Como Covas vai retomar empregos sob a ameaça de segunda onda da covid-19 e sem auxílio emergencial?
Programa de Governo do tucano não aborda políticas de transferência de renda em 2021, ano no qual os efeitos econômicos da pandemia ainda devem se fazer sentir
Os efeitos da pandemia do novo coronavírus foram sentidos em praticamente todas as esferas da vida cotidiana, mas tiveram um impacto especialmente nocivo em duas áreas: a Saúde e a Economia. Pela primeira, a capital registra, até a quinta-feira (26), o saldo trágico de 400.716 casos confirmados de covid-19 e 14.304 óbitos causados pela doença, de acordo com a prefeitura― números recordes entre os municípios brasileiros. Mas o vírus também fez sentir seus efeitos no bolso. A cidade de São Paulo tem atualmente cerca de 937.000 pessoas desocupadas, ou 13,2% da população economicamente ativa, índice menor do que no mesmo período de 2019 (14,3%), segundo dados do IBGE. Mesmo assim a taxa é superior à média nacional (12,2%). Caso se reeleja, Bruno Covas (PSDB) e seus secretários Edson Aparecido dos Santos (Saúde), Philippe Duchateau (Fazenda) e a secretária Aline Cardoso (Desenvolvimento Econômico e Trabalho), terão que lidar com uma situação delicada em um momento no qual a sombra de uma segunda onda se avizinha antes mesmos da primeira ter terminado.
Em 2021, no momento em que o auxílio emergencial ficar para trás (tendo em vista que as últimas parcelas dos repasses federal e municipal terminam em dezembro e não há previsão no plano de Governo de Covas de ampliar o benefício) uma eventual gestão tucana irá focar na economia verde e criativa (que engloba gastronomia, lazer, entretenimento e inclusão social) para reativar a economia de São Paulo. Estas áreas não exigem grandes investimentos públicos ou obras, inviáveis neste momento de pandemia. “Pretendemos que o motor verde seja impulsionador da retomada econômica do pós-pandemia”, diz o plano do tucano. O sucesso dessa iniciativa vai depender do andamento da crise sanitária: até o momento Covas afirma que não existe uma segunda onda em São Paulo (apesar do aumento no número de internações nas redes pública e privada). Em função disso, o tucano diz não haver a a necessidade de novas restrições, tais como o fechamento do comércio.
Uma das apostas do tucano é a ampliação do programa Teia, que oferece “um ambiente de coworking gratuito, com toda a infraestrutura, wi-fi e sala de reuniões, para estimular o desenvolvimento de negócios, startups e criação de redes de empreendedores locais”. Para Aline Cardoso, secretária de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, a iniciativa oferece “não apenas infraestrutura, mas a qualificação empreendedora e acesso ao mercado: a pessoa que participa do Teia é impulsionada”. “Queremos oferecer aos jovens das periferias a infraestrutura desfrutada por um jovem da Faria Lima”, diz. Atualmente existem dez unidades em atividade.
Especialistas divergem quanto à eficácia deste modelo. Marcelo Marches, professor de Gestão Pública do Insper, afirma que este tipo de proposta “como política isolada” é insuficiente. “Estimulo à inovação e empreendedorismo precisam vir atrelados a investimentos em qualificação e crédito, principalmente. Caso contrário não são sustentáveis”, afirma o professor. O fomento a este setor é considerado importante para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. “O papel de um prefeito de uma cidade como São Paulo é atrair empresas com foco no setor de serviços e inovação. Empresas deste perfil são fundamentais”, afirma. “A prefeitura neste caso não gera o emprego ou a renda em si, mas dá condições para que estas iniciativas venham e permaneçam aqui, e desta forma ela pode investir naquilo que são suas atribuições mais diretas, como Saúde e Educação”.
O programa de Covas também prevê que cada macro região da cidade terá uma área 24 horas, para estimular a atividade noturna e a economia nos bairros. A iniciativa teria como ponto de partida o centro histórico da cidade. Para incentivar empresas a adotarem o turno prolongado, o prefeito informou que irá apresentar um projeto de lei que isenta por cinco anos o IPTU de negócios que participem do programa, de acordo com informações do jornal Folha de S.Paulo. Também haverá redução na alíquota do Imposto sobre Serviços de eventuais reformas nestes empreendimentos comerciais: de 5% para 2%.
