_
_
_
_

A odisseia de Evo Morales para viajar da Bolívia para o México: “Uma viagem pela política latino-americana”

Percurso esteve repleto de empecilhos e negociações com vários Governos sul-americanos

Javier Lafuente
Cidade do México -
Evo Morales no avião da Força Aérea mexicana.
Evo Morales no avião da Força Aérea mexicana.SRE

Há apenas um mês, Evo Morales dizia em tom de brincadeira, a bordo do Falcon 900 presidencial boliviano, que se tratava do “avião sequestrado”. Assim definia a aeronave que teve que fazer uma aterrissagem de emergência na Áustria em 2013 porque, voltando de uma viagem à Rússia, havia sido proibido de sobrevoar França, Portugal, Espanha e Itália, por causa dos rumores de que Edward Snowden viajava a bordo. Aquele périplo, no entanto, ficou pequeno diante da odisseia que foi a saída de Morales da Bolívia para o México, aonde chegou nesta terça-feira, logo depois das 11h (hora local). Um percurso que o chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, resumiu como “uma viagem pela política latino-americana”.

Mais informações
Evo Morales renuncia na Bolívia após militares cobrarem sua saída
O indígena, o operário e o poder militar-religioso
O que aconteceu com Evo Morales na Bolívia é um golpe de Estado?

Ebrard relatou, em traços gerais, a odisseia do líder boliviano, que na segunda-feira aceitou a oferta mexicana de asilo político por razões humanitárias. “Um périplo por diferentes espaços e decisões políticas”, observou, durante a entrevista coletiva matutina do presidente Andrés Manuel López Obrador, que, em segundo plano, assistia ensimesmado ao relato de Ebrard.

Na manhã da segunda-feira, conforme confirmaram fontes oficiais a este jornal, o México enviou um avião militar para recolher Morales, prevendo que este aceitaria a oferta de asilo depois de anunciar sua renúncia na noite de domingo. O plano era viajar a Lima, com a autorização do Governo do Peru, e lá esperar as “autorizações competentes” da Bolívia. “Vocês imaginarão o problema, em virtude de que estão no meio de um processo muito complexo e não se sabe muito bem quem decide o quê”, observou Ebrard num relato em que a linguagem diplomática era dominada pelos eufemismos. “São os militares os que mandam, isto é um golpe, isto é um golpe”, dizia no final da noite uma fonte oficial mexicana, próxima a López Obrador, que pediu o anonimato.

No começo da tarde, os militares bolivianos comunicaram que aceitavam que Evo Morales fosse levado para o México, por isso o avião da Força Aérea mexicana decolou de Lima. Quando chegou ao espaço aéreo boliviano, porém, seu acesso foi negado, e a aeronave teve que voltar à capital peruana. Foi nesse intervalo, segundo fontes oficiais, que o México anunciou apressadamente a concessão do asilo político a Morales, insistindo na necessidade de preservar a integridade do líder boliviano.

As horas de espera em Lima são eternas. A operação está a ponto de fracassar. Até o reabastecimento de combustível no aeroporto peruano foi complicado, pois era exigido pagamento em espécie, o que atrasa ainda mais a decolagem. Enquanto isso, as negociações entre o Governo mexicano e os militares bolivianos não param. À frente delas, o chanceler Ebrard, o subsecretário para a América Latina, Maximiliamo Reyes, e a embaixadora do México na Bolívia, María Teresa Mercado. O comando da Força Aérea boliviana acaba por conceder a autorização para recolher Morales, desta vez de forma definitiva, “o que mostra quem tem o poder agora na Bolívia”, comentou Ebrard.

O avião mexicano chegou, por volta das 19h (hora local da Bolívia, 20h em Brasília), ao aeroporto de Chimoré, no departamento de Cochabamba, onde Morales se protegia desde que anunciou a renúncia, forçado pelos protestos e pela pressão dos militares. O presidente, assim, deixou seu país por uma antiga base norte-americana, onde o DEA operava na luta contra o narcotráfico, e que o líder boliviano havia transformado em um aeroporto internacional no coração da selva.

Os momentos de maior tensão, entretanto, ainda estavam por vir. O México previa usar a mesma rota de volta. Segundo o relato de Ebrard, por volta das 19h30 (hora local), quando o avião estava prestes a decolar, o chanceler peruano lhe avisou que “pelas avaliações políticas” suspendia a permissão para abastecer em Lima. “Foi o pior momento, porque partidários de Morales se reuniram fora do aeroporto boliviano, e havia militares dentro”, disse o chefe da diplomacia mexicana.

A espera foi muito tensa, até que se obteve um plano alternativo, no qual teve um papel importante o presidente-eleito da Argentina. Alberto Fernández conversou com o presidente do Paraguai, Mario Abdo, para lhe pedir que deixasse o avião mexicano voar com Morales até Assunção, e ali reabastecer. O chanceler paraguaio se comunicou com Ebrard para dar a sua autorização e lhe garantir que a aeronave poderia esperar o tempo que fosse necessário em Assunção.

Já a caminho de lá, e com a garantia de que o avião poderia ser abastecido, o Governo mexicano pediu ao peruano que permitisse o sobrevoo do seu espaço aéreo, sem necessidade de aterrissar em seu território – o que foi concedido. Ao mesmo tempo, consultou-se com o Equador se, caso fosse necessário abastecer de novo, seria possível usar o aeroporto de Guayaquil. Também receberam o aval.

Prestes a decolar do Paraguai, autoridades da Bolívia comunicaram ao México que, com Morales a bordo, já não poderiam mais sobrevoar o espaço aéreo, por isso tudo voltava a se atrasar. O embaixador do Brasil em La Paz, Octávio Côrtes, se ofereceu então para ajudar e conseguiu, “quase milagrosamente”, segundo Ebrard, uma permissão para voar na linha fronteiriça entre a Bolívia e o Brasil. De lá, o plano era sair para o Peru, cruzar o espaço aéreo do Equador e chegar a água internacionais do Pacífico, continuando rumo ao México. O avião tem uma autonomia de 11 horas, de modo que, com os tanques cheios de combustível, não precisaria parar mais.

Com todas as permissões asseguradas, por volta das 2h o avião com Evo Morales decolou de Assunção. A confusão foi tanta que, ainda na manhã da terça-feira, Ebrard chegou a anunciar que o Equador havia proibido o sobrevoo do seu espaço aéreo, embora mais tarde tenha recuado. Já depois das 11h de terça (16h em Brasília), Evo Morales aterrissou como asilado político no México. Um país sobre o qual disse, assim que pisou no seu solo: "Salvou-me a vida".

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_