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Eleições Brasil 2020
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

O efeito das eleições na (re)organização das forças políticas e em 2022

A fragmentação atual da esquerda não tem paralelo na experiência política brasileira das últimas décadas, e isso pode resultar em posição minoritária do campo na próxima eleição

eleitores do Amapá votam no primeiro turno, dia 15 de novembro.
eleitores do Amapá votam no primeiro turno, dia 15 de novembro.Myke Sena (EFE)
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Nas eleições de 2020, partidos da direita tradicional reafirmaram sua importância na política brasileira e apresentaram crescimento expressivo, não apenas nos pequenos municípios, mas também no grupo de cidades com mais de 200.000 eleitores. A compilação dos resultados revela três aspectos relevantes para 2022, que desde já merecem atenção, embora as eleições municipais difiram, em termos de lógica e organização, das nacionais: a) a direita tradicional mostrou-se bastante competitiva tanto no agregado, quanto nas maiores cidades; b) partidos do chamado Centrão aprofundaram sua interiorização, aproximando-se do MDB, líder inconteste nos municípios nas últimas décadas, e c) o campo da esquerda acumulou perdas no total de municípios, mas mostrou vitalidade naqueles com mais de 200.000 eleitores, onde obteve crescimento. O encerramento das eleições nas 57 cidades que disputarão o segundo turno não deve alterar de maneira significativa esse quadro. Além disso, o segundo turno não revela tanto quanto o primeiro as preferências do eleitor, já que nele as maiorias são construídas mais artificialmente em função dos chamados votos úteis. Analisar, portanto, os efeitos dessas mudanças já é tarefa útil e absolutamente necessária para o desenho de cenários futuros.

No campo da direita ou, mais amplamente, da centro-direita, DEM e PP foram os partidos que mais cresceram nesse pleito, considerados os cargos de prefeito e vereador. O crescimento do DEM foi de mais de 70%, enquanto o do PP de cerca de 40%. É o PP, no entanto, que reúne o maior número de prefeitos eleitos em primeiro turno, atrás apenas do MDB, partido de tradição municipalista há décadas, cuja performance atual não constitui ponto fora da curva. O desempenho do PP foi ainda melhor do que o do PSDB, em termos de prefeituras conquistadas.

O PSDB manteve bom desempenho geral e nos grandes municípios, mas com sinais de concentração eleitoral cada vez maior em São Paulo. MDB e PSDB, diga-se de passagem, partidos estruturantes da política brasileira até então, foram os dois que mais perderam prefeituras e votos nessas eleições. Partidos da esquerda também o fizeram, mas em menor escala.

Mais importante, o crescimento de DEM e PP expressa a derrota da direita mais radical. Os dois partidos, oriundos da antiga Arena, adaptaram-se bem ao pluralismo partidário e ao sistema político do presidencialismo de coalizão. Em contraste, PSL e Novo, os mais alinhados ao Governo de extrema direita, consideradas as votações nominais no Congresso, tiveram resultado pífio nas eleições. O PSL cresceu, a despeito da enorme queda de popularidade sofrida pela ruptura de Bolsonaro com a legenda, mas dificilmente se recuperará para as eleições de 2022. Em suma, a direita que teve bom desempenho nas eleições de 2020 não é a mesma que venceu o pleito de 2018.

O desempenho do DEM, particularmente, merece olhar mais cuidadoso. Nas décadas de 1980 e de 1990, sob a denominação de PFL, o partido se tornou um dos maiores do país, com base na sua estatura no interior, particularmente na região Nordeste. No entanto, desde o início dos governos Lula e do consequente fortalecimento do PT na região, sofreu reveses sistemáticos. Seus movimentos de reorganização partidária dos últimos anos e sua aproximação a importantes setores do empresariado urbano são explicações prováveis para o resultado eleitoral obtido. Soma-se a esses fatores a posição atual do partido de relativa independência com relação à figura de Bolsonaro (a despeito da convergência em pautas econômicas), e cresce a possibilidade de que o partido apresente um projeto presidencial alternativo ao da extrema direita em 2022. Com um crescimento significativo e homogêneo, o DEM cria condições, inclusive, de reorientar, de forma inédita, sua dinâmica de usual parceria com o PSDB, assumindo maior centralidade em eventual coligação para as próximas eleições. Até lá, no entanto, considerada também a proximidade da troca de comando na Câmara dos Deputados, pode-se esperar aumento significativo do custo do seu apoio ao Governo. O mesmo pode se reproduzir com o PP, uma vez que suas quase 700 prefeituras aumentam seu poder de barganha. Mas, se mantida a estratégia atual de Bolsonaro de aproximação com o Centrão, um cenário de maior protagonismo congressual do partido pode vir a ser favorável ao presidente.