Sem dar muitos detalhes, Covas também acenou com isenções de tributos para que empresas se instalem nas periferias da cidade, um projeto já apresentado em gestões anteriores, mas que nunca decolou de fato. “Precisamos reorganizar os 50 tipos de incentivos que temos para poder levar as empresas para os bairros distantes”, afirmou. “Não tem sentido você ter isenções fiscais para as pessoas investirem nas avenidas Berrini ou Faria Lima”, concluiu, se referindo à regiões nobres da cidade.
Por fim, o programa tucano aposta na continuidade e na manutenção de diretrizes já em vigor durante este mandato, como a promoção de novas privatizações (terminais de ônibus, serviço funerário e baixios de viadutos estão entre os alvos) e concessões, além do fomento a parcerias com a iniciativa privada. Não existe menção, nas 46 páginas do documento de plano de Governo, de um pacote mais robusto de retomada econômica. O texto ressalta, no entanto, que não contempla “tudo o que desejamos para o município e não se encerram com o protocolo da candidatura junto à Justiça Eleitoral”.
No Estado há um clima otimista quanto a uma retomada da economia no ano que vem. O secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, prevê que o Produto Interno Bruto de São Paulo crescer acima de 5% em 2021, após uma previsão de queda entre 2,0% e 2,5% este ano em função da pandemia.
A falta do auxílio
Ao contrário do rival Guilherme Boulos (PSOL), o prefeito e candidato à reeleição, Bruno Covas, não inclui em suas propostas e no plano de Governo nenhum mecanismo de transferência de renda nos moldes do auxílio emergencial para uma eventual próxima gestão. O dinheiro repassado pelo Executivo Federal para mais de 66 milhões de pessoas em condições de vulnerabilidade social e econômica (aproximadamente um milhão só em São Paulo) foi considerado fundamental para que esta parcela da população conseguisse sobreviver à crise. Na capital paulista, Covas agiu em parceria com a Câmara municipal para garantir a aprovação de um projeto que prevê o pagamento de 100 reais para um milhão de pessoas de outubro a dezembro —a proposta inicial, de Eduardo Suplicy (PT), previa que o benefício fosse por tempo indefinido, mas foi alterada pela base tucana na Câmara. “Essa é uma medida importante, no momento em que o auxílio federal será reduzido de 600 reais para 300”, afirmou à época o prefeito.
Apesar o otimismo do prefeito e do governador do Estado, a expectativa é de que em janeiro os reflexos da pandemia na área econômica ainda se façam sentir no ano que vem, ainda que em menor grau. Sem auxílio emergencial federal ou municipal, a situação de parte da população pode se agravar. A manutenção de um programa de renda mínima para 2021, exigiria, segundo Covas, uma discussão com o Legislativo, tendo em vista o impacto que a medida teria nas contas do Governo. “Os auxílios emergenciais existem para momentos de crise, eles são importantes. Mas nós buscamos soluções sustentáveis de apoio a essa população vulnerável, com o fortalecimento das frentes de trabalho [o prefeito pretende gerar mais de 49.000 empregos diretos com um novo programa habitacional] e apoio a microempreendedores”, afirmou ao EL PAÍS a secretária municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, Aline Cardoso. Ela destaca que políticas de auxílio “criam um peso no caixa que não é sustentável”.
A falta de um programa do tipo é criticada por alguns especialistas por colocar em risco desempregados e trabalhadores informais ou que perderam parte da renda, situação que abrange milhões de paulistanos. De acordo com pesquisa do Instituto Datafolha, mais da metade da população (52%) perdeu renda durante a pandemia, e a taxa de desemprego é superior a 13%. “Eu acho temerário não ter um plano de distribuição de renda. Boa parte dos candidatos apresentou versões de auxílio emergencial ou até uma proposta de renda mínima mais estável. Isso é importante em um momento no qual a pandemia tem tido um efeito bem devastador para grande parte da população”, afirma Marcelo Marches, professor do Insper. A professora da Universidade Johns Hopkins e economista Mônica de Bolle faz coro a Meches: “Ele [Covas] deixa de colocar o dedo na ferida no Governo dele ao não tocar um plano de renda básica”, que segundo ela seria fundamental para reduzir as desigualdades em um momento como esse.
Mas a responsabilidade fiscal, bandeira de Covas durante a campanha, poderia servir de justificativa para a falta de um auxílio em 2021. “Prefeitura e Estado não têm capacidade fiscal nenhuma além da arrecadação para fazer este tipo de proposta”, afirma Vale, da MB Associados. “Dependendo da crise que vier na segunda onda da pandemia no primeiro trimestre, é preciso fazer esta avaliação, e avaliar se existe de onde tirar o recurso. Na minha leitura essa ajuda emergencial deveria vir do Governo Federal, que tem muito mais facilidade para conseguir empréstimos”, diz.
