Escalada da crise do coronavírus deixa mais de mil à espera de leitos no Rio e faz São Paulo cogitar levar doentes para o interior
Com 400 novas mortes confirmadas pelo terceiro dia seguido, Bolsonaro volta a culpar governadores e desdenha do isolamento. Ministro da Saúde muda discurso e defende manutenção da quarentena
O Brasil registrou nesta quinta-feira o terceiro dia consecutivo com mais de 400 mortes notificadas por covid-19: foram 435 óbitos confirmados em 24 horas, totalizando 5.901 falecimentos, de acordo com o Ministério da Saúde —o país tem 85.380 casos confirmados e 35.935 pessoas curadas—. No mesmo dia, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Governo Federal “fez de tudo” para conter a crise do novo coronavírus no país e acusou prefeitos e governadores de uso político da pandemia. Ao comentar a escalada de mortes causadas pelo vírus, em relação a qual ele questionou “e daí?” no início da semana, o presidente insistiu que cabe aos Governos locais gerir os recursos liberados e tomar medidas. “Governadores e prefeitos que tomaram medidas bastante rígidas não achataram a curva”, afirmou, sem qualquer evidência, referindo-se a São Paulo e Rio de Janeiro, que começam a enfrentar uma escalada de casos e chegam próximos à ocupação máxima de seus equipamentos de saúde. Especialistas arfimam que as medidas de isolamento social contribuíram para que o número de vítimas não fosse maior e até o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, mudou de discurso.
“Ninguém está pensando em relaxar o isolamento. Neste momento, ninguém está pensando em flexibilizar nada”, disse o ministro em coletiva de imprensa. “Temos uma diretriz pronta, um ponto de partida, mas não dá para você começar uma liberação (social) quando você tem uma curva em franca ascendência", acrescentou. “Hoje estamos em 435 [confirmadas nas últimas 24 horas], o número de 1.000, se tivermos um crescimento significativo na pandemia, é possível acontecer. Não quer dizer que vai acontecer", seguiu. De acordo com um estudo do Imperial College de Londres, o Brasil pode registrar 9.700 mortes por covid-19 até o próximo domingo e tem, neste momento, a pior situação do mundo com o número de casos “em provável crescimento” e um registro “muito grande” de óbitos. A previsão mais otimista da instituição era de 5.600 óbitos até o fim desta semana, um número já ultrapassado pela realidade brasileira.
São Paulo pede ajuda e no Rio há mais de 1.000 pesssoas
No Rio de Janeiro, o segundo Estado mais afetado pela pandemia, com 854 mortes e 9.453 casos de covid-19, a projeção feita pelas autoridades é alarmante. Mais de mil pacientes —361 deles em estado grave— com sintomas compatíveis com a doença aguardavam, nesta quinta-feira, por uma vaga em UTI ou enfermaria. Edmar Santos, secretário estadual da Saúde, disse em entrevista ao portal G1 que trabalha com a “base” de 140 mil pessoas infectadas, o que projeta a necessidade de 21 mil leitos de enfermaria e sete mil de CTI nas próximas duas semanas. O Estado só dispõe na rede pública de pouco menos de 4.000 vagas. “Obviamente, isso é matematicamente impossível”, lamentou.
No Estado de São Paulo, o mais afetado pelo coronavírus —com 28.698 casos confirmados e 2.375 óbitos—, a taxa de ocupação dos leitos de UTI na capital e região metropolitana para tratar pacientes com covid-19 chegou a 89%. Por conta disso, o secretário da Saúde, José Henrique Germann, hospitais do interior do Estado serão utilizados para tratar os doentes da região da Grande São Paulo. Sem apresentar provas, Bolsonaro acusou o Governo de João Doria (PSDB) de inflar o número de mortes para fazer uso político da crise. “É o governador ‘gravatinha’ fazendo politicalha”, desdenhou.
Membros do Comitê de Contingência do Coronavírus em São Paulo reuniram-se com o ministro da Saúde para pedir quatro milhões de testes rápidos, 100 respiradores para o Hospital das Clínicas já nos próximos dias e repasse de 292 milhões de reais para habilitar 2049 leitos de UTI, além de máscaras e equipamentos de proteção individual (EPIs).
Embora o Governo do Estado prepare um plano de retomada de algumas atividades a partir do dia 10 de maio, a capital paulista não flexibilizará as medidas de isolamento, conforme afirmou o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido. Ele argumenta que a cidade ainda não está preparada para o adotar essa medida e disse que a equipe do prefeito Bruno Covas estuda endurecer a quarentena em algumas áreas da cidade, com a possibilidade de bloquear avenidas. “Já é uma decisão tomada. Nós não temos como relaxar as medidas de isolamento social a partir do dia 10 de maio. Na capital é absolutamente impossível”, disse, em entrevista à TV Globo na manhã desta quinta.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lançou carta nesta quinta cobrando do Governo Bolsonaro e do Ministério da Saúde ações mais ações contundentes para traçar um plano emergencial contra a pandemia. O grupo, que engloba mais de 40 entidades científicas, diz que “se nada for feito nos próximos dias, os pronunciamentos do ministério se resumirão a informar o número de mortos”. “Há um plano para o uso dos leitos hospitalares de modo integrado? Diversos países fizeram a integração das redes hospitalares públicas e privadas por decisões dos governantes, com ótimos resultados na distribuição e atendimento dos doentes mais graves”, questiona a entidade.
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