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Aliança de esquerda na Argentina celebra Fernández e Lula à sombra da crise na Bolívia

Encontro com presença de Dilma Rousseff elogiou ímpeto de protestos chilenos, mas criticou atos de oposição a Evo Morales um dia antes de boliviano ceder e convocar novas eleições

Federico Rivas Molina
Grupo de Puebla
Dilma, Fernández e Samper saúdam Lula na abertua do Grupo de Puebla, em Buenos Aires.

Alberto Fernández teve seu banho de esquerda. Como anfitrião em Buenos Aires da segunda reunião do Grupo de Puebla, o presidente eleito da Argentina recebeu a "tocha do progressismo latino-americano", como lhe disse o ex-presidente colombiano Ernesto Samper. Ele foi acolhido por outros ex-mandatários, incluindo Dilma Rousseff e o paraguaio Fernando Lugo. As estrelas que dominaram o cenário político regional durante o início do século estão de volta. E cheias de otimismo, depois de "anos em que ficamos angustiados porque pensamos que o conservadorismo havia chegado para ficar", disse Fernández, proa de uma virada ideológica que vislumbram como imparável após a chegada de López Obrador ao poder no México e, agora, do kirchnerismo na Argentina. A abertura, neste sábado, das reuniões do Grupo Puebla também teve um protagonista ausente, o recém-libertado ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O brasileiro enviou do Brasil uma saudação gravada, na qual insistiu em que seu compromisso agora será "construir uma grande América Latina". 

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O Grupo de Puebla é apresentado como uma comunhão de 32 líderes que "se fazem representar eles mesmos e buscam acordos regionais", disse o ex-deputado chileno Marco Enríquez Ominani, um de seus principais promotores. “Não somos um grupo de ativismo político, mas também não somos um grupo de reflexão monástica; não estamos em um mosteiro. Queremos agir para desenvolver uma agenda progressista na América Latina, esclareceu Samper. Muito se passou desde o primeiro encontro em Puebla, no México, em julho. O segundo, em Buenos Aires encontra o Chile e o Equador mobilizados e a Bolívia, em um processo eleitoral repudiado pela oposição. O encontro se deu antes, aliás, da guinada boliviana, onde Evo Morales foi obrigado a recuar e a convocar eleições.

A liberdade de Lula na véspera deu ao encontro um impulso inesperado. A sintonia entre Fernández e Lula é inquestionável. O líder peronista o visitou na prisão durante a campanha, mesmo contra aqueles que o alertaram sobre os riscos de atiçar a ira do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. “Passei uma hora com Lula. Os guardas chegaram a dizer que o tempo estava acabando e Lula os desafiava. Ele me disse duas ou três vezes: 'você tem que ganhar na Argentina'. Cumpri, Lula, venci na Argentina e vamos colocar a Argentina em pé. Estou feliz que Lula esteja livre", disse Fernández.

O brasileiro retribuiu o cumprimento à distância: “Quando vi que Fernández tinha vencido, senti que eu havia vencido no Brasil (…) sou livre, com muitos desejos de luta. Eu tenho o objetivo na vida de constituir uma integração regional muito forte”. A ex-presidente Dilma Rousseff enfatizou a importância política dessa nova conjunção de líderes. “Lula livre, podendo andar livremente pelo Brasil, pode trazer de volta a democracia e a paz. E a escolha de Alberto muda as condições, porque inverte a onda conservadora na região.”

Até onde essa onda será interrompida é, por enquanto, o fruto da especulação. O Grupo de Puebla considera que as revoltas no Chile são evidência de um povo "que se levantou contra a desigualdade", mas ao mesmo tempo avalia que a Bolívia enfrenta "uma classe dominante que não se resigna a que o poder esteja nas mãos de um presidente que se parece com os bolivianos", disse Fernández. A relação entre Argentina e Brasil será fundamental, condicionada pelo apoio público que o presidente eleito da Argentina dá a Lula.

Na prévia do encontro, o colombiano Samper considerou que é possível uma integração regional –as duas palavras que mais soaram neste sábado em Buenos Aires– que prescinda do Brasil. "O Brasil decidiu dançar com outra", disse ele, referindo-se aos Estados Unidos. Mas a dependência econômica da Argentina de seu principal parceiro do Mercosul é um limite para o otimismo do colombiano. Mais tarde, Fernández deixou depois tudo às claras. "A unidade entre Brasil e Argentina é indissolúvel, nenhum governo conjuntural pode arruiná-la, é o eixo da unidade da América do Sul. Entre os dois temos 70% do PIB sul-americano", afirmou.

Diálogo entre Fernández e Macron

Alberto Fernández revelou que na manhã deste sábado teve uma conversa "esplêndida", de "quase uma hora" com o presidente da França, Emmanuel Macron. “Conversamos sobre os problemas do continente. E senti que Macron entendeu o que estava acontecendo na Bolívia, e lhe contei o que se passa no Chile, e lhe disse que o milagre chileno é que não tivessem se rebelado antes”, disse Fernandez. A conversa foi a resposta natural a uma carta que Macron enviou a Fernández em 30 de outubro, na qual o parabenizou pela vitória eleitoral e disse que "ficaria muito satisfeito em recebê-la na França assim que sua agenda permitir". "Sua visita será uma oportunidade de destacar a riqueza do relacionamento entre nossas duas nações", escreveu o presidente francês.A viagem a Paris está na ordem do dia, apesar de depender de haver um lugar na agenda antes da posse, prevista para 10 de dezembro.

A publicidade que Fernández deu à sua comunicação com Macron é um dado político. Além da grande integração regional promovida pelo Grupo de Puebla, o novo Governo argentino deve resolver questões relacionadas ao Mercosul, o mercado comum com o Brasil, Paraguai e Uruguai. Bolsonaro ameaçou dinamitar o Mercosul como parte da guerra que declarou a Fernández, tudo no contexto do acordo de livre comércio que o bloco sul-americano fechou este ano com a União Europeia.

O presidente do Brasil questionou a disposição da Argentina de honrar esse pacto, assinado por Mauricio Macri no crepúsculo de seu mandato, mas, se Fernández alcançar uma boa harmonia com Macron, fortalecerá sua posição diante de Brasília. É precisamente na França que o acordo Mercosul-União Européia, na dependência de aprovação nos respectivos parlamentos nacionais da UE, encontra mais objeções.

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