A capital tem uma pequena iniciativa de renda mínima, mas que não dá conta da demanda especialmente em tempos de pandemia. Atualmente cerca de 12.800 pessoas participam do Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima Municipal, criado em 2001 pela então prefeita Marta Suplicy. O número é bem inferior ao milhão de beneficiários do auxílio emergencial na capital. No plano de Governo, Covas dedica apenas uma linha à iniciativa, dizendo que será “ampliada”, sem falar quantificar a população a ser atendida ou o recurso que será investido.
Na área da Saúde, Covas faz um aceno à população de rua em seu programa, ao propor transformar o Hospital da Santa Dulce dos Pobres (antigo Hospital Bela Vista) em unidade referência para o atendimento a esta população. Ele também pretende reabrir e ampliar o Hospital Sorocabana, e colocar em funcionamento de maneira integral os hospitais da Brasilândia e de Paralheiros. O prefeito também pretende criar o programa Avança Saúde, que prevê o investimento de 800 milhões de reais com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento para financiar 150 novos equipamentos (incluindo seis novas Unidades de Pronto Atendimento, as UPAs), e ampliar o acesso à telemedicina, com capacitação de 60.000 profissionais da área.
Com relação à pandemia, o plano de diretrizes prevê “consolidar a expansão da rede de saúde pública municipal, mantendo a ampliação da oferta de vagas, leitos e equipamentos, de maneira vigilante em relação aos riscos resultantes do novo coronavírus, com especial atenção ao pronto cuidado e à prevenção de doenças”. Apesar de alegar não haver segunda onda da covid-19 em São Paulo, Covas anunciou a abertura de 220 novos leitos para tratamento da doença na rede municipal. O secretário foi procurado pela reportagem para comentar o plano de Governo, mas não retornou.
Quem são os nomes forte de Covas na Saúde e Economia
Os secretários Santos (Saúde), Duchateau (Fazenda) e Cardoso (Desenvolvimento Econômico e Trabalho) devem continuar no cargo em um segundo mandato de Covas. Com exceção da última, que entrou no Executivo municipal em 2017 ainda sob a chefia de Doria, ambos assumiram as pastas em 2018, meses depois do então prefeito abandonar o cargo para disputar o Governo do Estado. Os três sobreviveram à uma mini reforma do secretariado feita por Covas em dezembro de 2019, na qual quatro titulares de pastas do primeiro escalão foram sacados.
Santos é político de carreira do PSDB: ex-deputado estadual e federal, é considerado homem forte de Geraldo Alckmin, de quem foi chefe da Casa Civil de 2011 a 2016. Ele chegou a ser alvo de críticas no início da pandemia por não ter formação em medicina durante uma grave crise sanitária -ele é formado em história. Apesar da falta de expertise médica, o secretário teve uma postura “científica” no trato com a pandemia, defendendo restrições e o isolamento social, chegando, por vezes a ter posturas mais duras do que as do Governo estadual. Ele também criticou algumas ações (ou inações) do presidente Jair Bolsonaro no trato com a pandemia, a quem acusou de ser “insensível” com a morte. Aparecido é apontado como o responsável por ter feito a articulação necessária para a implementação dos hospitais de campanha do Pacaembu e Anhembi, utilizados durante o auge da pandemia e já desativados.
O apreço de Covas por seu trabalho lhe garantiu a permanência no cargo até mesmo após se tornar réu em maio de 2019, por uma ação no qual o Ministério Público o acusa de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito envolvendo a compra e venda de um apartamento de luxo. O caso ainda não foi julgado, e uma eventual condenação poderia deixar Santos na corda bamba. O secretário nega qualquer irregularidade nas operações imobiliárias realizadas.
Já o titular da Fazenda, Duchateau, é um quadro mais técnico: bacharel e mestre em Economia pela Universidade de São Paulo, foi secretário adjunto na Fazenda do Governo do Estado de São Paulo de 2011 a 2014. Ele é defensor e entusiasta do programa de desestatização e parcerias público-privadas, bem como de uma política de austeridade fiscal.
A secretária Aline Cardoso tem pós-graduação em Relações Internacionais, e é vereadora licenciada pelo PSDB. É uma entusiasta da economia “não tradicional”, com foco em startups e empresas de inovação.