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Impeachment contra Trump dá a largada com depoimento demolidor de embaixador

O diplomata William Taylor aponta, no início das audiências televisionadas, as pressões sobre a Ucrânia para realizar uma investigação sobre Biden e destaca o papel do presidente

Amanda Mars

A fase pública e televisionada do processo de impeachment contra Donald Trump começou nesta quarta-feira no Congresso com o devastador testemunho do principal representante dos Estados Unidos na Ucrânia, William B. Taylor. O diplomata veterano relatou durante uma sessão de quase seis horas, cheia de expressões como "alarme", "loucura", "preocupação", toda uma série de manobras do presidente para levar o governo de Kiev a investigar seu rival político Joe Biden. Além disso, destacou o envolvimento pessoal do presidente. Esse processo excepcional, uma espécie de julgamento parlamentar, deve determinar se o presidente cometeu algum crime ou ofensa grave no escândalo ucraniano, o que levaria à sua remoção.

George Kent e William Taylor no início da audiência.
George Kent e William Taylor no início da audiência.Andrew Harnik (AP)

As duas primeiras testemunhas a depor foram o embaixador interino na Ucrânia, William B. Taylor, e o alto funcionário do Departamento de Estado George Kent. Ambos já tinham prestado depoimento a portas fechadas. Taylor, com meio século de serviço público, denunciou em seu primeiro comparecimento ao Congresso, semanas atrás, “uma história de rancores, informantes, canais paralelos, troca de favores, corrupção e interferência nas eleições” americanas que põe Trump em apuros. “Encontrei um canal irregular de política para a Ucrânia”, disse ele nesta quarta-feira no Capitólio. “Escrevi que bloquear a ajuda [americana] para a segurança [ucraniana] em troca de ajuda para uma campanha política doméstica seria uma loucura”, acrescentou.

O diplomata William Taylor, com 50 anos de serviço nas costas e o hábito de tomar nota de tudo, disse nesta quarta-feira que ouviu abertamente que a ajuda militar era uma moeda em uma conversa em 1º de setembro com Tim Morrison, consultor do Conselho de Segurança Nacional, que renunciou em setembro passado. Segundo o relato de Taylor, Morrison contou a ele uma conversa entre um diplomata americano — Gordon Sondland — e um consultor do governo ucraniano, Adrei Yermak, em Varsóvia. Nele, o primeiro alertou o segundo de que os auxílios à segurança não viriam até o presidente Volodimir Zelensky anunciar publicamente a investigação sobre a empresa do filho de Biden. "Escrevi que seria 'uma loucura' reter a assistência de segurança como forma de troca para obter ajuda em uma campanha política doméstica nos Estados Unidos", afirmou Taylor.

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"É isso que os americanos devem esperar de seu presidente? Se esse comportamento não merece um julgamento político, então o que ele merece?", perguntou o presidente do Comitê de Inteligência, o democrata Adam Schiff, no início da sessão. Em contraposição, o republicano de mais alto escalão do comitê, Devin Nunes, defendeu o presidente questionando a imparcialidade das testemunhas e enfatizando que as informações de Taylor não vieram em primeira mão, mas foram elaboradas seguindo a história de outros. Além disso, Zelensky nega receber pressão. "O que vamos testemunhar hoje é uma peça televisionada encenada pelos democratas", criticou.

Para os democratas, uma das evidências conclusivas do assunto é a conversa telefônica em 25 de julho entre Trump e Zelensky, na qual o americano pede explicitamente a investigação. Além do testemunho de Taylor, algumas mensagens de texto entre diplomatas, divulgadas após essas investigações, sugerem que a ajuda e um convite para Zelensky para a Casa Branca foram usados como mecanismo de pressão.

Todos os depoimentos até agora tinham sido feitos a portas fechadas, mas nesta quarta-feira, às 10h de Washington (meio-dia de Brasília), na sala 1.100 do edifício Longworth da Câmara dos Representantes, começou o espetáculo. A cidade de Washington, um grande parque temático da política, preparou-se para a ocasião, como costuma fazer em muitos desses casos, com os bares abrindo mais cedo e servindo bebidas com desconto para acompanhar os depoimentos pela TV, como se fosse um acontecimento esportivo. É a quarta vez na história que os Estados Unidos ativam esse processo e, até agora, ele nunca foi levado até o fim. Richard Nixon renunciou pelo caso Watergate antes que a votação do impeachment chegasse à fase final, no Senado.

Os depoimentos feitos até agora traçam um modus operandi mais que polêmico, segundo o qual o líder republicano usou uma diplomacia paralela para influenciar o Governo ucraniano, que incluiu troca de favores e concedeu a Rudy Giuliani, advogado pessoal do presidente, um papel fundamental. Para os democratas, uma das provas mais conclusivas do caso é a conversa telefônica de 25 de julho entre Trump e o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, na qual o americano lhe pede explicitamente a investigação. Além disso, algumas mensagens de texto entre diplomatas, divulgadas como resultado da investigação atual, indicam que o presidente americano usou ajudas e um convite para Zelenski visitar a Casa Branca como mecanismos de pressão.

Taylor e Kent já haviam testemunhado a portas fechadas, e as transcrições de suas declarações foram tornadas públicas. Desta vez, Taylor forneceu alguns detalhes que, se verdade, são muito comprometedores para Trump, porque mostram um envolvimento muito pessoal, não apenas através de intermediários. O embaixador lembra que uma pessoa de sua equipe ouviu uma conversa entre Sondland e o presidente Trump em 26 de julho. Nele, teria ouvido o presidente perguntar sobre "as investigações". Sondland disse a ele, quando desligou, que Trump "se importava mais com as investigações de Biden" do que com a Ucrânia. Kent, enquanto isso, acusou Giuliani de ter realizado uma campanha para "sujar" Marie Yovanovitch, ex-embaixadora dos EUA na Ucrânia, que denunciou a pressão de Trump para demiti-la com "acusações falsas".

O Comitê de Inteligência, responsável pela maior parte da investigação, fará um relatório final que será enviado ao Comitê de Justiça. Mesmo que os democratas votem a favor das acusações penais contra o presidente na Câmara, o caso passará depois para o Senado, de maioria republicana, encarregado de realizar o “julgamento” em si e de votar o veredicto. A não ser que ocorram novas descobertas na investigação, o impeachment tem poucas possibilidades de ser aprovado, pois requer 67 dos 100 votos do Senado, e os republicanos cerraram fileiras em torno de Trump. Mas o drama político, a um ano das eleições, está sendo transmitido ao vivo pela TV e por streaming.

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