Moro e Ciro duelam nas redes para capitalizar fim do motim de policiais no Ceará
Governador agradece Exército sem citar presidente. Coronel da Força Nacional, casado com bolsonarista, elogia amotinados. Ausência de condenação do Governo federal a greve ilegal foi lida como apoio
A guerra política desenhada durante a crise de segurança do Ceará permanece latente nos bastidores, mesmo depois que policiais militares decidiram encerrar o motim no Estado no domingo. Enquanto agentes de segurança retomavam suas atividades após uma paralisação de 13 dias ―período no qual o número de homicídios triplicou no Estado, tornando o mês de fevereiro o mais violento dos últimos dois anos no Ceará―, o ex-presidenciável Ciro Gomes, o ministro Sergio Moro e até o presidente Jair Bolsonaro trocavam alfinetadas públicas e reivindicavam a paternidade do fim do impasse. A crise já vinha sendo explorada exaustivamente por políticos locais e nacionais nas últimas semanas, e a queda de braço travada na seara da disputa política entre eles movia diretamente o tabuleiro de decisões tomadas dentro dos quartéis.
Ciro Gomes vinha subindo o tom contra o presidente Jair Bolsonaro desde o ápice de tensão da crise, quando seu irmão, o senador Cid Gomes, acabou baleado ao tentar invadir um quartel com uma retroescavadeira para barrar o movimento. Verborrágico, Ciro passou a chamar o presidente diretamente de “miliciano” e “canalha-mor”. Viu no episódio uma oportunidade de também ganhar espaço como voz antagonista ao bolsonarismo. Ao comemorar a assinatura do acordo com policiais amotinados nesta segunda-feira, provocou o ministro Sergio Moro. “Aprende, Bolsonaro e seu capanga Moro: no Ceará está o seu pior pesadelo! Generais, aqui manda a Lei!”, publicou no Twitter.
Moro reagiu à declaração, numa ação que lhe é pouco usual. Criticou a exploração política do episódio ao mesmo tempo em que reivindicou para si e para seu chefe, Jair Bolsonaro, a paternidade da solução à greve ilegal. Argumentava que o impasse havia sido resolvido “apesar dos Gomes”, em referência a Ciro e Cid. “A crise no Ceará só foi resolvida pela ação do Governo Federal, Forças Armadas e Força Nacional que protegeram a população e garantiram a segurança”, argumentou. No dia anterior, o ministro da Segurança Pública já havia dito que a saída à crise ocorreu com “bom senso” e “sem radicalismos”. Embora venha usando ativamente dados de segurança para prestar contas de seu trabalho, Moro ignorou os mais de 200 homicídios contabilizados nos dias de paralisação, que tornaram este mês de fevereiro o mais violento dos últimos dois anos no Ceará.
Nem Moro nem Bolsonaro chegaram a condenar publicamente o movimento dos policiais cearenses, que ganharam os holofotes no país pela possibilidade de provocarem um efeito cascata violento em outros estados. Nos últimos dias, o ex-juiz afirmou que a greve era ilegal. Mas defendeu que os policiais não poderiam ser tratados como criminosos. “Explorar politicamente o episódio, ofender policiais ou atacá-los fisicamente só atrapalharam. Apesar dos Gomes, a crise foi resolvida”, reforçou.
Ciro Gomes voltou às redes sociais para criticar a postura de Moro durante a paralisação. “Todo mundo viu, capanga de miliciano, seu papel feio e covarde no motim do Ceará”, disparou. Jair Bolsonaro, por sua vez, saiu em defesa de seu ministro e ironizou a verborragia de Ciro Gomes, que também já havia trocado farpas com Eduardo e Carlos Bolsonaro nas últimas semanas, inclusive lhes questionando publicamente sobre escândalos envolvendo a família presidencial, como a investigação sobre a suposta rachadinha de salários de servidores no gabinete de Flavio Bolsonaro. “Não somos psiquiatras! Parabenizo o ministro Moro e envolvidos!”, afirmou.
