Em Belém, ‘outsider’ testa discurso lavajatista de 2018 contra professor e ex-prefeito do PSOL
Everaldo Eguchi (Patriota) é ex-delegado da PF e faz discurso anti-corrupção na capital do Pará. Disputa começou acirrada, mas pesquisas recentes mostram Edmilson Rodrigues 16 pontos na frente
2018 se repete em Belém do Pará. Naquele ano, o sucesso da operação Lava Jato elegeu inúmeros políticos com o discurso contra a corrupção, especialmente a do Partido dos Trabalhadores (PT). Na capital paraense, que tem uma população estimada de 1,5 milhão de habitantes, Everaldo Eguchi (Patriota), até então um desconhecido delegado da Polícia Federal, tenta se eleger na mesma onda de indignação que levou Jair Bolsonaro à presidência da República. Além de apostar na associação com o presidente, seu discurso tem um forte viés religioso, contra a tradicional classe política e anti-corrupção. Ele testa a fórmula lavajatista que funcionou muito bem nas eleições para presidente e para governador, mas que deu mostras de desgaste nas eleições municipais do primeiro turno.
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Eguchi concorre com Edmilson Rodrigues (PSOL), arquiteto, professor universitário e deputado federal, que já foi prefeito de Belém entre 1997 e 2004, período em que fez dois mandatos pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Ele é responsável por levar o ainda pequeno PSOL ao segundo turno de uma capital —outra particularidade que só se repetiu em São Paulo— com 32,22% dos votos na primeira rodada da disputa. Já Eguchi obteve 23,06%.
As pesquisas de opinião indicavam um segundo turno acirrado, mas na véspera da votação ficaram mais favoráveis para o candidato PSOL. De acordo com o Ibope, ele cresceu seis pontos nos últimos dois dias e marcou 58% dos votos válidos. Seu rival caiu seis pontos e ficou com 42%. Diferentemente de 2018, Belém aparentava tranquilidade a pouco mais de uma semana da segunda rodada, também impactada pela pandemia de coronavírus. Alguns carros até levam adesivos dos candidatos no vidro, mas não há carros de sons nem multidões de apoiadores nem cabos eleitorais espalhados pelas ruas distribuindo material de campanha. Mas nos bares e restaurantes da cidade que estão abertos, uma noite de debate na televisão é recebido com indiferença.
“Chega de bandalheira e corrupção”
Eguchi vem repetindo o caminho feito pelo ex-juiz Wilson Witzel em 2018, quando se elegeu governador do Rio de Janeiro na esteira do lavajatismo e do bolsonarismo. Mal era conhecido pelo eleitorado quando começou a disputa, chegando a marcar apenas 5% das intenções de coto no Ibope em 2 de outubro. A essa altura, Rodrigues marcava 39% e tinha como rival direto o deputado federal José Priante (MDB-PA), ligado à toda-poderosa família Barbalho. Eguchi foi crescendo nas pesquisas, mas um dia antes do pleito ainda aparecia em terceiro lugar, com 13% das intenções de votos. Sua ida para o segundo turno pegou muitos de surpresa.
O delegado já foi filiado ao PSL e tentou sem êxito se eleger deputado federal em 2018. Hoje no Patriota, sempre ressalta não pertencer a nenhuma família de políticos do Pará. Conta que foi Bolsonaro quem o convidou para a política, mas garante que sua relação com o presidente é institucional. “Não tenho uma relação de amizade com ele. Gostaria de ter. Se Deus achar que eu devo ser prefeito e ele quiser ser meu amigo, vou aceitar com prazer”, afirma ao EL PAÍS, levantando as mãos e o olhar para cima, como faz sempre que apela para o discurso religioso.
Ao mesmo tempo que enaltece o presidente, que ganhou na capital paraense com quase 55% dos votos no segundo turno, também busca se diferenciar ideologicamente dele. “Acho ele um pouco radical demais. Ele é ultradireita, digamos assim, eu sou conservador. Mas o conservador sem radicalismo. Tenho sobrinhas homossexuais casadas que trato com o mesmo amor que os outros”, explica.
O que é ser conservador? “Conservador é família. Família não é homem, mulher e filho somente. Pode ser homem com homem, mulher com mulher, e filho. Desde que haja respeito. Eu sempre digo, me respeitem que eu respeito vocês”. Católico e espírita, o delegado explica que seu programa é “liberal, republicano e visa a sociedade em geral, não só algumas minorias”. Argumenta que a população LGBTQIA+, sigla que ele faz questão de pronunciar corretamente, não será nem priorizada nem diminuída. Contudo, garante que haverá políticas específicas de prevenção contra a violência, da mesma forma que já existem para evitar violência contra as mulheres. Quais serão essas políticas? “Não sei, não posso lhe falar agora, precisamos ver onde e como vai se incorporar um órgão para tratar sobre esse assunto”.
A entrevista acontece em seu comitê de campanha, um lugar de cores frias e decoração espartana, típica de um ambiente corporativo. A agenda de Eguchi no dia da entrevista, sexta-feira 20 de novembro, está praticamente livre de compromissos. Apenas alguns membros de sua campanha, todos eles homens musculosos que aparentam ser policiais ou lutadores de artes marciais, e quase sempre calados, estão presentes.
