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Anistia Internacional acusa JBS de comprar gado criado em áreas protegidas da Amazônia

Relatório da ONG aponta que companhia brasileira não monitora seus fornecedores indiretos, que fazem "lavagem de gado" criado ilegalmente em reservas e terras indígenas. Empresa nega

Gado em uma propriedade dentro da Reserva Rio Ouro Preto, em Rondônia, em julho de 2019.
Gado em uma propriedade dentro da Reserva Rio Ouro Preto, em Rondônia, em julho de 2019.Anistia Internacional

Informe divulgado pela Anistia Internacional nesta quarta-feira (15) afirma que a empresa JBS, maior processadora de carne bovina do mundo, utilizou gados criados ilegalmente em áreas protegidas da Amazônia brasileira na sua cadeia de abastecimento. A ONG acusa a companhia brasileira de não monitorar os seus fornecedores indiretos de gado bovino, indicando ainda que alguns deles estão inseridos em um esquema de “lavagem de gado”, em que os animais criados em áreas ilegais são movidos antes da venda para fazendas intermediárias para fazer parecer que estavam em área legal, contornando os sistemas de monitoramento. A empresa nega.

A Anistia Internacional baseou-se em documentos oficiais de controle de saúde animal que mostram que a JBS adquiriu diretamente gado de uma fazenda na Reserva do Rio Ouro Preto, no Estado de Rondônia, em duas ocasiões em 2019. Além disso, no ano passado, comprou repetidamente gado de dois agricultores que operam fazendas ilegais em áreas protegidas e fazendas legais fora das zonas restritas de criação. “Um dos fazendeiros pasta ilegalmente gado na Reserva Rio Jacy-Paraná e outro no território indígena Uru-Eu-Wau-Wau (ambos em Rondônia)”, apontou a ONG.

Ao participar nos incentivos econômicos para o gado bovino criado ilegalmente em áreas protegidas, a JBS estaria contribuindo para abusos de direitos humanos dos povos indígenas e comunidades tradicionais residentes em reservas extrativistas, acusa a Anistia Internacional. “A JBS deixou de implementar um sistema de monitoramento efetivo em sua cadeia de fornecimento, inclusive de seus fornecedores indiretos. Ela precisa reparar os danos causados e imediatamente implementar sistemas para evitar que isso volte a ocorrer”, disse Richard Pearshouse, diretor de Crises e Meio Ambiente da ONG.

Questionada pela Anistia Internacional, a JBS respondeu que “não compra gado de qualquer fazenda envolvida na pecuária ilegal em áreas protegidas” e que adota “abordagem inequívoca de desmatamento zero em toda sua cadeia de fornecimento”. A companhia ressaltou ainda que “monitora de perto os seus fornecedores quanto à conformidade de todos os aspectos” da sua “Política de Compras Responsáveis” e “não identificou previamente quaisquer problemas relacionados a abusos de direitos humanos de comunidades indígenas ou outros grupos protegidos”. Ainda de acordo com a ONG, a JBS optou por não responder a uma questão sobre o monitoramento de fornecedores indiretos, afirmando que “a rastreabilidade de toda a cadeia de abastecimento de carne bovina é um desafio para toda a indústria e uma tarefa complexa”. Procurada pela reportagem, a empresa ainda não retornou.

Mais informações
AME1745. MANAOS (BRASIL), 22/05/2020.- Fotografía del 14 de mayo que muestra a una indígena que usa tapabocas con la inscripción "vidas indígenas importan", durante el funeral del cacique Messías Kokama, víctima del COVID-19, en el Parque de las Tribos, en la ciudad de Manaos, Amazonas (Brasil). La pandemia del COVID-19 se está atacando de una forma muy violenta a las comunidades indígenas de América, unas poblaciones que, en muchos casos, viven en el olvido de sus dirigentes, con escaso apoyo de los sistemas sociales de protección y ajenos a los servicios de salud. El coronavirus SARS-CoV-2 está dejando miles de infectados y muertos en las comunidades nativas del continente, con un especial énfasis en la región amazónica sudamericana, donde la red sanitaria de países como Brasil, Colombia, Ecuador y Perú ya está colapsando por la alta cantidad de pacientes, muchos de ellos de pueblos originarios, que están llegando a sus instalaciones. EFE/ Raphael Alves ARCHIVO
Na Amazônia, sem lei nem ordem
FILE PHOTO: Brazil's Environment Minister Ricardo Salles looks on during a ceremony to sign a memorandum of understanding on cooperation in urban sustainability with the U.S. Administrator of the Environmental Protection Agency Andrew Wheeler (Not pictured) in Brasilia, Brazil January 30, 2020. REUTERS/Adriano Machado/File Photo
Entidades ambientais fazem ofensiva judicial contra políticas do Governo Bolsonaro
Una zona de la Amazonia deforestada en una vista aérea tomada en agosto pasado en la reserva biológica de Altamira.
Amazônia perde 9.700 quilômetros quadrados em um ano, maior desmatamento da década

