A missão de Bruno Covas: evitar em São Paulo o colapso que vive Guayaquil, no Equador
Prefeito da capital paulista usa coletivas diárias para ‘implorar’ aos moradores que evitem sair de casa, enquanto a cidade ainda está longe da meta de isolamento social, de 70%
O prefeito de São Paulo tem uma missão: quer evitar de qualquer maneira que as horripilantes cenas vividas na cidade de Guayaquil, no Equador se repitam, em grande escala, em sua cidade, um monstro de arranha-céus, avenidas e 12 milhões de habitantes. Antes da pandemia, Bruno Covas enfrentava aos 40 anos um duplo desafio: curar-se de um câncer agressivo detectado pouco antes e batalhar pela reeleição. As eleições de outubro parecem agora tão distantes como janeiro, quando quase ninguém poderia imaginar que um inimigo microscópico paralisaria o planeta. A obsessão de Covas é que a megalópole respeite a quarentena para evitar um colapso como o da cidade equatoriana, com cadáveres sem ser recolhidos durante dias de suas casas. “Se as pessoas não ficarem em casa podem se repetir aqui cenas como as vistas fora (do Brasil) e aqui, em Manaus e Belém”, alertou, na semana passada.
Bruno Covas É o neto mais velho da família Covas, herdeiro de uma das dinastias políticas mais tradicionais do Brasil. Quando criança conviveu com seu avô quando foi governador e senador. Ele mesmo, antes de chegar à Prefeitura em 2018, havia sido deputado estadual e federal. Tudo parecia encaminhado. Divorciado e pai de um filho, começou a praticar esportes e musculação. Emagreceu. Começou a se vestir com roupas jovens. Raspou o cabelo e deixou uma barba que agora a quimioterapia também levou. O prefeito enfrenta dias decisivos em sua vida política e pessoal, sempre próximo do governador de São Paulo, João Doria, também do PSDB e a quem substituiu na cadeira de prefeito.
Juntos forjaram, com outros governadores e prefeitos, um contrapeso ao presidente Jair Bolsonaro para lidar com a pandemia. Árdua missão porque a batalha política pela quarentena é feroz. O Brasil não tinha 50 mortos entre seus 210 milhões de habitantes quando as autoridades estaduais ordenaram um fechamento. O drama em Madri e Nova York estava em todas as televisões. Mas as contraditórias mensagens dos políticos confundiram os brasileiros, algo letal em uma pandemia, dizem os especialistas. Nessa conjuntura, Covas recorreu a Guayaquil. Divulgou um vídeo aterrorizante e anunciou a abertura de 13.000 túmulos nos cemitérios municipais. “Se o presidente colaborasse orientando as pessoas a ficar em casa, talvez não tivéssemos um índice de isolamento de 48%”, declarou na quinta-feira da semana passada. Nesta segunda-feira, o Governo estadual anunciou que aumentou a adesão à quarentena ―o isolamento social na capital foi de 58% no domingo, bem acima da semana anterior, mas ainda abaixo da meta mínima, de 70%.
De qualquer modo, o panorama mudou desde os primeiros dias, quando milhões ficaram em casa. Os museus, os parques, os estádios fecharam. Desapareceram de repente os congestionamentos. Foi quando dispararam os pedidos de refeições em domicílio e Valéria Coelho, 28 anos, começou a ganhar muito mais dinheiro em menos horas com sua moto. Esse aumento acabou, diz enquanto espera na Avenida Paulista o próximo pedido. A demanda diminuiu e os entregadores aumentaram, gente que ao ficar sem trabalho ganha a vida com uma mochila quadrada nas costas. O Brasil viu a pandemia chegar. Ainda não se sabe se a margem que teve para se preparar será suficiente para evitar uma catástrofe.
Prefeito e governador utilizam seus pronunciamentos quase diários para implorar à população que fique em casa, acompanhados sempre do infectologista que lidera a equipe de assessores médicos. Um comitê criado no mesmo dia em que foi detectado o primeiro caso, no final do Carnaval.
Enquanto luta contra o coronavírus, Covas continua seu tratamento contra o câncer na cárdia (entre o esôfago e o estômago). Agora recebe imunoterapia. E, diante da crise da covid-19, mudou-se para a Prefeitura. A sede, no Edifício Matarazzo, simboliza a pujança dos industriais que transformaram São Paulo no coração econômico do Brasil. As ruas que o cercam no centro histórico são, por outro lado, a viva imagem da desigualdade enraizada. Em suas calçadas dormem muitos dos 24.000 sem teto da cidade. A Prefeitura instalou sanitários para eles, mas não chuveiros. Comem graças às doações, diz Cláudio, 52 anos, que atende o posto de higiene.
Em outras regiões de São Paulo, com cada vez mais tráfego, mas calçadas semidesertas, a única aglomeração é a fila do banco. São solicitantes da renda básica do coronavírus que não conseguiram completar os trâmites pela Internet e precisam dos 600 reais para comprar comida.
Como os contágios se aceleram e o Brasil aparece como o próximo grande epicentro da pandemia, a partir de segunda-feira a máscara é obrigatória para os três milhões de passageiros diários que ainda utilizam o transporte na cidade de São Paulo. Relaxar o fechamento do comércio a partir do dia 10 de maio foi descartado. Covas irá fechar grandes avenidas ao tráfego. Se a persuasão não funcionar, bloqueios e multas. As UTIs da Grande São Paulo estão com quase 70% de ocupação. Mas em todo o Brasil já eram ao menos 7.288 mortos, sendo 2.654 vítimas no Estado de São Paulo. Isso pela contagem oficial, muito menor do que a real de acordo com indícios como os mortos por pneumonia e os enterros.