Atos e declarações do presidente Jair Bolsonaro e do ministro Sergio Moro vinham sendo interpretados como um apoio indireto dentro dos quartéis. Bolsonaro, que também participou de motim quando estava na ativa militar, entrou na política tendo como base os profissionais de segurança. Em uma live na última quinta-feira, deixou dúvidas se renovaria o decreto de Garantia de Lei e Ordem que garantia a presença de quase 3.000 agentes das Forças Armadas para o patrulhamento no Ceará, um pedido feito pelo governador cearense para ter tempo de negociar em meio a uma população amedrontada e ao crescimento dos índices de violência. "A GLO no Ceará vence amanhã. Os oitos dias da GLO. A gente espera que o governador resolva esse problema da Polícia Militar aí do Ceará e que bote um ponto final nessa questão”, pressionou.
A afirmação acendeu um alerta em outros governadores, que temiam que o movimento se alastrasse no país. Eles então decidiram oferecer ao Ceará o apoio de suas próprias polícias, caso o presidente negasse a permanência do Exército. Bolsonaro cedeu, mas acabou levando Camilo Santana a enrijecer o trato contra os policiais. O governador tentou aprovar às pressas, no fim de semana, uma Proposta de Emenda à Constituição que veta a possibilidade futura de anistia, a reivindicação mais sensível aos policiais amotinados. Um deputado bolsonarista, André Fernandes, pediu vista.
A proposta que será votada nesta terça-feira (3) foi um dos maiores instrumentos de pressão usados por Camilo, mas, na prática, pouco influenciava nesta greve ilegal. Atualmente, cabe ao próprio governador decidir se iria anistiá-los. De todas formas, Camilo deixava claro que não livraria os agentes de responderem pelos atos praticados durante a paralisação, que terminou depois de um acordo de que instituições fora do Estado (como Defensoria Pública e OAB) acompanharão cada caso para evitar perseguições. Os 46 policiais que haviam sido presos por motim foram liberados após audiência de custódia nesta segunda-feira.
O governador Camilo Santana, visto pelos setores ideológicos da PM como inimigo a ser combatido e aliado de Ciro e Cid Gomes, não mencionou o presidente Bolsonaro em nenhum dos dois pronunciamentos públicos que fez depois do fim do motim. Agradeceu o apoio das polícias estaduais e das Forças Nacionais durante o impasse e disse que é importante a presença do Exército até o fim da GLO renovada, na sexta-feira, para que haja tempo de reaver as viaturas sequestradas pelos manifestantes e reorganizar a atuação das tropas.
Diretor da Força Nacional elogia amotinados
No momento em que já não havia mais margens de negociar ―como destacaram representantes do Judiciário aos policiais aquartelados pouco antes da votação que definiria o rumo da greve― coube a um personagem inusitado e com ligações bem próximas bolsonarismo tentar animar os amotinados. O coronel Antônio Aginaldo de Oliveira, diretor da Força Nacional e marido da deputada paulista Carla Zambelli, chamou os PMs do Ceará de “corajosos” e “gigantes” por terem paralisado as atividades. “Encerrando essa participação aqui hoje, vocês sairão do tamanho do Brasil”, afirmava, enquanto pedia bom senso para que a insegurança que afligia a cidade não chegasse a amigos e irmãos.
Seu discurso conciliador foi ouvido, mas a decisão de encerrar o motim desagradou bolsonaristas locais. A dificuldade de reconquistar a opinião pública desde o episódio com Cid Gomes já tinha afastado políticos como capitão Wagner, o único nome até então posto para a corrida eleitoral à Prefeitura de Fortaleza. A radicalização da ala mais ideológica da polícia também cresceu em detrimento de políticos locais que haviam sido eleitos na esteira de greves anteriores.
Todos, no entanto, evitam falar em derrotas políticas. “Se for olhar pelo lado político, já não é muito atrativo porque não tem apoio popular”, afirma Sargento Ailton, vereador bolsonarista de Sobral, que chegou a ser expulso do partido pelo seu protagonismo no movimento e no conflito com Cid Gomes. Ele quer disputar as eleições deste ano. Enquanto isso, o Ceará tenta retomar a normalidade. A escola estadual que havia sido ocupada pelos grevistas em Fortaleza ―assim como batalhões da capital e do interior― foram desocupados ao longo da madrugada. As aulas na escola Bezerra de Menezes serão retomadas já na próxima terça-feira, e a direção analisa como fará a reposição dos dias em que cancelou as atividades como medida de segurança por conta da proximidade com o quartel ocupado.