Bolsonaro amplia uso da cloroquina admitindo que pode não ter eficácia e trazer efeitos colaterais graves

Protocolo do Ministério da Saúde agora vale para casos com sintomas leves. E exige que pacientes assinem termos se responsabilizando por riscos

Presidente Jair Bolsonaro, no Palácio da Alvorada.Eraldo Peres (AP)

Em um novo protocolo, em que admite que não há comprovação de eficácia e assume a possibilidade de riscos colaterais graves da cloroquina, o Governo de Jair Bolsonaro mudou nesta quarta-feira a orientação para médicos que tratam pacientes com a covid-19. O documento assinado pelo Ministério da Saúde, pasta ainda sem um ministro oficial, afirma que a droga pode ser receitada até no caso de sintomas leves da doença. Para isso, entretanto, o paciente precisa assinar um termo de consentimento, que afirma expressamente que ele sabe que não há estudos conclusivos de que a cloroquina melhoraria seu quadro de saúde e conhece os inúmeros efeitos colaterais que o medicamento pode causar, como problemas cardíacos, disfunção do fígado e problemas de visão.

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A pasta liderada pelo general Eduardo Pazuello desde a saída do ministro Nelson Teich há menos de uma semana já autorizava, desde a gestão de Luiz Henrique Mandetta, o uso do medicamento desde que médico e paciente assumissem juntos os riscos de efeitos colaterais. Seguia um parecer técnico do Conselho Federal de Medicina, que autoriza a prescrição da cloroquina em caso excepcional e diante da falta de medicamentos eficazes para tratamento da covid-19, mas não a recomenda. Tanto Mandetta quanto seu sucessor Teich orientavam que apenas casos graves fossem tratados com o medicamento, dentro dos hospitais, onde há estrutura para fazer o monitoramento do paciente caso ele apresente arritmia cardíaca, por exemplo. Mas nas últimas semanas, Bolsonaro elevou a pressão para mudar o protocolo, culminando com a demissão de seu segundo ministro da Saúde. Ainda no início da crise, o presidente havia determinado um salto na produção do medicamento pelo Exército.

O presidente ―que tem defendido repetidas vezes a necessidade de reabrir a economia mesmo quando a curva de contágios ainda segue crescente e o país já ultrapassa o registro de 1.000 mortes diárias― tem dito que cabia a ele a decisão e que, embora no futuro a ciência possa concluir que a cloroquina tinha apenas um efeito placebo, ele quer que o próprio paciente decida se será tratado com o medicamento. Bolsonaro não comentou os efeitos colaterais graves que a cloroquina pode causar e voltou a polarizar seu uso. “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma Tubaína”, chegou a declarar, rindo, em uma entrevista online a um jornalista nesta terça-feira (19).

O documento divulgado pelo Ministério da Saúde não obriga médicos a prescreverem a cloroquina, mas dá uma mensagem expressa com orientações para o seu uso. A pasta traz uma classificação de quais são os sintomas leves, moderados e graves da covid-19. E estipula a dosagem e o número de dias para o uso do medicamento. Argumenta que ainda não há medicamentos com eficácia comprovada e que já há hospitais privados com protocolos próprios, então a ideia é ampliar o uso da cloroquina no SUS.

Especialistas ouvidos pelo EL PAÍS rechaçam que haja benefício no uso precoce do remédio e há unidades de saúde, como o Hospital das Clínicas, que não o utilizam sequer nos casos graves, já que não há estudos que embasem sua eficácia. Os Estados Unidos ―país citado várias vezes por Bolsonaro como exemplo no uso do medicamento― já retiraram a recomendação do uso de altas doses de cloroquina para o tratamento da doença fora de hospitais. Na última segunda-feira, a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) desaconselhou o uso do medicamento, “visto que diferentes estudos mostram não haver benefícios para os pacientes” que a utilizaram e devido aos efeitos colaterais (principalmente problemas cardíacos) que podem levar à morte dos pacientes.

A orientação para o uso da cloroquina associada a outros medicamentos é o primeiro de três pontos que o Ministério da Saúde está revisando para o manejo de pacientes com o novo coronavírus. Além do uso de fármacos, o Ministério deve dar novas orientações relacionadas ao uso de equipamentos e recursos humanos. Por enquanto, a pasta só divulgou a primeira parte das novas orientações. “O Ministério da Saúde está consolidando as orientações para o manejo de pacientes com a covid-19”, diz a pasta.

Erramos: No texto inicial, havíamos publicado que o medicamento poderia ser prescrito antes do resultado do exame da covid-19. Mas o documento do Ministério da Saúde afirma que “o uso das medicações está condicionado à avaliação médica, com realização de anamnese, exame físico e exames complementares, em Unidade de Saúde” e que “os critérios clínicos para início do tratamento em qualquer fase da doença não excluem a necessidade de confirmação laboratorial e radiológica”.

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