O silêncio do Supremo sobre ameaça de golpe de Bolsonaro contada pela revista ‘Piauí'
Planalto não reage a texto que relata que presidente anunciou "intervenção militar" para destituir Corte, mas foi dissuadido por auxiliar. Magistrados preferem não reanimar crise institucional
A reportagem publicada pela revista Piauí desenhava uma bomba. Um relato, que até agora não mereceu reação do Planalto, revela que o presidente Jair Bolsonaro ameaçou, em uma reunião com parte de seus assessores mais próximos, intervir militarmente no Supremo Tribunal Federal para depor os seus magistrados. No dia seguinte, os ministros que poderiam ser afetados pelo golpe nada dizem. Tampouco a cúpula do Congresso Nacional. O silêncio de autoridades que passaram semanas emitindo notas de repúdio a cada ataque presidencial contra instituições ou participação em atos antidemocráticos tem uma razão: ninguém quer voltar a tensionar com o Palácio do Planalto, justo em um momento em que o presidente tem reduzido a quase zero as afrontas institucionais.
Em Brasília, parece que apenas a oposição se importou ou leu a forte declaração que teria sido dada por Bolsonaro no dia 22 de maio ao saber que poderia ter o seu celular apreendido no âmbito de um inquérito do qual é alvo. “Vou intervir!”, disse ele, segundo a reportagem. O texto se baseia em depoimentos de testemunhas do encontro entre o mandatário e os ministros-generais Walter Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Governo), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Fernando Azevedo (Defesa), além de André Mendonça (Justiça) e José Levi (Advocacia-Geral). Havia um pedido feito por três partidos opositores para que o ministro relator da investigação, Celso de Mello, determinasse a apreensão do telefone. Mas ela não foi autorizada por Mello. Nem a intervenção foi realizada.
A tensão, contudo, durou algumas semanas, com Bolsonaro defendendo seus apoiadores que estavam sendo presos e investigados em operações judiciais, flertando com o golpe ao sinalizar que poderia recorrer a um artigo constitucional para interferir no Judiciário. Ainda houve uma nota assinada pelo ministro Heleno para advertir das consequências “imprevisíveis” para a “estabilidade nacional”, caso o celular de Bolsonaro fosse apreendido. Nos bastidores, contudo, os ministros-generais se reuniam com representantes do STF para dizer que nada de irregular aconteceria.
Nesta quinta-feira, dos 11 ministros do Supremo, o EL PAÍS conseguiu contato com seis deles ou seus interlocutores. Há uma espécie de consenso entre esse grupo de que o pior momento já passou na crise institucional provocada pelo Palácio do Planalto. A síntese feita por um deles foi de que as “bravatas do presidente” foram banalizadas e que, sempre que Bolsonaro ameaçava, falando para sua claque, os ministros militares estavam negociando com o Supremo e botando panos quentes na história. Por essa razão, agora fizeram uma espécie de “ouvidos moucos”. Outro ministro ainda falou que, apesar de o tema ser grave, era difícil se manifestar quando não havia registros oficiais do encontro, apenas relatos coletados por uma reportagem.
Entre as lideranças partidárias no Legislativo, apenas os opositores demonstraram algum incômodo com a fala destacada pela reportagem da Piauí. Procurados, os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não emitiram qualquer opinião sobre o tema. “Se confirmado o que foi relatado, é incompatível com regime democrático e com a Constituição brasileira a continuação do Governo Bolsonaro”, disse o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (REDE-AP). Ele apresentou um pedido de convocação dos ministros Braga Netto, Heleno e Mendonça para apresentarem seus relatos sobre os fatos.
A bancada do PSOL na Câmara, por sua vez, enviou um requerimento de informações para Casa Civil, GSI e Secretaria de Governo solicitando cópias dos e-mails de convocação da reunião, atas, registros fotográficos e em vídeo da reunião do dia 22. O objetivo final é embasar um pedido de impeachment, caso se confirme
Nas redes sociais, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal liderança do PT, criticou o silêncio de Maia e cobrou que ele dê andamento a um dos pedidos de impeachment que há contra Bolsonaro na Câmara. “Quem leu a Piauí sabe que o Bolsonaro considerou dar um golpe no STF. Ele acha que o Brasil é dele. Já passou do tempo de se votar o impeachment. São mais de 46 pedidos e o Rodrigo Maia não coloca nenhum em votação”, afirmou o petista no Twitter. Os líderes do Governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE) e no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO) não atenderam à reportagem.
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