, dono de uma padaria, também relatou filas e lotação em seu estabelecimento. “Tive que esconder ovos para atender um pouquinho cada cliente. Foi assustador”, diz. Apesar de concordar que o lockdown é uma medida necessária para conter o avanço da covid-19, Cardoso acredita que faltou organização das autoridades na hora de divulgar a medida. “Faltou gestão. Não acho que foi inteligente avisar na véspera. As pessoas ficaram apreensivas, praticamente zeraram nossos estoques e nós, que somos pequenos, ficamos sem produtos para atender com mais eficiência no abastecimento por delivery nesses dias. Não sei se chego até o próximo domingo com produtos suficientes para atender à demanda”, afirma.
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