— O que pretende trazer de novo?
— O que me motiva é o que todo cidadão brasileiro quer, mudança na política. Estou indignado com a forma suja e corrupta que é feita até hoje. O sSul do Brasil tem tudo porque lá os políticos são muito mais honestos que no Norte. O povo não suporta mais esse sofrimento, essa bandalheira, essa corrupção, essa falta de transparência.
— No que suas propostas se diferenciam das de seu rival?
— Tudo. Ontem [dia 19] no debate [na TV local] eu mostrei duas CPIs [contra Rodrigues]. Tenho dossiê de 20 CPIs e quatro ações de improbidade. Eu não tenho nem processo administrativo na Polícia Federal. O que eu tenho de diferente? Transparência, honestidade, seriedade, caráter... Eu sou um trabalhador, trabalho desde os 16 anos, nunca tive cargo político. O meu oponente entrou na política com 21 anos. Política não é profissão.
“Estamos aqui porque acreditamos no professor. Delegacia já basta”
Em meio às incertezas do segundo turno, Edmilson Rodrigues vem correndo nas últimas semanas para agregar o máximo de apoios para derrotar seu rival. “Pessoal, bom dia. Obrigado aí pela presença... Podem começar a falar, estou ouvindo vocês!”, começa afirmando na mesma sexta-feira do dia 20 de novembro, dia de receber organizações da sociedade civil no comitê de campanha para escutar o que têm a dizer.
O lugar está repleto de pessoas empolgadas com uma campanha que conseguiu, já no primeiro turno, unir o campo progressista. Rodrigues armou uma coligação que reúne PSOL, PT, PDT, PCdoB, UP e Rede Sustentabilidade —o PSB se reuniu recentemente ao grupo. Assim, ele é hoje o principal representante da esquerda brasileira na região Norte do país, marcada pela influência de elites políticas locais que mantém uma estreita relação com a agropecuária e a exploração de madeira da Amazônia.
“Eu não quero saber quem votou em mim ou não no primeiro turno ou se vai votar agora, mas a presença de vocês mostra uma vontade de declarar apoio. E, mesmo se não declarasse, não é com violência ou imposição”, argumenta ele diante de representantes da cultura popular. “Estamos aqui porque acreditamos no professor. Delegacia já basta”, diz um representante de um grupo de bibliotecas comunitárias, ao resumir o que está em jogo para os apoiadores do psolista.
O deputado federal repete a todo momento que “o momento é novo” e que, diante de uma candidatura “fascista”, a importância do voto é ainda maior. “A extrema direita é uma excrescência na sociedade humana. Não estou falando de alguém de direita, estou falando de alguém que é fascista”, diz ele em entrevista ao EL PAÍS. “Ontem, no debate, ele falou sobre greves que não existiram, de cortes que não existiram, que o banco do povo só dava empréstimo para o meu partido... Eu nem era do PSOL, era do PT. É difícil ter um debate programático com alguém que não tem compromisso com a verdade”.
As críticas também fazem alusão, entre outros fatores, ao discurso punitivista contra criminosos e pró-armas adotado por Eguchi e que alavancou muitas carreiras políticas em 2018. Em vídeo que circula nas redes, o candidato do Patriota defende a flexibilização do estatuto do desarmamento e que um produtor rural possa ter fuzis em sua propriedade. “É a lei que autoriza o proprietário rural de usar seu armamento do portão pra frente. Imagina você morando no meio da ilha do Marajó, a 10 horas de barco da primeira cidade...”, justifica o delegado ao EL PAÍS. “Eu não teria um fuzil, eu teria 10. Eu deixaria um vagabundo invadir minha casa e estuprar minha esposa? Bandido desse porte não pode ser tratado como vítima, cara. Existem criminosos que são vítimas da sociedade, eu concordo. Mas generalizar? Tem bandido que não merece perdão”.
Rodrigues acredita que esse conservadorismo do rival diferencia Belém de outras capitais, como Porto Alegre e São Paulo, lugares em que a esquerda também pode chegar ao poder. “Em São Paulo existe um oceano ideológico separando Guilherme Boulos e Bruno Covas. Mas há respeito. Covas é um liberal, mas não é um fascista”, opina ele, reforçando um rótulo em seu adversário. “Em Belém estamos enfrentando um fascista que não tem compromisso com a verdade, um protótipo de um novo e regional Bolsonaro”, ataca.
Político versus delegado
Arquiteto e geógrafo, além de professor da Universidade Federal Rural da Amazônia, Rodrigues também foi deputado estadual em duas ocasiões, de 1987 a 1994, e entre 2011 e 2014. Ele se filiou ao PSOL em 2005, ano da fundação do partido, e desde 2015 ocupa uma vaga na Câmara dos Deputados.
Apesar de ser um velho conhecido na cidade, Rodrigues não tem apostado na nostalgia dos velhos tempos. Seu lema de campanha é “Belém de novas ideias”. Promete que, apesar das restrições financeiras do município, haverá uma “inversão de prioridades” em sua gestão, uma máxima também repetida por Guilherme Boulos na campanha de São Paulo.
