Tribuna

No combate à desinformação, é preciso não ridicularizar o “conspirador”

As pessoas tendem a endossar e espalhar teorias conspiratórias estimuladas por um sentimento de impotência ou vulnerabilidade

Sara Winter, ativista de extrema direita que é investigada pela organização de atos antidemocráticos.Joédson Alves (EFE)

Desafio à parte no combate à desinformação e calcanhar de aquiles para as agências de checagem, as teorias conspiratórias são, na maioria das vezes, por natureza, “inchecáveis”. Mas um argumento que não pode ser refutado não necessariamente é verdadeiro. O The Conspiracy Theory Handbook, elaborado pelos pesquisadores Stephan Lewandowsky e John Cook, tenta explicar o fenômeno e mostrar seu...

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Desafio à parte no combate à desinformação e calcanhar de aquiles para as agências de checagem, as teorias conspiratórias são, na maioria das vezes, por natureza, “inchecáveis”. Mas um argumento que não pode ser refutado não necessariamente é verdadeiro. O The Conspiracy Theory Handbook, elaborado pelos pesquisadores Stephan Lewandowsky e John Cook, tenta explicar o fenômeno e mostrar seus riscos para a sociedade. Pessoas influenciadas por teorias conspiratórias tendem a apresentar uma diminuição na intenção de se engajar politicamente ou mesmo de reduzir suas pegadas ecológicas, no caso das teorias que envolvem, por exemplo, as mudanças climáticas.

As teorias da conspiração tentam explicar eventos como tramas secretas de pessoas poderosas. E, embora não tenham qualquer evidência ou suporte científico, elas continuam se propagando. Elas são identificadas por padrões de pensamento. Os pesquisadores encontraram sete traços do pensamento conspiratório: contradições na própria teoria, suspeitas em relação às versões oficiais, intenções nefastas, a ideia de que “alguma coisa deve estar errado”, vitimização, imunidade às evidências e reinterpretação aleatória dos fatos. Aprender esses padrões é essencial para inocular a nós mesmos e à sociedade contra os influência corrosiva das teorias da conspiração, especialmente em tempos de crise e de incertezas.

Uma pesquisa do Instituto Reuters, que analisou os tipos mais comuns de desinformação durante a pandemia, mostrou que as teorias da conspiração representam 17% dos conteúdos enganosos que circulam nas redes sociais. Escolha a sua preferida: o vírus é uma arma biológica criada pela China para dominar o mundo, o vírus é uma arma biológica criada pelos Estados Unidos para acabar com a economia chinesa, o vírus foi criado por farmacêuticas para vender remédios, a epidemia foi criada pelo capitalismo para acabar com os idosos ou o plano para a implantação em massa de microchips nos seres humanos.

O cardápio é vasto, mas uma em especial, que liga a tecnologia 5G ao coronavírus, se espalhou mais do que outras e extrapolou as fronteiras do mundo virtual. No Reino Unido, mais de 30 atos de vandalismo e ataques contra torres de 5G foram relatados pelo país. As companhias telefônicas locais registraram mais de 80 boletins de ocorrência de agressão aos seus técnicos. Autoridades locais dizem que os ataques foram incitados por postagens que afirmam que o 5G afeta o sistema imunológico das pessoas tornando-as mais vulneráveis ao vírus e que o vírus estaria sendo espalhado pela mesma faixa de frequência usada pela nova tecnologia. Nenhuma das afirmações tem respaldo científico. Essa teoria conspiratória não conseguiria explicar, por exemplo, como o Irã, que não tem 5G, foi um dos países mais afetados pela covid-19.

Paradoxalmente, aqueles que ateiam fogo nas torres de 5G com medo dos seus supostos malefícios acabam por provocar risco ainda maior à vida das pessoas. Tanto a população quanto o sistema de saúde dependem de uma Internet rápida para se comunicar.

A psicologia explica nossa atração por teorias conspiratórias. O cérebro humano funciona em busca de padrões e relações de causa e efeito. Por isso, muitas vezes criamos sentidos e significados em torno de eventos onde não há. Especialmente quando nossos vieses de cognição nos fazem construir histórias de maneira que sustentem aquilo que reforça as nossas crenças e a gente quer que seja verdade.

O pensamento de conspiração está associado a sentimentos de pouco controle ou ameaça. Quando as pessoas sentem que perderam o controle de uma situação, suas tendências conspiracionistas aumentam. Mas o oposto também se aplica. Quando as pessoas se sentem empoderadas, são mais resistentes às teorias da conspiração.

E como falar com um “teórico da conspiração”? Primeiro lembre-se que as pessoas tendem a endossar e espalhar teorias conspiratórias estimuladas por um sentimento de impotência ou vulnerabilidade. Elas dão explicações para eventos improváveis e funcionam como mecanismo para lidar com ameaças. Além de ser uma importante arma para disputa de narrativas políticas. Portanto, é fundamental não ridicularizar e mostrar empatia pelo “conspirador”. A busca por mensageiros confiáveis em comum e a reafirmação do apreço pelo pensamento crítico também são recursos produtivos.

Alana Rizzo e Clara Becker são jornalistas e cofundadoras do Redes Cordiais, projeto de combate à desinformação e aos discursos de ódio em redes sociais.

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