Sobre o chamado Centrão, valem alguns comentários. Apesar de certa indefinição sobre partidos que compõem esse grupamento informal, caracterizado por vínculos ideológicos irrisórios (embora pautado por comportamento à direita do campo político), as oito legendas mais atuantes do grupo alcançaram resultados positivos. Além do benefício trazido pela própria falta de identidade e visibilidade política do grupo, tendo em vistas as características de eleições locais, é bastante provável que o fim das coligações em eleições proporcionais tenha sido decisivo para isso. A nova legislação cria incentivos para que os partidos lancem candidatos às prefeituras, estimulando, assim, o aumento de suas bancadas de vereadores, embora seja de se esperar, que, nos próximos anos, esse efeito não intencional da legislação dê lugar a fusão de legendas, a depender da capacidade competitiva das pequenos e do poder de atração das maiores.

Dos oito partidos do Centrão, além do já citado bom desempenho do PP, vale destacar também o PSD e o Republicanos. O PSD foi o segundo partido com maior número de candidaturas este ano, atrás apenas do MDB, e o terceiro com mais prefeitos eleitos no primeiro turno (650). De 2016 para 2020, o crescimento do partido foi pouco expressivo, mas de grande valia no processo de sua consolidação como nova força política nacional.

Por fim, resta observar a performance nas urnas dos partidos mais à esquerda, que, no cômputo geral, perderam menos do que a extrema direita, com destaque especialmente para aqueles de viés ideológico mais previsível e consistente no campo, a exemplo do PT e do PSOL. No geral, contudo, todos tiveram bons resultados em câmaras municipais mais do que em prefeituras. PDT, PCdoB e PSB, por exemplo, fizeram menos prefeitos do que em 2016, mas o PDT está na disputa pelo segundo turno em duas capitais (Fortaleza e Aracaju), o PSB em três (Recife, Rio Branco e Maceió), e o PCdoB em uma (Porto Alegre). O PSOL teve cerca de 6% a mais de votos na comparação com 2016, embora grande parte de sua votação em 2020 deva-se à candidatura de Guilherme Boulos. Em número de prefeituras, o partido cresceu, mas mantém-se em patamar comparativo muito baixo ―são 4 prefeitos eleitos em 2020, ainda que existam chances de eleição de mais dois (Belém e São Paulo). O crescimento foi suficiente para deslocar o PT em poucas, porém importantes cidades, como Florianópolis, Belém, e mesmo São Paulo, com a consolidação, em paralelo, de nomes de projeção nacional. O PT, por sua vez, partido da esquerda que reúne maior número de cadeiras eletivas e de filiados e tem presença ainda muito expressiva em movimentos sociais tradicionais, acumulou mais perdas do que em 2016, que já havia representado uma queda enorme com relação à 2012. Apesar disso, é a legenda que disputa mais vagas no segundo turno, estando no páreo em duas capitais (Recife e Vitória), bem como em grandes colégios eleitorais como Diadema, Contagem, Caxias do Sul, São Gonçalo e Juiz de Fora, entre outros. Do ponto de vista do total de votos, houve pequeno crescimento nessas eleições, fato significativo diante do aumento da abstenção eleitoral, pois revela que as perdas não foram distribuídas de forma homogênea. De modo geral, o partido perdeu espaço nos pequenos municípios, mas manteve vitalidade em grandes cidades, nelas permanecendo como principal força da esquerda.

Dada a conjuntura política atual, e o fato de que a esquerda nunca foi campo majoritário no Brasil, nem mesmo durante os governos de Lula e Dilma, quando MDB ou PSDB exerciam a liderança em prefeituras Brasil afora, os resultados atingidos por algumas legendas foram profícuos, inclusive do ponto de vista da inclusão de minorias sociais que, cada vez mais, exercerão pressão importante sobre o sistema político brasileiro. É preciso fazer a ressalva, contudo, de que a fragmentação atual da esquerda não tem paralelo na experiência política brasileira das últimas décadas. Os resultados municipais, nesse sentido, podem vir a impulsionar esforços para correção de rumos e produção de candidaturas coligadas competitivas nas próximas eleições. Caso contrário, a fragmentação excessiva tende a resultar em posição minoritária do campo em 2022.

Em resumo, 2020 nos revela um cenário de menor polarização, em que cresce a direita mais moderada, em detrimento da extrema direita mais do que da esquerda, com menor adesão do eleitorado a discursos e projetos antipolítica e antissistema. Tal resultado gera desafios adicionais ao Governo federal e, particularmente, a Bolsonaro. Faltam dois anos para as eleições presidenciais e uma série de variáveis, de maior ou menor controle, podem interferir nesse cenário, a economia sendo a mais importante delas. As eleições municipais, entretanto, ajudam a formar o quadro em que os arranjos políticos se darão daqui para frente.

Débora Gershon é cientista política na Poliarco Inteligência Política. Doutora (IESP/UERJ) e mestre em Ciência Política (IUPERJ), com pós-doutorado pela University of California, San Diego (UCSD), onde atuou como pesquisadora visitante. É também pesquisadora do Observatório Legislativo Brasileiro (OLB).

Leonardo Martins Barbosa é cientista político na Poliarco Inteligência Política. Doutor em Ciência Política pelo IESP/UERJ. É pesquisador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso (NECON) e do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), tendo ampla experiência em análise de cenários políticos, com foco em comportamento partidário e arena legislativa.

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