Diante de uma economia dependente de serviços, com desemprego que atinge mais de 100.000 pessoas —20% a mais que no ano passado— e um nível alto de informalidade no trabalho, Rodrigues pretende dar novos passos nas políticas sociais. Assim como propõe outras candidaturas de esquerda, promete um programa de renda mínima para a população mais vulnerável e que vá além do Bolsa Família. Seu foco é nas mães solo, nos jovens desempregados ou com trabalho precário e na população negra e indígena. “Queremos fazer a complementação de quem já ganha o Bolsa Família e também chegar naquelas famílias que estão zeradas e não ganham nem isso, através de uma busca ativa dentro dos bairros”, explica.
— O senhor já foi prefeito por oito anos. O que traz de novo?
— Quando falamos em banco do povo e em conceder crédito, os empreendimentos não são de mesma natureza de 16 anos atrás. Pode ser que uma costureira ainda hoje esteja precisando comprar uma máquina de costuras, mas também que jovens desempregados talentosos precisem pensar em uma startup e precisem de investimentos.
Eguchi, por sua vez, também ataca o discurso do seu adversário. “Eu também sou professor, e nem por isso fico alardeando que sou professor. Eu tenho duas faculdades e nem por isso fico alardeando que tenho duas faculdades. Eu tenho pós-graduações e experiências internacionais, mas não sobrevivo da política”, conta Eguchi, que a todo momento busca se diferenciar de seu rival e do establishment político paraense. Nascido em 1963 em Tomé-Açu (PA) e formado em Economia e Direito, ingressou como delegado da Polícia Federal em 2007, chegando a participar de operações anti-corrupção que ocorreram na esteira da Operação Lava Jato.
Para combater os desvios de recursos, ele garante que vai investir em ouvidorias e apostar em uma “secretaria de controle interno” dentro de sua administração. Promete que nada será pago sem passar antes por auditoria. “A área de licitação será controlada por policiais federais com 30 anos de combate a corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de recursos. Nós sabemos de todos os detalhes das fraudes, do início ao fim”, afirma.
Seu discurso lavajatista, porém, tem um bode na sala na própria família. Seu irmão, o empresário Eduardo Eguchi, é investigado por crimes ambientais. Na última semana, a Justiça do Pará determinou o bloqueio de três milhões de reais de Eduardo pelo suposto cometimento de desvios de créditos florestais e desmatamento ilegal, segundo informou a revista Época. De acordo com a ação apresentada pelo Estado do Pará, Eduardo Eguchi tinha direito de exploração florestal, mas cometeu uma série de irregularidades. “A mais grave foi a comercialização de 151.819,3389m³ (99,91% do total autorizado) dos créditos florestais sem que houvesse extração que coincidisse com o valor comercializado. Ou seja, houve a pura venda de créditos florestais para terceiros, método conhecido para ‘esquentar’ madeira ilegal”, afirmava a ação.
Essas suspeitas vem sendo exploradas pela campanha de Rodrigues, que chegou a afirmar erroneamente —e a pedir desculpas um dia depois— que o irmão do delegado Eguchi havia sido preso. Questionado sobre o caso, o delegado afirma se tratar de um grande engano. “Ele vendeu uma empresa para um amigo de faculdade que achava que era correto. Como meu irmão é muito honesto, no dia que ele vendeu ele foi na junta comercial e na receita federal e já colocou novos sócios”, explica o delegado. “Ele também pediu para alterar o cadastro na Secretaria de Meio Ambiente, mas ela afirmou que era o comprador quem deveria fazer a alteração. Então, no cadastro ele constava como o dono da empresa. Quando a secretaria depois fez uma verificação e percebeu a empresa estava envolvida com crimes ambientais exportando madeira ilegal, eles foram lá no cadastro deles e jogaram no jornal o nome do meu irmão, falando que ele era dono de uma empresa que exportou milhões de dólares e desmatou tudo”, prossegue.
Algumas falas e propostas de Eguchi já renderam polêmicas. “Quem vai transformar Belém é o trabalhador, é o empresário. O trabalhador vai entrar com o serviço, com o emprego dele, mas o patrão é quem vai gerar riqueza”, disse em uma entrevista. Ele também prometeu que vai construir um prédio de 20 andares em uma parte histórica do centro de Belém, onde a legislação não permite construções do tipo, assim como tampar os canais da capital. “Tenho uma boa assessoria jurídica, ja refizeram os projetos. Fiquem tranquilos, o prédio vai entrar numa altura correta e os canais tampados serão os que podem ser tampados”. Questionado se isso não pode alagar a cidade, como vem repetindo opositores, ele repete seu mantra anti-corrupção: “Não tem nada a ver uma coisa com a outra e isso vai ser provado a partir de janeiro de 2021. Teremos uma gesto técnica e competente que a partir de janeiro vai mostrar para sociedade o que é trabalhar sem corrupção, sem bandalheira e com seriedade”.