O Brasil tem atualmente 214 milhões de bovinos, mais do que qualquer outro país. Nos últimos anos, a região amazônica registrou o maior crescimento na indústria pecuária brasileira. Desde 1988, o número de bovinos na região quadruplicou para 86 milhões em 2018, representando 40% do total nacional, segundo dados da ONG. Parte dessa expansão vem destruindo grandes áreas de floresta protegida situada em terras indígenas e reservas extrativistas. Ao todo, 63% da área desmatada entre 1988 e 2014 virou pastagem para gado bovino —uma superfície que é cinco vezes o tamanho de Portugal.

O desmatamento crescente na Amazônia atingiu em junho deste ano a maior destruição registrada em 5 anos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os dados aumentam a pressão sobre Governo de Jair Bolsonaro, em um momento de forte cobrança de investidores estrangeiros por ação mais efetiva contra a destruição da floresta. Alguns países europeus já sugeriram que a União Europeia suspenda a compra de carnes do Brasil e até mesmo não leve adiante o acordo comercial entre o Mercosul e o bloco europeu caso o Brasil não tome providências para proteger a floresta amazônica.

Cerca de três quartos da carne bovina brasileira é consumida no país, mas o quarto remanescente vai para outros países. Os principais destinos da carne brasileira incluem China, Hong Kong, Egito, Chile, União Europeia, Emirados Árabes Unidos e Rússia.

Aumento da atividade de pecuária ilegal em reservas de Rondônia

A Anistia Internacional visitou três locais em sua investigação: a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e as reservas extrativistas Rio Jacy-Paraná e Rio Ouro Preto, todas no Estado de Rondônia. A organização não encontrou qualquer evidência que indicasse envolvimento direto da JBS em abusos de direitos humanos nos três locais investigados. Contudo, em todas as três áreas, recentes apropriações ilegais de terras levaram a uma perda de terras tradicionais, protegidas pela legislação brasileira.

Dados do órgão estadual de saúde animal de Rondônia (IDARON), levantados pela organização, mostram um forte aumento na pecuária comercial em áreas protegidas do Estado. De novembro de 2018 a abril de 2020, o número de bovinos aumentou 22%, de 125.560 para 153.566. Informações do IDARON também mostram que ao longo de 2019 foram transferidos 89.406 bovinos de fazendas situadas em áreas protegidas em que a pecuária bovina comercial é ilegal. A grande maioria desses animais é enviada para outras fazendas antes de ir para o abate. Isso significa que mesmo o gado bovino de fazendas em situação legal pode ter sido criado anteriormente de modo ilegal em áreas protegidas.

O gado bovino brasileiro frequentemente é transferido entre diferentes fazendas. As que vendem gado aos frigoríficos são chamadas de fornecedores diretos, e outras em que o gado pastou antes disso são conhecidas como fornecedores indiretos. Pesquisadores estimam que entre 91% e 95% das fazendas compram gado de fornecedores indiretos. A Anistia Internacional, em colaboração com a ONG Repórter Brasil, analisou documentos oficiais de controle de saúde animal que revelam que a JBS comprou gado bovino diretamente de uma fazenda situada na Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto em duas ocasiões em 2019.

Além disso, em 2019 a JBS comprou gado bovino várias vezes de dois fazendeiros que operam tanto fazendas ilegais em áreas protegidas, quanto fazendas legais fora dessas áreas. Um dos fazendeiros cria gado ilegalmente na Reserva Extrativista do Rio Jacy-Paraná e o outro na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Em ambos os casos, os fazendeiros registraram movimentações de gado bovino de uma fazenda no interior de uma das áreas protegidas para uma fazenda fora da área protegida e, em seguida, registraram movimentações separadas de gado bovino da fazenda legal para a JBS. Em duas ocasiões, a segunda movimentação foi registrada apenas minutos após a primeira. As duas movimentações envolveram um número idêntico de animais, da mesma faixa etária e do mesmo sexo. Os animais tinham mais de 36 meses de idade, uma faixa etária comum do gado bovino que é levado para o abate. De acordo com especialistas, isso pode ser indício da prática de lavagem de gado.

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